terça-feira, 24 de setembro de 2013

Histórias inéditas

Camila Albuquerque


Tiraram-me para cristo. Escolheram-me dentre milhares de jornalistas sentados na platéia e disseram-me que eu deveria seguir reto, entrar na terceira porta a esquerda, sentar na poltrona de frente pra mesa e escrever. Disseram-me que eu deveria me superar e empurrar todos os obstáculos subsequentes com a ponta de um lápis. Não me deram água nem borracha. Trancaram-me no escuro e mandaram-me imaginar a luz.

Pois bem, quebrei o lápis em dois, mantive um pedaço na boca e o outro maior entre meus dedos. Comecei por escrever histórias semelhantes, únicas que me senti capaz de escrever com os olhos fechados. Familiarizei-me com as linhas da folha e repeti a mesma história até ter certeza de que estavam em uma constante linha reta. O lápis entre os dentes me mantinha segura e sã, passando uma falsa impressão de estar acompanhada.

Eu poderia escrever sobre diversas coisas e não iria me superar em nenhuma delas. Histórias inéditas estão cada dia mais escassas e, quando as encontro, envergonho-me por não ter sido eu a escrevê-las.  Penso em começar alguns livros e me entedio já no segundo capítulo de todos eles. Histórias cansadas e com personagens diferentes tem aos montes, preciso escrever o nunca lido.

Escrever o “nunca lido”, tarefa difícil. Hoje em dia o ler e o escrever não se dividem mais em inédito e repeteco, e sim em conveniente e exaustivo. Muitas coisas pobres de conteúdo fazendo sucesso enquanto outras dignas de capa e índice sendo esquecidas pela preguiça dos olhos alheios.

Mas do que eu to falando? Perdi-me nesse quarto escuro pensando alto e escrevendo nada.

“Seja inédita, se supere.”

Mordi forte o pedaço de lápis quase escapando da minha boca e escrevi coisas sem sentido, com o cuidado de mantê-las sempre em uma constante linha reta. Misturei palavras pouco conhecidas e por um instante duvidei de fato da existência delas. Comecei e terminei tudo em um fôlego só. Arrastei a cadeira com força pra trás e abriram a porta.

“Mas o que você quis dizer com esse texto?”

Esperei meus olhos se acostumarem com a luz e ironizei:

“Se eu colocar sentido nas coisas que escrevo não seria mais uma escritora, mas sim uma jornalista.”

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