terça-feira, 10 de setembro de 2013

A parada é da Diversidade, mas tudo tem seu preço

Fernando Schweitzer


Foto: Samara Castilho
Ataques homofóbicos acontecem? Sim inclusive em paradas do orgulho gay. Esperei um dia para dar nota, pois quis averiguar a repercussão de tal feito. Um casal de namorados foi agredido por um bando e teve lesões leves no rosto. Após o ataque a organização da 8ª Parada da Diversidade de Florianópolis parou o show e chamou o casal no palco, sendo esse um dos poucos momentos politizados do evento ocorrido na Avenida Beira-mar Norte da capital catarinense.

Quando em Amores Imaginários, Xavier Dolan, o ator, diretor e roteirista quebequense disse através de sua obra "que se alguém morresse a cada vez que eu apertasse F5, não sobraria ninguém vivo no mundo", ele traduziu a alma do ser humano, especificamente do ser que espera na sua caixa de correio eletrônico, a resposta do ser amado. Da comunidade homossexual que ainda espera ser aceita no mundo moderno. Hoje ele é um exemplo do gay exitoso e premiado mundialmente, este aceito pela sociedade.

Na lacuna incipiente entre o modelo idealizado e o mero mortal encontramos as várias cores do arco-íris. Resolvi imergir na paradoxal invisibilidade e ir de ônibus a 8ª Parada da Diversidade. Ao chegar ao terminal do centro vi um rapaz com uma mancha de sangue na camisa, metade do rosto com a barba feita e maquiagem feminina e a outra com barba, e carregando dois cartazes. Para Bruno (23), de Palhoça, "a homofobia tem como raiz a supervalorização do masculino sobre o feminino na sociedade".

As paradas no Brasil tendem a não ser de ordem muito politizada ou de protesto, por isso me chamou a atenção um dos cartazes que Bruno trazia: "Todo homem seja hétero, gay ou bi tem um lado feminino". Ele explicou que muitas vezes "o homossexual mais masculino é melhor aceito" e "o sangue representava no lado esquerdo justamente a forma com que a sociedade fere o feminino", considerando ainda a mulher como inferior.

Já no coletivo segui a conversa e acompanhei esse jovem e uma amiga para o evento, que havia começado. Ao descer, uma senhora de 56 anos pede para ver os cartazes que Bruno levava. Logo Márcia, que afirmou ser heterossexual disse crer que "homofobia, como qualquer coisa que seja radical deve ser desprezada, abolida".

Drags que fizeram shows desfiaram antes em trios
Cassandra Vablatsky, Rafaely Bitencourt e Sarah Topdrag
Rumo ao palco onde ocorriam vários shows. Havia uma grande aglomeração e pouco policiamento. Inusitadamente no meio das pessoas haviam casais heterossexuais que se beijavam e trocavam carícias de forma agressiva e visceral em um ato claro de rejeição a homossexualidade. Uma constante durante todo o evento também era a tentativa forçada de alguns jovens de beijarem garotas lésbicas, o que gerava conflitos e algumas discussões.

O clima era de uma tensa mistura... Festa, apreensão, alegria, música e precaução. Um mulher incomodada com um casal hétero, aparentemente alcoolizados, que se tocavam de maneira promíscua ao lado de crianças que assistiam uma companhia de dança, pediu que parassem ou que fossem para casa. A situação gerou uma conversa não muito amistosa, até que o casal se deslocou para outro ponto da parada.

A temperatura subia, pela aglomeração das pessoas. Então o primeiro grave incidente. A música parou. Um casal homossexual foi agredido e subiu ao palco com visíveis marcas no rosto mesmo para quem estava distante do palco como eu. Um dos dois garotos, após o pronunciamento dos organizadores em repúdio a ação, falou: "Eu não desejo nada de mau para vocês... Esse corte que eu vou levar no rosto, ele vai curar. Mas a única coisa que eu espero é que tenha cura o preconceito de vocês".

Tiago Silva, vereador e militante LGBT, disparou: "Vocês já nos dão violência o ano todo, e ainda vêm aqui para nos agredir na nossa parada?". A artista que apresentou os shows da 8ª Parada, Selma Light, deu seguimento ao evento afirmando que "a nossa alegria é muito maior do que essa violência".

Sem problemas de maior relevância os shows terminaram 50 minutos depois. Era hora de voltar a ser invisível como muitos e optamos pelo regresso ao centro caminhando. Andando pela ciclovia era possível ouvir carros buzinando para as pessoas que saiam da parada. Em três ocasiões abriram os vidros de seus carros para gritar a mesma frase: "Sai daí bando de veados!". E o terceiro com uma frase adicional: "Vocês tem de morrer, veados do caralho!".

De volta ao ponto inicial, ao esperar um ônibus para o continente, na fila atrás de mim, conheci cinco pessoas. Não pude deixar de escutar de uma delas "cara, a gente se conheceu agora e vamos morar todos juntos", então iniciei uma conversa. Deduzi que havia, portanto, um casal recém-formado, por dois homens e três garotas.

Em meio a olhares conservadores ao casal de seus amigos recém-conhecidos, perguntei a Patrícia o que ela pensava da palavra homofobia e recebi um cortante "nada a ver! Eu só queria que todo mundo vivesse em paz". Já mais relaxados e com todos na conversa, Eziel reflete sobre a importância da parada da diversidade. "Ela serve para as pessoas terem noção do que é. As pessoas são completamente ignorantes quanto ao significado da palavra homofobia, que muitas vezes começa em casa mesmo. A parada historicamente em várias partes do mundo representam nossas conquistas. Contudo, ao menos hoje não se trata mais homossexualidade como doença".

Rodrigo, estimulado pelo falante e possível futuro namorado intimou "E você também não vai me entrevistar?". Além de declarar que era do interior e preferia não dizer o nome de sua cidade, afirmando que o tema ainda é um tabu por lá.

Provoquei-lhe perguntando quando seria a primeira parada em sua cidade e rindo me respondeu: "Acho que lá nunca vai ter!", ainda me revelou três coisas. Que passou muito medo durante o ataque homófobo, pois estava perto do casal que foi agredido na parada e que pela primeira vez estava indo a casa de alguém que conheceu no mesmo dia. Finalizando, "Não sou muito a favor da parada gay, porque acabam enfatizando também muitos aspectos negativos dos homossexuais. Tem muita promiscuidade!".

Mas e em dias normais, onde estão os gays? Além do armário claro. À noite na boate Mix Café, a mais antiga da cidade, conheci Leda. De imediato me surpreendeu com a frase: "Homofobia não existe, as pessoas que fazem a homofobia. Respeito se conquista com caráter, na forma de se agir e de ser - sentando e tirando os saltos decretou. "Existe um grande preconceitos dos próprios gays, é cultural...".

Leda acredita que a parada deve deixar de pregar "Humildade, amor, paixão... Essas coisas que não combinam com a luta. Porque tudo aquilo que implorado as pessoas malham mais...", e assim se percebe na vitimização uma construção de fragilidade da comunidade LGBT. "As pessoas aprenderam a usar a palavra amor e Deus, como se isso fosse solução. Mas até hoje ninguém nos trouxe solução. Esses que vão no palco e gritar com um microfone na mão 'Sou homossexual' no 8 de setembro, no dia 9 não vai continuar se dizendo homossexual".

Leda vê que se por um lado na sociedade em geral existe preconceito, o próprio mundo gay também é um reflexo disso. "A beleza tem preço. Se você é bela você tá no auge da coisa. Se você é o que chamam de coroa... A não ser que você seja um cofre, não vão te dar a mínima. A travesti tem de ser talhada no bisturi, a bicha tem que ser bombada... E o que sobra... É o que tem pra hoje... As pessoas deveriam em vez de se preocupar com essas coisas ao conhecer alguém é perguntar se elas têm uma formação".

Foto 2: Petra Mafalda

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