quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Novas diretrizes, velhos paradigmas

Luciano Bitencourt

Homologadas pelo Ministério da Educação agora, em 12 de setembro, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Jornalismo valorizam as especificidades da atividade profissional no campo da Comunicação. A rigor, o parecer que as sustenta (CNE/CES 39/2013) muda em muito pouca coisa o que foi sugerido pela comissão de especialistas num relatório encomendado pelo próprio MEC e entregue em 2009. Há quem reconheça o amplo debate estabelecido ao longo de quatro longos anos envolvendo os diversos setores da esfera acadêmica e jornalística. Mas as decisões levam em conta a voz uníssona das escolas públicas vinculadas às instituições federais de ensino, às quais estão associadas quase todas as pesquisas que sustentam os argumentos do relatório e do parecer.

De qualquer modo, as novas diretrizes põem em questão um debate para além dos currículos decorrentes de suas orientações. A Comunicação Social não é mais entendida como o campo de saberes sobre o qual estruturam-se os conhecimentos em Jornalismo. E esse é um debate antigo. Na relação de forças que historicamente constituiu as referências curriculares no Brasil, o Jornalismo, como precursor dos estudos acadêmicos, sempre esteve associado a outras áreas. Nasceu com as Humanidades, fundamentou-se nas Ciências Sociais Aplicadas e a formação superior decretada em 1969 fixou o exercício profissional como habilitação da Comunicação Social. Até a homologação das novas diretrizes.

Há um ano consolidamos na Unisul a reforma curricular para os cursos de Comunicação Social. Obviamente, o corpo docente, a despeito de obrigar-se a seguir as diretrizes em vigência no momento da reformulação, acompanhou a proposição dos especialistas e os debates promovidos em função dela. Percebe-se que a autonomia do Jornalismo em relação à Comunicação Social evidencia uma preocupação bem pragmática quanto aos fluxos curriculares em andamento nas instituições privadas: há a alegação de que a formação específica vê-se reduzida diante do compartilhamento de disciplinas genéricas, que constituem uma espécie de eixo comum às demais habilitações. A preocupação procede, quando não há argumentos pedagógicos que sustentem esse tipo de proposição. Na prática, generaliza-se a ideia de que os conteúdos comuns às diferentes habilitações têm alicerce na mercantilização do ensino superior.

Além de segregadora, essa é uma concepção academicista calcada na formação excessivamente conteudista que, infelizmente, concentra o espectro de possibilidades na organização do processo educacional brasileiro de nível superior. Em outras palavras, instituições que precisam equilibrar fluxo curricular e otimização de estrutura nas propostas pedagógicas, de saída, são vistas como nocivas ao processo de formação. É como se as escolas subsidiadas pelo Estado fossem exemplo de organização acadêmico-pedagógica única e exclusivamente porque não precisam pôr em primeiro plano o custo-benefício de suas propostas. Por ora, mudemos a prosa para o que nos interessa.

Na Unisul organizamos o recente currículo de Jornalismo por ciclos de estudo. E o que significa isso? Nossa proposta curricular busca concentrar atividades para fortalecer a formação específica sem o isolamento da atividade jornalística em relação ao seu campo de atuação. Os ciclos de estudo propõem o exercício das técnicas, das narrativas e gêneros, das relações de produção e das experimentações tecnológicas, conceituais e de linguagem para além dos suportes midiáticos e das estruturas mercadológicas formais. Como resultado, as experiências concretizadas em cada ciclo constituem um portfólio para o curso e para os estudantes. A ideia é valorizar o campo de atuação e suas potencialidades. O que inclui o mercado mas não reduz-se a ele.

Há ciclos em que futuros jornalistas e publicitários estarão juntos, mas para estudar o campo em que atuam nas suas especificidades. Nesse sentido, as experiências a serem propostas dizem respeito ao diálogo entre duas áreas profissionais específicas, de formação diferenciada e estruturantes nas relações entre as mídias e a sociedade. Não há, portanto, o uso de disciplinas comuns para justificar o compartilhamento de habilitações distintas pelo viés do conteúdo. A nova proposta curricular explora, isso sim, o campo da comunicação nos limites de cada profissão para evidenciar o que as diferencia e como se relacionam; ambiente, aliás, propício para a consolidação de valores éticos, estéticos, políticos e culturais inscritos na mediação entre informação e publicidade, entre o interesse público e a privatização do que é relevante para a sociedade.

As diretrizes recém homologadas para a formação em Jornalismo podem ter promovido avanços quanto a determinados aspectos para o exercício profissional. Mas a excessiva ênfase na autonomia curricular em relação às habilitações da Comunicação Social pode ter entorpecido os sentidos no que diz respeito ao lugar reservado à atividade num futuro relativamente próximo. Essa autonomia já estava anunciada desde 2006, quando o Cinema também deixou de ser habilitação da Comunicação Social. O próprio MEC, em 2010, publicou documento complementar às diretrizes de todos os cursos de graduação dando conta de que não reconhecia mais habilitações, mas linhas de formação. É uma questão de tempo, portanto, a reformulação de todas as diretrizes com esta característica.


Preocupações com as conveniências econômicas e as escolhas políticas passam distante dos pressupostos que embasam as novas diretrizes. Entre as economias de mercado e as sociedades democráticas, o Jornalismo, vinculado ou não à Comunicação Social, precisa inserir no contexto de sua própria instituição as relações de produção que o viabilizam. Num país em que a concentração de poder determina o campo da comunicação, o Jornalismo que nele atua não pode dispensar o exercício de refletir sobre suas possibilidades de materializar transformações sociais a partir de escolhas políticas que escapam aos empreendimentos sedimentados na indústria dos mass media. Para isso, a atividade precisa por-se em interface com as outras atividades do próprio campo. Tendo ou não autonomia nas propostas de formação.

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