quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Independência jornalística x Dependência financeira

As barreiras e conflitos de quem almeja exercer o jornalismo fora da grande, frenética, consolidada e tresloucada mídia tradicional

Nícolas David

Os "porra-loucas" d'O Pasquim
(Imagem: Revista Alfa)
No final da década de 1960, um grupo de jornalistas e chargistas do Rio de Janeiro se reuniu para fazer um jornal de oposição à ditadura. Sarcásticos, humorísticos, intelectuais, os idealizadores d'O Pasquim são os responsáveis pelo maior case de sucesso do jornalismo alternativo da história da imprensa nacional. Uma imprensa que tipicamente serve ao poder e às elites. No imenso mar dos navegadores da internet, entretanto, coletivos de jornalistas em todo país vem buscando mostrar outras informações que não têm espaço na grande mídia. Os badalados da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), que ascenderam em audiência durante as manifestações de junho, são o mais recente exemplo de jornalistas que optaram por realizar mudanças no envelhecido e desacreditado modelos de negócios da profissão.

Esses profissionais, entretanto, encaram a dificuldade de se manter financeiramente. O jornalista, como qualquer outro ser humano, precisa ganhar dinheiro e esta é a primeira barreira de quem decidiu não preencher as vagas das redações da grande mídia: como sobreviver sem receber?


A alternativa não é algo que já exista. Não há um modelo pronto que aponte as saídas e as soluções do sucesso ou que traga o mínimo retorno financeiro para quem decidiu conduzir a carreira fora dos padrões convencionais. A única certeza é a sanha de querer falar e fazer diferente, de tentar mostrar os fatos como a grande mídia jamais mostraria. Foi o que a jornalista Flora Pereira da Silva e o designer Natan Aquino propuseram no projeto Afreaka, por meio de uma nova prática de financiamento pela internet, o crowdfunding, ou financiamento coletivo. Flora e Natan apresentaram a proposta no Catarse, uma das tantas comunidades de crowdfunding da rede, e receberam doações suficientes para viajar por oito países do continente africano.


Natan Aquino participa das atividades
culturais dos africanos. "Flutuar é preciso"
“Queríamos falar de uma África diferente, estávamos cansados do mesmo estereótipo que sempre ouvimos sobre o continente. Começamos a pensar em várias possibilidades, e entre muitas conversas e dinâmicas de criatividade, criamos juntos toda a concepção do Afreaka. O projeto gráfico surgiu depois de muitos estudos, tentativas e erros. Meu estilo sempre envolveu muitas cores vivas, com uma mistura de vetor com fotografias. Como se trata também de um site de arte e design, tive liberdade para criar de forma mais livre”, explica o webdesigner Natan Aquino.

Na fala de Natan estão palavras que os profissionais da grande imprensa ficam bastante distantes na prática diária. A primeira delas é estilo. A maioria das redações são engessadas, quadradas, empoladas. Os textos têm pouco ou nenhum estilo, nenhuma criatividade e começam por um lead que responde àquelas cinco desgastadas perguntas. A segunda e ainda mais significativa palavra em desuso nas redações é a liberdade. No modelo convencional das redações de jornal impera a voz do dono, que muitas vezes adota posições comerciais em detrimento aos conceitos editoriais. A alternativa é diferente. Nela, está a outra informação, com outra abordagem.

Larissa Cabral, jornalista formada na UFSC, escreveu seu trabalho de conclusão de curso sobre os profissionais de Honduras que trabalhavam em veículos opostos aos golpe que derrubou o presidente Manuel Zelaya, em 2009. Ela obteve nota máxima, mas teve parte de seu trabalho questionado pela banca por mostrar somente um lado do fato histórico. Larissa conta que não faria diferente hoje.

“Esse negócio de isenção é uma viagem. É muita ingenuidade da gente achar que tem que ser neutro e imparcial. Todo fazemos escolhas, todos temos visões de mundo. Acredito que informação seja formação. Meu trabalho era falar sobre os veículos que faziam oposição ao golpe. Eu não tinha visto essas pessoas em outra mídia. Eu queria que todo mundo soubesse que num país próximo do Brasil, profissionais do jornalismo como nós, estavam sendo presos simplesmente por não aceitar as coisas do modo como estavam sendo impostas, explica”.

Depois da década de 1950, o jornalismo brasileiro copiou o modelo norte-americano e os profissionais da nossa imprensa priorizaram a informação e não mais a reflexão. Ficaram de lado as causas e as consequências. As notícias tornaram-se banalidades.

“Os fatos são incontestáveis, realmente. Agora, a análise que você vai fazer diante deles é que faz a diferença. O foco, e o protagonismo a um determinado personagem, a declaração que você vai escolher, o título, tudo isso tem peso e impacto. E essas escolhas não são feitas ingenuamente. Não é nada maquiavélico também. Eu não quero produzir matérias que serão reproduzidas amanhã e depois não tenham valor nenhum”, explica Larissa.

Larissa Cabral em atividade pelo Desacato.
 (Mas é só quando sobra tempo)
A proposta jornalística dos membros do projeto Afreaka e de Larissa, que atua no portal Desacato, cujo slogan é a outra informação, são exemplos de uma mudança discursiva na imprensa, ainda que sejam casos isolados e de pouca incidência de público. Uma mudança mais significativa acontecerá aos poucos, pois quem propõe mudanças nos modelos de negócios, geralmente não são os barões da imprensa que têm os bolsos estufados de dinheiro. Os revolucionários precisam ralar diariamente e não conseguem exercer somente as funções que dão maior prazer e satisfação. Larissa atua também como assessora de imprensa na Dialetto Comunicação Estratégica e Natan faz alguns freelancers para aumentar sua renda. É pelas beiradas, quando encontram tempo disponível, exercem um jornalismo novo, livre, determinado e abertamente parcial.

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