segunda-feira, 24 de junho de 2013

O pescador e sua alma

 Bianca Queda

O fim do dia se aproximava. No horizonte, o sol parecia apagar-se, confundindo-se com os fiapos cinza das nuvens que encaixilhavam os contornos da montanha. O estridor do vento sul anunciava a fina garoa que ali se alastrava. Já havia passado a hora de seu regresso. Porém, nas águas, o silêncio. Nem um rebojo, nem um sinal da sua presença, nenhum marisco. Apenas sua batera fora encontrada. Onde andaria?

A lua cheia ainda não havia aparecido, sua claridade não contribuía para iluminar a vasta orla da praia da Barra. As árvores e os ramos de matos balançavam com o vento agudo. As águas da maré subiam, cobriam as pequenas faixas de areia ao redor dos ranchos dos pescadores, tudo se transformava em mar pela força da atração lunar.

A noite chegou de vez na praia e o medo começou a rondar os moradores da Barra do Aririú. Com os olhos na janela buscando loucamente algum movimento inopinado na esperança de que algo pudesse aparecer. O temor começou a se espalhar. Não sabiam se a lenda era verdadeira, apenas a ouviam de pessoas que estiveram no mangue. Nada se movia na vila de pescadores. Onde estaria o Neguinho do seu Dan Danga?

Todos os habitantes da Barra do Aririú conheciam Naílson João Martins. Homem alto, magro de barba cerrada e ossos proeminentes visíveis por debaixo das roupas finas e gastas. Possuía uma pele amorenada, olhos escuros como a penumbra da noite. Seus cabelos eram lisos e pretos, seus traços eram precisamente açorianos. Calçava sempre chinelos de dedos. 

Sua vida era dedicava à pesca de mariscos na lama do próprio mangue do Aririú. Pescador de poucas palavras, ninguém nunca soube o porquê do apelido. Criado no mar, com 41 anos, jovem para morte, esboçava sempre um aspecto tranquilo em sua imperturbável seriedade.

Matinha costumes frugais, todos os dias pontualmente às 5h da manhã embarcava em sua batera mangue adentro. Naquele solo lodoso com a ajuda dos pés e das mãos, pescava os mariscos nativos que crescem na lama. Retornava sempre por volta do meio dia, limpava o landuá, pequeno instrumento de pesca feito com uma curta rede segurada a um galho de planta de maneira oval. Seguia para sua casa. E ao anoitecer, andejava rumo ao bar do Baguinha em ritmo de uma marcha, cantarolando cantigas embriagadas de amor. 

Mas, aquele dia não era comum como todos os outros. O mar estava agitado desde manhã até o pôr-do-sol. As árvores balançavam freneticamente. Percebiam-se zumbidos ecoando pela longa planície litorânea que rodeava os ranchos. Sem família, mulher ou filhos para se preocupar, a presença de Nailton só foi sentida pelo irmão, seu Chalita. 

Os cochichos eram muitos, por todo o burgo de pescadores a lendária estória ressoava. Não poderia ser verdade. Há tantos contos sobre o folclore dos manguezais, e esse era apenas mais um. A cada hora que passava a lenda parecia ser tornar mais verdadeira. Haveria de ser real a cobra do mangue do Aririú, que aprisionava a alma dos navegantes de primeira viagem? A gigante serpente que vivia nas valetas daquele lodo sombrio e denso teria o encontrado? Estaria Neguinho do seu Dan Danga na profundidade da lama?

As buscas foram incessantes, naquela madrugada de maré alta, os ranchos ficaram acessos. As lanternas iluminavam a extensa faixa de mar que desembocava no mangue. Oito foram os dias de busca. E nada. Nem sequer um pedaço de roupa. A equipe de bombeiros veio ajudar. Nada. Era como se seu corpo tivesse virado pó, sem deixar rastros ou vestígios.

No dia 30 de Junho de 2013 fez um ano de seu desaparecimento inexplicável. Até hoje os moradores se perguntam e questionam sobre seu devaneio. Há quem acredite que Neguinho do seu Dan Danga tomado pela embriaguez rotineira perdeu o equilíbrio de seu corpo e atolou-se nas valetas de lama do mar. Mas, Nailton se criou na água, sabia nadar melhor que qualquer peixe da Barra. O sumiço poderia ter sido proposital? Alguns especulam que ele contornou o mangue e desembocou na praia do Cubatão. Alguém poderia estar esperando lá? . Outros afirmar, que em madrugadas de lua cheia é possível ouvir seus gritos de dor. O que ocasionaria esse assombroso acontecimento? A serpente teria aprisionado sua alma é ou apenas estória de pescador? O que sabe é que Naílson João Martins navegava contente e veio sumir no próprio mar.

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