sábado, 29 de junho de 2013

Entre peixes, cães e gatos está o homem natureza

Nícolas David

A Vila é moradia das embarcações
e ponto de encontro dos pescadores da Barra do Aririú
Na beira do mar, próximo ao local de trabalho - ou de hobby, como uns preferem dizer, está o point de cerca de 50 pescadores. São 20 ranchos onde pernoitam as embarcações que adentram a imensidão azul do mar quando o gigante está para peixe. Quando não é possível sair para a pescaria, eles ficam nessa outra casa tricotando, ajeitando uma coisinha aqui e outra ali nos barcos ou simplesmente bebendo uma cervejinha para se “aquecer” a noite. Dessa forma, ocupam o espaço para o qual destinam máximo zelo e cuidado. Ali, homem e natureza se relacionam pacificamente, um como hospedeiro, outro como parasita transformador.
Nos ranchinhos, cuja madeira foi doada pela prefeitura, eles se encontram praticamente todas as noites. São cerca de 20 construções, 20 equipes pesqueiras, mas nem todos se conhecem ou interagem na “vizinhança”. Conhecem-se de vista, como eles mesmos dizem, cumprimentam-se, mas daí, a saber, nome ou apelido de cada um existe uma grande lacuna.
Marcelo é bem conhecido, talvez a grande liderança de um dos ranchos. Dono de Santa Catarina Z II, exuberante embarcação, que ao navegar na praia do Tomé costuma trazer de volta muitos peixões. História de pescador? Que nada! Para se desfazer da alcunha ele exibe as fotografias que comprovam a história contada.

Mais que o lugar de armazenamento dos barcos, o rancho é ponto de encontro e conversas e local onde permanecem por seguidas horas da noite. Além do som do mar e da tagarelice dos pescadores, preenchem o ambiente as músicas do rádio. Nada de notícias jornalísticas do mundo lá fora, apenas música sertaneja e popular, para deixar ainda mais agradáveis as “noitadas”.
A majestosa embarcação de Marcelo descansa no rancho do pescador
Pouco importa, aliás, o que se passa lá fora quando estão ali. A comunidade faz parte do mundo, mas o que ocorre no mundo não interessa nessas ocasiões. E o mundo não sabe bem o que acontece na Praia do Tomé. Os cidadãos recebem na mesa a tainha, a tainhota, os mariscos, mas não sabem a origem, o esforço dispensado. Não significa um problema de relacionamento entre os pescadores e o cidadão comum, que apenas degusta os frutos do mar. É apenas o estado natural das coisas: cada um no seu canto, vivendo a seu modo. Não é um problema, é a divisão de ofícios entre os homens.

Em 2011, entretanto, uma das noites não foi tão prazerosa para os pescadores. Um incêndio, cujas causas não foram desveladas, queimou um dos ranchos da comunidade, trazendo prejuízo de cerca de R$ 30 mil ao dono. Com a ajuda dos outros rancheiros, hoje, a construção foi levantada novamente, e o susto tornou-se mais uma história a ser contada na pequena vila.

Figueira e Tempestade são as sentinelas do local
Outros seres da natureza habitam as redondezas dos ranchos. Os cães são a maioria. A pequenina Figueira, também chamada de Das Águas, um filhote de vira-lata dono de uma enorme barriga infestada de vermes, é a mais agitada. Outra que perambula por ali é medrosa Tempestade. Ela não se aproxima facilmente de visitantes estranhos. Mas, segundo os pescadores, os cachorros não estão ali apenas para filar um pedacinho de peixe: eles protegem o local.

Os gatos também são comuns. Ariscos, percorrem as proximidades dos intervencionistas portadores de câmeras, gravadores e blocos que estão dispostos a contar a história dos pescadores. Os felinos, por sua vez, não se misturam, não se relacionam. Apenas assistem de longe o processo jornalístico que antecede as muitas histórias contadas, farejando a possibilidade de encontrar um peixinho dando sopa. Não têm nome. São interesseiros, bandidos, os marginais do entorno. Ali estão para tentar uma casquinha do troféu dos pescadores: os peixes grandes.

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