terça-feira, 17 de setembro de 2013

Mesa de bar

Camila Albuquerque


Nós ficamos sentados conversando por um tempo em um bar de esquina, não sei estimar ao certo quanto tempo foi, mas penso ter durado semanas, meses talvez.

Soltei minha mala no chão, não era assim uma mala muito grande e nem nova, eu conseguia encaixá-la no compartimento do avião se não fosse o peso que causava o meu excesso de roupas. Sentei exausta naquela cadeira antiga de boteco e tentei não fixar meus olhos e pensamentos na falta que havia me feito as imperfeições daquele rosto. Fiz promessas mentais de que me pagaria um bônus caso conseguisse me manter tranquila e indiferente. Ambos em vão.


Entre a dor latejante do calo no meu pé e o pedido errado entregue pelo garçom ele balbuciou coisas sobre um livro, um show, sua faculdade, talvez tenha sido sobre mais de um show e não especificamente nessa ordem, mas não fez diferença. E enquanto ouvia ele contar as histórias sobre seus escritores preferidos pela vigésima vez, me senti perdida e distante daquele lugar. Será que era ali que eu deveria estar? Insisto em me questionar o que eu estaria fazendo em alguns momentos da minha vida se por um acaso do destino eu tivesse nascido menos impulsiva ou sensível. "É muita sensibilidade entende? As pessoas não são assim..", voltei pra conversa, "Eu sou" - pensei.

Até que ele me apontou com o dedo indicador o trecho de um livro e pediu pra eu ler, era a parte preferida dele até então e julgou que eu gostaria também. Mais uma montoeira de palavras que me cortaram como faca por reforçar a realidade de que talvez ele precise mesmo ir embora. Mais um trecho sobre saudades, partidas, vazio e silêncio. "Sabe quando você fica olhando fixo pra algum lugar e sente que tem mais coisas que deveria fazer? Que não é só isso?" "Acho que sim." - engoli em seco o soco no estômago. 


Achei que já tinha passado da hora de pedir licença e ir até o banheiro - se eu fosse uma dessas pessoas que falam "com licença", só levantei e fui mesmo. 


A escada era suja e a luz piscava como se fosse apagar, "vai aparecer um bêbado aqui" pensei e segui em frente com a cabeça baixa pra não bater no teto que, obviamente, fora feito para anões. Enfim o que eu queria: um espelho. Até que meu cabelo não estava tão feio quanto imaginei e o blush continuava intacto nas minhas bochechas, de qualquer forma não custava retocar e amarrar os cabelos num elástico que achei pelo caminho. Desci as escadas, sem galo na cabeça, sem alface nos dentes e sem bêbado por perto.


Sempre gostei do jeito que ele pronunciava os dias da semana, com um de na frente. Achava esquisito ele ser esquisito na medida certa. E talvez eu nem prestasse atenção realmente em tudo que ele falava, mas não perdia nenhuma gíria nova de vista e nem o movimento constante que ele fazia com os lábios. Pena eu não ter perdido de vista o estalo de ficha caindo, de finalmente entender e concordar que ali, aqui, não era o lugar dele. Aquela mesa de bar não fazia jus às suas histórias e não era o meu sorriso que permaneceria refletindo no seus óculos escuros. 


Acho que desde que o conheci ele sempre foi só ele e dele. Eu acredito que existem pessoas que nascem pra ser do mundo e outras que nascem pra nos fazer querer alcançar o mundo. Não sei como, mas ele de algum jeito conseguia ser os dois. E mesmo tentando ser meu de alguma forma foi em vão, e acabou por sendo mais ele com ele, do outro lado do mundo e em outra mesa de bar.


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