Bruna Moraes
A infância de Antônio
- Vovô, obrigado por nos fazer crescer desta maneira. Que criança não fica feliz quando vai passar uma ou duas pequeninas semanas em uma praia?
- Pois nós vivemos no lugar mais precioso que as praias, vivemos pescando no mar. – o pequeno Antônio concluiu, quando ainda tinha sete anos. Agora com 35 anos, o menino que cresceu no mar, ajuda o pai com os a fazeres. A alegria e a responsabilidade andam lado a lado.
Ele e seu irmão eram crianças nativas de Florianópolis que tiveram uma infância de aventuras, tão pequeninos, em meio às sobras de pescadores descabelados. Divertiam-se com tudo o que faziam no barco. As más visões, quando ondas gigantes ameaçavam o barco, não assustavam os meninos.
- Que bom que não temos irmãs. – Riam.
Adoravam quando iam para o meio do oceano pescar... A não ser Antônio que era obrigado a acenar para Ana, a menina doce que morava na casa ao lado. Os olhos brilhavam como o mar. Ana ficava na areia, com suas saias e os pés descalços, o brilho em seu olhar refletia o sol, intenso e quente, borbulhando uma saudade momentânea, mesmo sabendo que logo os meninos estariam com peixes e muito trabalho de volta beirando o mar.
Ana
Uma moça apaixonada por tudo que vem do mar: homem e frutos
Meu coração ferveu junto com os mariscos ao bafo que minha vó fazia. Éramos vizinhos eu tinha doze lagostas gratinadas e anos. Levei para meus pais e tios. Era um típico Domingo. Gostei dele. Eu gostei de Antônio e nunca mais esqueci. Não era amor, era “gostura”. Amor acaba, gostar não.
Os pés sujos descalçados, a bainha da calça remangada nas canelas finas e eu via ele mais bonito do que realmente era, quando vinha trazer os camarões para minha vovó eu ficava com vergonha. Nossas famílias eram vizinhas, nossos casebres eram bons para a época. Melhores que muitos outros.
Mal sabia eu que Eu quem era linda, quando menina, agora sou gorda e inchada da vida. Como era bobinha, insegura eu ficava quando o menino de canelas finas aparecia na nossa casa. Antônio diz que é desculpa e que não me cuidei, mas comi muito a vida toda no restaurante, fiquei obesa sim. Ele não entende que não tenho tempo e diz que isso é desculpa de mulheres gordas rosadas.
Nos demos muito bem a vida toda. Depois dos doze anos envergonhados, vieram muitas lagostas gratinadas, mariscos no bafo, peixes fritos, olhares e os filhos: Pedro, Mário, que chega a assustar de tão calado e Gabriela, a mais nova, hoje com 31. Gabriela senta nas mesas do restaurante que estão desocupadas e joga paciência com as cartas do baralho, adora fazer isso. Como o restaurante nunca enche, quando há mesas sobrando no puxadinho que fizemos lá fora, ela vai naquelas mesas. Lá é o luxo do restaurante, tudo é simples de madeira, mas a vista do mar naquele local é incrível. As quatro mesas mais disputadas ficam por lá.
As pessoas não vêm aqui por que é um bom lugar, nosso reconhecimento é na cozinha mesmo. Os pratos que faço, aprendi com minha avó e depois via minha mãe fazer. Mesmo havendo cursos de gastronomia e culinária, nunquinha fui a lugar nenhum desses. Ensino o que aprendi para a minha funcionária que está comigo há uns 20 anos. Ela não vai embora cedo, nos damos bem, ajuda até o fim e não reclama que não dou hora extra. É puxado para mim e para ela, mas somos amigas também.
Todos os dias acordo cedo, cedo que me refiro é seis da manhã. Tomo meu café, a cozinha do restaurante começa a funcionar cedo também. Eu mesma confiro o que falta: há alguns pratos que levam muitos frutos do mar, a paella, por exemplo, e preciso ter todos os ingredientes. Há os camarões gigantes também com temperos. Esses eu prefiro fazer. Os temperos incluem muito amor, esse é o segredo. Os turistas vêm aqui porque gostam das coisas que faço. A comida não pode dar errada se não as pessoas nunca mais retornam.
Canso muito, mas essa profissão é o que me faz sentir útil para Antônio. Faço porque amo meu marido, ver ele orgulhoso é prazeroso para mim. As pessoas não sabem que no fundo dentro das cozinhas há uma esposa apaixonada. Já fiquei muitos dias sem dormir esperando o Antônio voltar das pescas. Quase perdi o controle nas pressões do verão, quando o restaurante lotava e eu era jovem e não sabia direito como fazer.
Crianças pequenas, ingredientes misturados, chão deslizante, panelas sujas esgotadas, lixo cheio, louças quase que todas usadas, clientes pedindo coisas desnecessárias- como por exemplo, um copo com gelo. Você sabe o que é pensar em um copo com gelo enquanto cinquenta pessoas esperam pratos quentes e variados de frutos do mar? Mas o retorno vinha com o dinheiro que dava para sustentar a família e assim aprimorei o subir e descer da cozinha, o sorriso no rosto para agradar o cliente, o freezer só para gelos veio mais tarde, o cuidado com as bebidas para estarem a uma temperatura que cobrisse exigências também.
O lugar foi crescendo, meu casamento, em troca do meu esforço, segue bem. Antônio é meu parceiro. A pimenta do nosso restaurante é o amor. Viver sem o amor do meu pescador seria impossível, seria pescar a dor. Desde os doze anos apaixonada. Dou minha vida por este homem e quando descobri o que os filhos nos trazem, a alegria e o amor inacabável, o restaurante ficou melhor ainda. Não há falta de paciência quando somos regados pelo amor.
Nas pescas fico mesmo acenando ainda até hoje, quando estiver velhinha com oitenta anos, ainda acenarei. Enquanto estivermos com os pés na areia, sentindo a brisa do mar, estaremos cultuando nosso jeito de viver. Não há sossego mais gostoso do que lazer com a minha família, não há trabalho mais gratificante do que servir o cliente e as bocas dos que amo em casa. A gordura é um detalhe, tenho certeza que Antônio ama essa gorduchinha rosada apaixonada.
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