Fernando Schweitzer
Foto: Samara Castilho |
Ataques homofóbicos acontecem? Sim inclusive em paradas do
orgulho gay. Esperei um dia para dar nota, pois quis averiguar a repercussão de
tal feito. Um casal de namorados foi agredido por um bando e teve lesões leves
no rosto. Após o ataque a organização da 8ª Parada da Diversidade de
Florianópolis parou o show e chamou o casal no palco, sendo esse um dos poucos
momentos politizados do evento ocorrido na Avenida Beira-mar Norte da capital
catarinense.
Quando em Amores Imaginários, Xavier Dolan, o ator, diretor
e roteirista quebequense disse através de sua obra "que se alguém morresse
a cada vez que eu apertasse F5, não sobraria ninguém vivo no mundo", ele
traduziu a alma do ser humano, especificamente do ser que espera na sua caixa
de correio eletrônico, a resposta do ser amado. Da comunidade homossexual que
ainda espera ser aceita no mundo moderno. Hoje ele é um exemplo do gay exitoso
e premiado mundialmente, este aceito pela sociedade.
Na lacuna incipiente entre o modelo idealizado e o mero
mortal encontramos as várias cores do arco-íris. Resolvi imergir na paradoxal
invisibilidade e ir de ônibus a 8ª Parada da Diversidade. Ao
chegar ao terminal do centro vi um rapaz com uma mancha de sangue na camisa,
metade do rosto com a barba feita e maquiagem feminina e a outra com barba, e
carregando dois cartazes. Para Bruno (23), de Palhoça, "a homofobia tem
como raiz a supervalorização do masculino sobre o feminino na sociedade".
As paradas no Brasil tendem a não ser de ordem muito
politizada ou de protesto, por isso me chamou a atenção um dos cartazes que
Bruno trazia: "Todo homem seja hétero, gay ou bi tem um lado
feminino". Ele explicou que muitas vezes "o homossexual mais
masculino é melhor aceito" e "o sangue representava no lado esquerdo
justamente a forma com que a sociedade fere o feminino", considerando
ainda a mulher como inferior.
Já no coletivo segui a conversa e acompanhei esse jovem e
uma amiga para o evento, que havia começado. Ao descer, uma senhora de 56
anos pede para ver os cartazes que Bruno levava. Logo Márcia, que afirmou ser
heterossexual disse crer que "homofobia, como qualquer coisa que seja
radical deve ser desprezada, abolida".
Drags que fizeram shows desfiaram antes em trios
Cassandra Vablatsky, Rafaely Bitencourt e Sarah Topdrag
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Rumo ao palco onde ocorriam vários shows. Havia uma grande
aglomeração e pouco policiamento. Inusitadamente no meio das pessoas haviam
casais heterossexuais que se beijavam e trocavam carícias de forma agressiva e
visceral em um ato claro de rejeição a homossexualidade. Uma constante durante
todo o evento também era a tentativa forçada de alguns jovens de
beijarem garotas lésbicas, o que gerava conflitos e algumas discussões.
O clima era de uma tensa mistura... Festa, apreensão,
alegria, música e precaução. Um mulher incomodada com um casal hétero, aparentemente alcoolizados, que se tocavam de maneira promíscua ao lado de crianças que assistiam uma companhia de dança, pediu que parassem ou que fossem para
casa. A situação gerou uma conversa não muito amistosa, até que o casal se deslocou
para outro ponto da parada.
A temperatura subia, pela aglomeração das pessoas. Então o
primeiro grave incidente. A música parou. Um casal homossexual foi agredido e
subiu ao palco com visíveis marcas no rosto mesmo para quem estava distante do
palco como eu. Um dos dois garotos, após o pronunciamento dos organizadores em repúdio
a ação, falou: "Eu não desejo nada de mau para vocês... Esse corte que eu
vou levar no rosto, ele vai curar. Mas a única coisa que eu espero é que tenha
cura o preconceito de vocês".
Tiago Silva, vereador e militante LGBT, disparou:
"Vocês já nos dão violência o ano todo, e ainda vêm aqui para nos agredir
na nossa parada?". A artista que apresentou os shows da 8ª Parada, Selma Light, deu seguimento ao evento afirmando que "a nossa
alegria é muito maior do que essa violência".
Sem problemas de maior relevância os shows terminaram 50
minutos depois. Era hora de voltar a ser invisível como muitos e optamos pelo
regresso ao centro caminhando. Andando pela ciclovia era possível
ouvir carros buzinando para as pessoas que saiam da parada. Em três ocasiões abriram os vidros de seus carros para gritar a mesma frase: "Sai
daí bando de veados!". E o terceiro com uma frase adicional: "Vocês
tem de morrer, veados do caralho!".
De volta ao ponto inicial, ao esperar um ônibus para o
continente, na fila atrás de mim, conheci cinco pessoas. Não pude deixar de
escutar de uma delas "cara, a gente se conheceu agora e vamos morar todos
juntos", então iniciei uma conversa. Deduzi que havia, portanto, um casal recém-formado, por dois homens e três garotas.
Em meio a olhares conservadores ao casal de seus amigos
recém-conhecidos, perguntei a Patrícia o que ela pensava da palavra homofobia e
recebi um cortante "nada a ver! Eu só queria que todo mundo vivesse em
paz". Já mais relaxados e com todos na conversa, Eziel reflete sobre
a importância da parada da diversidade. "Ela serve para as pessoas terem
noção do que é. As pessoas são completamente ignorantes quanto ao significado
da palavra homofobia, que muitas vezes começa em casa mesmo. A parada historicamente
em várias partes do mundo representam nossas conquistas. Contudo, ao menos hoje
não se trata mais homossexualidade como doença".
Rodrigo, estimulado pelo falante e possível futuro
namorado intimou "E você também não vai me entrevistar?". Além de
declarar que era do interior e preferia não dizer o nome de sua cidade,
afirmando que o tema ainda é um tabu por lá.
Provoquei-lhe perguntando quando seria a primeira parada em
sua cidade e rindo me respondeu: "Acho que lá nunca vai ter!", ainda
me revelou três coisas. Que passou muito medo durante o ataque homófobo, pois
estava perto do casal que foi agredido na parada e que pela primeira vez estava
indo a casa de alguém que conheceu no mesmo dia. Finalizando, "Não sou
muito a favor da parada gay, porque acabam enfatizando também muitos aspectos
negativos dos homossexuais. Tem muita promiscuidade!".
Mas e em dias normais, onde estão os gays? Além do armário
claro. À noite na boate Mix Café, a mais antiga da cidade, conheci
Leda. De imediato me surpreendeu com a frase: "Homofobia não existe, as pessoas que fazem a homofobia.
Respeito se conquista com caráter, na forma de se agir e de ser - sentando e
tirando os saltos decretou. "Existe um grande preconceitos dos próprios
gays, é cultural...".
Leda acredita que a parada deve deixar de pregar
"Humildade, amor, paixão... Essas coisas que não combinam com a luta.
Porque tudo aquilo que implorado as pessoas malham mais...", e assim se percebe na
vitimização uma construção de fragilidade da comunidade LGBT. "As pessoas
aprenderam a usar a palavra amor e Deus, como se isso fosse solução. Mas até
hoje ninguém nos trouxe solução. Esses que vão no palco e gritar com um
microfone na mão 'Sou homossexual' no 8 de setembro, no dia 9 não vai continuar
se dizendo homossexual".
Leda vê que se por um lado na sociedade em geral existe
preconceito, o próprio mundo gay também é um reflexo disso. "A beleza tem
preço. Se você é bela você tá no auge da coisa. Se você é o que chamam de
coroa... A não ser que você seja um cofre, não vão te dar a mínima. A travesti
tem de ser talhada no bisturi, a bicha tem que ser bombada... E o que sobra...
É o que tem pra hoje... As pessoas deveriam em vez de se preocupar com essas
coisas ao conhecer alguém é perguntar se elas têm uma formação".
Foto 2: Petra Mafalda
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