quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Bodas de pérola na Assembleia Legislativa

Repórter Ping-Pong
@Reporterping
                                                                  Foto: Thaís Teixeira
O jornalismo não faz o leitor. O leitor busca
a informação que ele quer, onde ela estiver. 
Estamos no início da década de 1980. Nessa época, o curso de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina dava seus primeiros passos. Profissionais que até hoje são referência na área, como Adelmo Genro Filho, Francisco Karan, Eduardo Meditch, Cesar Valente, formavam os primeiros jornalistas da região.

Paulo Arenhart fez parte dessa turma de primeiros aprendizes. E ele não ficou somente nos ensinamentos da sala de aula. Sem estar formado, ingressou na Assembleia Legislativa e, em 2012, seu trabalho já completou as bodas de pérola com a casa. A história dessa longeva relação, contudo, está recheada de pulos de cerca.

É que o jornalista em muitas oportunidades aventurou-se em outras atividades. Licenciou-se da Assembleia para exercer a profissão em jornais locais, como o Diário Catarinense e O Estado. Passou também por emissoras televisivas e de rádio.

Marketing político, cargos de gestão, reportagem, assessorias de imprensa, Secretarias de Estado. Paulo Arenhart passou por todas essas funções. A mais impactante para o mercado editorial foi a criação do Jornal Notícias do Dia, do Grupo Ric, que mexeu com mercado local. Paulo foi o estruturador da implantação do jornal e também o seu primeiro editor-chefe.

Hoje, reconciliou-se com sua amada Casa, a Assembleia Legislativa, e, avaliando a qualidade dos impressos da região, lamenta a falta de crítica e de análise. Paulo Arenhart aponta também problemas na formação dos profissionais, que desde a universidade leem pouco, ou quase nada. 

Blogueiro, tuiteiro e com longa atividade na região, Paulo é um baú de histórias que conhece as entranhas da nossa imprensa. Sua trajetória o embasa para a seguinte declaração: "O jornalismo de Santa Catarina está precisando de mais independência".

Repórter Ping-Pong - Você se formou em Jornalismo na UFSC, tendo estudado lá no início da década de 1980. Que curso era esse? Que professores estavam por lá? O que o ensino priorizava?

Paulo Arenhart - Até foi com bastante surpresa que eu vi hoje, que A UFSC continua sendo o melhor curso de jornalismo do país, segundo uma pesquisa que saiu aí [Avaliação realizada pela Abril]. E , na época, o curso era também bem conceituado. Eu entrei na terceira turma., em 1980, e me formei em 1984. A gente tinha professores excelentes: Cesar Valente, Adelmo Genro Filho, Francisco Karan, Eduardo Meditch, Ayrton Kanitz, Maria Helena, Paulo Brito, enfim, era uma gama de professores de primeira linha, a maioria saídos das universidades do Rio Grande do Sul, que vieram montar o curso aqui.

E, na época, o curso ainda estava se estruturando. Tinha muita greve, muita paralisação, tinha que buscar essa estrutura junto a mobilizações, junto a reitoria. Eu me lembro que ah... chegou na época das cadeiras de fotografia, então tinha greve e paralisação para compra de máquinas, equipamentos, laboratório, e o curso foi se estruturando assim, passo a passo.

Quando chegou a televisão eles não tinham estúdios e a gente fez toda cadeira de televisão no estúdio da TV Barriga Verde, que foi um convênio que o curso fez com a TV. Mas foi um bom curso pela disposição dos professores em querer fazer um bom curso. Aquele idealismo dos professores é que fez do curso de jornalismo da UFSC um bom curso e chegou entre os primeiros do país.

Ping - Esse bom curso que você fala Paulo, tente traduzir a filosofia. O que vocês aprenderam lá? As técnicas para o jornalismo, o texto… Era o lead que se priorizava? Ou um texto mais alternativo?

Paulo Arenhart - Na verdade, trabalhou tudo. O que o curso traz de diferencial do profissional que trabalha na imprensa sem curso de jornalismo é uma carga teórica muito grande. A gente chama de carga teórica uma carga de leitura, trabalhos de discussão em grupo de texto sobre comunicação, sobre teoria da comunicação bem avançados.

O Daniel Hertz foi um dos nossos professores, que tem livros publicados sobre teoria de comunicação.

Ping - O próprio Adelmo, não é?

Paulo Arenhart - O Adelmo Genro Filho. Então, esse tipo de professor que tinha conteúdo, que sabia do que estava falando, que tinha experiência em jornalismo foi muito importante. Hoje, em muitas universidades a gente encontra professores totalmente acadêmicos que nunca trabalharam na imprensa, se formaram em jornalismo, ou fizeram um mestrado, doutorado, continuam dando aula e não conhecem o dia-a-dia de uma redação, não conhecem o dia-a-dia de uma produção de televisão. E o importante é que os nossos professores, na época, todos tinham experiências de redação. É muito diferente você tratar com quem só conhece a teoria. E os professores além de bons teóricos, além de pessoas muito capacitadas, ainda tinham essa experiência de vida nas redações de jornais, rádios e televisões.

Ping - Ainda dentro da faculdade, em 1982, você já começou a exercer a profissão. Onde foi que você estreou? E qual era a sua atividade?

Paulo Arenhart - Quando eu estava no meio do curso, surgiu a oportunidade de vir assessorar um deputado na Assembleia Legislativa. E dai, na época, eu disse: “Não, assessorar deputado eu não quero. Se for pra trabalhar na assessoria de imprensa, eu quero”. E daí conseguiram a minha contratação para trabalhar na assessoria e eu comecei fazendo clipagem.

Fazia clipagem todo dia de manhã cedinho, o pessoal se reunia e fazia clipagem, e eu fazia a clipagem dos jornais da tarde, isso porque eu fazia jornalismo de manhã. Então os jornais nacionais que chegavam depois do meio-dia: Folha, Estadão, por exemplo, eu clipava.

Logo depois, comecei a atuar no setor de rádio da Assembleia, fazendo entrevistas, como repórter, isso ainda antes de formado.

Ping - Serviu, então, como um auxílio na formação?

Paulo Arenhart - Sim. Sim. O meu projeto de conclusão de curso foi um arquivo que eu criei dentro da assessoria de imprensa da Assembleia. Não tinha nada de arquivo de releases, de entrevistas de rádio, e daí eu criei um departamento de arquivo, que com a modernização e informatização da casa [Assembleia Legislativa] se perdeu. Mas na época foi uma coisa muito importante porque sistematizou um arquivo dentro da assessoria de imprensa que a gente não tinha até então.

Aí logo que eu me formei, em 1984, eu trabalhava aqui, e fazia freelancer num jornalzinho ou outro, Rádio Cidade de Brusque.

Daí em 1986, quando chegou o Diário, eu fui trabalhar na política do Diário Catarinense.

Ping - Fale um pouco sobre a sua atuação em dois ramos da comunicação: a publicidade e o jornalismo. Qual é o perfil do Paulo jornalista e o perfil do Paulo publicitário?

Paulo Arenhart - É difícil explicar. Eu nunca fui publicitário. Mas trabalhei muito com publicidade quando fui secretário [de comunicação] por duas vezes.

Trabalhei com marketing político. Tenho um gosto, no segundo grau, que eu fiz em Porto Alegre, meu curso era de publicidade e propaganda, mas quando eu fiz jornalismo eu acabei enveredando para o lado do jornalismo e nunca trabalhei em publicidade. Trabalhei com publicidade, mas nunca fui publicitário no termo criativo, de mídia, ou de vendedor de publicidade, alguma coisa do gênero.

Quanto ao Paulo jornalista, exerci praticamente todas as funções que podem se exercer na carreira: no rádio, na TV, em jornal, em revista, fui editor de revista, editor de jornal.

E eu entendo assim: uma coisa é trabalhar o jornalismo na imprensa escrita, falada, televisionada. E outra coisa é trabalhar em assessoria. Na assessoria, o trabalho é muito mais de relações públicas, que de jornalista. E você tem que saber ter ética para diferenciar essas duas atuações. Tanto quando você está fazendo assessoria, quanto quando você está exercendo a profissão de jornalista, buscando respostas para as perguntas dos acontecimentos do dia-a-dia.

Ping - Em todos os veículos que você passou e de todas as atividades que executou, qual foi a mais satisfatória?

Paulo Arenhart - Olha, que não é atividade específica do jornalismo, mas como Secretário de Estado de Cultura e Comunicação Social, que era minha secretaria na época, eu acho que foi, dá pra se dizer, o auge da minha carreira profissional.

E também como editor-chefe do jornal Notícias do Dia. A sensação de você poder criar um jornal do jeito que você está pensando, com a redação que você quer. Eu tive muita liberdade na criação do Notícias do Dia, que era pra ser, e foi, o primeiro jornal popular diário, do estado de Santa Catarina. Isso foi muito gratificante.

Ping - Em Santa Catarina, o mais impactante trabalho no mercado editorial que você realizou foi esse no ND. O que você queria na criação do jornal, e o que você conseguiu efetivamente?

Paulo Arenhart - O que a gente conseguiu, que ficou bem claro, desde o primeiro dia, foi fazer um jornal realmente popular em Florianópolis. As pessoas que nunca tinham comprado um jornal na vida, no outro dia, estavam com o jornal na mão. Era o porteiro do prédio, o motorista do ônibus, o estudante, o cara que vende passe de ônibus, os camelôs, o pessoal do Mercado Público. Você via as pessoas simples, que nunca andaram com o jornal o Estado, com A Notícia, ou o Diário Catarinense na mão, com o Notícias do Dia.

E isso foi muito gratificante, porque a gente conseguiu atingir um objetivo exatamente onde tínhamos mirado, que era pegar essa classe que nunca teve acesso a informação. E o jornal foi pensado assim. Ele era direcionado basicamente com esporte, variedades e polícia e conseguiu atingir o seu público desde o primeiro dia.

Ping - Esse direcionamento de que você fala, o artifício principal dele era o preço. Mas e textualmente e editorialmente, ele também atingiu êxito? Conseguiu sempre ser direcionado ao seu público?

Paulo Arenhart -
Sim, sim, porque ele era pensado assim. Matérias simples, curtas, objetivas, com um texto enxuto, sem muito floreio. Um jornal com manchetes fortes, chamativas, com fotos que ilustravam bem o que tava acontecendo. Isso mexeu com o mercado editorial de Santa Catarina, que a toque de caixa, alguns meses depois, a RBS se mexeu e lançou o Hora de Santa Catarina, com a mesma proposta que eles tinha no Diário Gaúcho, no Rio Grande do Sul. Isso mostra o sucesso que foi o lançamento desse jornal [Notícias do Dia].


Ping - No lançamento, não existia o Hora de Santa Catarina ainda, então o principal concorrente era o DC, que tem 20 anos a mais de mercado. Quando o ND foi idealizado, havia algo a copiar do modelo do concorrente? Ou a proposta era extremamente diferente?

Paulo Arenhart - Nada. A proposta era totalmente diferente. Era uma proposta de jornal local. Nunca pensamos em ser estadual. O jornal tinha essa proposta de circulação na Grande Florianópolis, e o preço, acho que era um terço do preço do Diário, na época, ele não concorria em hipótese nenhuma, em editoria nenhuma com o Diário Catarinense. Ele tinha o foco no popular e não tinha intenção nenhuma de aprofundar qualquer tipo de matéria. O negócio era apresentar para a população, para o público-leitor, o que estava acontecendo nas principais áreas, as quais o jornal se propunha. Depois essa população, normalmente, acompanhava mais isso pelos noticiários de TV, de rádio, que se aprofundavam no fato. Mas nunca o Notícias do Dia, enquanto eu fui editor, teve a pretensão de disputar com o Diário Catarinense. O projeto de mudança editorial se deu com a minha saída. Existia uma proposta do Grupo RIC de realmente mudar o perfil do jornal para que ele deixasse de ser popular e passasse a ser um jornal que disputasse mercado com o Diário Catarinense.

Ping - Hoje é essa a realidade, certo?

Paulo Arenhart - É… E daí eu saí… O Meneghim [Luis Meneghim, atual Diretor do Notícias do Dia], que era o nosso editor do jornal em Joinville - a gente lançou o jornal em Joinville também e foi o mesmo processo, lançado como um jornal popular. Só que lá em Joinville, ele começou a concorrer mais com A Notícia, daí o Marcelo Petrelli visualizou que se desse uma melhorada, colocasse um pouco de política, um pouco de economia no jornal, poderia chegar a um patamar melhor e atender à classe A e B também. Não perder aquela classe C e D que tinha sido conquistada, mas também atender à classe A e B. E foi isso que aconteceu.

Eu saí do jornal em decorrência de um convite que recebi do prefeito [Dário Berger], para assumir a Secretaria da Prefeitura aqui [Em Florianópolis] e o Meneghim assumiu o projeto de remodernização, ou de readequação do Notícias do Dia para esse novo mercado.

Ping - Uma dúvida editorial, quando você lançou o ND ele tinha esse traço popular, então não cobria política e economia. Por que as pessoas das classes C e D não se interessam por economia e política, ou por que a gente não oferece para eles esse noticiário?

Paulo Arenhart - Não… oferecia, oferecia… Tinha uma coluna de informações gerais na página 2, que eu fazia, e trazia muita notícia de política e de economia da prefeitura, do Governo do Estado… Mas a população, isso por pesquisa é comprovado, tem um hábito de leitura de notícias de polícia, esportes e variedades. Mulher quer ver sobre a novela, saber notícias sobre os artistas da novela...Esse público classe C e D tem um objetivo e o foco nele, tem que atender esse objetivo que ele está atrás. Ele quer informação sobre o artista da TV, quer informação sobre o assalto que deu lá no bairro dele, informação do time dele porque ele vê futebol toda a semana. Então, atendendo essas três áreas, você garante uma boa leitura no jornal.

Não quer dizer que foi suprimido totalmente a política e a economia. Informações de cunho de serviços eram prestadas sempre. Feriados, questão de tempo, temperatura, horóscopo, informações do dia-a-dia da prefeitura e do Governo do Estado, das prefeituras da região, obras inauguradas, notícias de economia como cesta básica, coisas que também pudessem interessar mais a população dessa classe C, D e E.

Ping - Percebo que esse não é o foco do jornal popular…Não compete ao jornalismo tentar mudar esse hábito, ou é uma grande utopia pensar dessa forma?

Paulo Arenhart - O jornalismo não faz o leitor. O leitor busca a informação que ele quer onde estiver. Então, na verdade, quando você prepara o jornal, você pensa o que as pessoas para quem você faz o jornal querem ler. Qual é o interesse delas?

Ah, elas querem saber sobre a novela das oito… Ah! mas a novela das oito é de outra emissora, não é da nossa. Não interessa, nós estamos vendendo o jornal e o público quer saber sobre a novela das oito, então nós vamos trazer a notícia daquele ator da novela das oito. É claro que também vamos dar as notícia das novelas da Record, ou da novela da Bandeirantes. Se as pessoas começarem a manifestar mais interesse por aquelas novelas, nós vamos aumentar o número de informações daquelas novelas.

Ah vou falar de Avaí e Figueirense… As pessoas querem saber de Avaí e Figueirense, qual é a massa que vai no estádio? É essa massa. Não adianta eu falar de uma realidade, tentar incutir nessas pessoas uma realidade que não é a delas. Não interessa para elas o preço da nova lancha que lançaram no mercado agora de oitocentos mil reais e quais são os detalhes que essa lancha de oitocentos mil tem que a lancha de seiscentos mil não tem… É uma coisa que esse tipo de público não busca.

Ao mesmo tempo, não adianta eu gastar uma página sobre as cotações da bolsa de valores para um público que compra um jornal que custa R$50… Ele não vai procurar quanto que está a cotação da Petrobras. E se eu oferecer essa informação para ele, é botar espaço fora, porque ele não vai ler. Muitas coisas, no decorrer do processo de formatação do jornal, foram acrescentadas ao processo editorial e outras coisas retiradas. Uma delas foi esse tipo de negócio… Ah o preço do dólar… As pessoas não querem saber disso… Agora, o preço do salário mínimo, o preço da cesta básica… Isso até pode interessar para essas pessoas.

Ping - Você tem uma experiência de mais de trinta anos em assessoria de imprensa na Assembleia Legislativa. Isso é um prato cheio para a cobertura política, é possível ter privilégio? É possível saber primeiro das coisas?

Paulo Arenhart - Um tempo atrás, até era. Eu me lembro logo quando eu entrei na Assembleia, eu acompanhei a eleição de 1982, que foi a eleição do Amim e do Jorge Bornhausen contra o Pedro Ivo e o Jaison Barreto. Foi aquela eleição polêmica que desapareceram urnas de Imaruí e o Bornhausen e o Esperidião Amim ganharam. Depois em 1986, eu trabalhei na campanha do Pedro Ivo contra o Kleinübing, e nessa campanha eu tava trabalhando, há alguns meses, no Diário Catarinense, e o editor do jornal O Estado, que era o Bento Silverio, me convidou para ir para lá e para acompanhar o Pedro Ivo pelo interior do estado e para dar as notícias do PMDB. Naquela campanha, eu viajei o estado todo cobrindo a eleição.

Ping - Mas acompanhando um só candidato?

Paulo Arenhart - Sim. O jornal montou uma editoria e cada repórter acompanhava um candidato pelo estado. Era bem legal porque todos tinham o mesmo espaço de cobertura, e aconteceu de eu acompanhar o candidato que foi o vitorioso naquela eleição.

Depois desse tempo, eu tive outras campanhas… campanhas a prefeito, que eu também acompanhei dentro de jornal. Daí em 1990, o Paulo Afonso era Deputado Estadual e o PMDB não tinha candidato pra concorrer contra o Vilson Kleinübing, que era o candidato da hora, já que o Pedro Ivo tinha morrido.

O Paulo Afonso foi indicado pelo PMDB, para ser candidato, e ele me convidou, já que me conhecia da Assembleia, para ser um dos jornalistas que fariam a campanha dele em 1990. Eu tirei licença na Assembleia, tinha licença prêmio, e fui fazer a campanha dele como coordenador de comunicação da campanha dele ao governo do Estado.

Depois disso eu sai. Eu voltei a trabalhar em jornal, fui trabalhar em banco, fui assessor do BRDE, fui pra lá e pra cá… E em 1994 o Paulo Afonso me chamou de novo, ele queria montar a mesma equipe para as eleições daquele ano. Nós fomos lá trabalhar com ele, montamos uma equipe um pouco maior e acabamos ganhando a eleição.

Ping - Do modo como você narrou essa trajetória política em jornais, você não se beneficiou das informações. Na verdade, você só trilhou caminhos em um lugar e no outro, por estar aqui na Assembleia.

Paulo Arenhart - É, na época da ditadura, no fim da ditadura, as informações dentro da Assembleia elas eram muito de cocheira, muito restritas. Tinham alguns deputados que eram fontes boas da imprensa. Existiam deputados que passavam muita informação para a imprensa, então ainda tinha muito off. Com o tempo, isso foi se perdendo. Hoje dificilmente tem deputado aqui que fala com a imprensa em off, todo mundo quer aparecer mais. Parece que tudo é coletivo.

Mudou muito o jornalismo, na questão da cobertura jornalística. Hoje, essas informações são muito mais abertas. A transparência da própria atividade parlamentar hoje é muito maior, o que é bom para a democracia. Então aquelas traições que existiam nas eleições da mesa da Assembleia, em que se acertava uma coisa e depois dava outro candidato presidente, isso de um tempo pra cá foi se perdendo, e as coisas, hoje em dia, são muito mais transparentes e isso é força dessa nova democracia que o Brasil está vivendo.

Ping - Se essa transparência na democracia é boa para a sociedade, para o jornalismo isso é bom ou ruim?

Paulo Arenhart - Muito bom. Eu sinto que aqui dentro da Assembleia, pelo menos, ou a informação política hoje, ela muito mais acessível do que era antigamente. No meu começo de carreira, eu tinha fontes que me informavam as coisas que estavam acontecendo…

Existia nessa época, na década de 1980, existia o Clube dos Repórteres Políticos de Santa Catarina que era formado pelo Bento Silverio, Moacir Pereira, o Claudio Prisco, Sérgio Lopes, eu, Elaine Borges…. enfim, os repórteres de política da época, que uma vez por mês, ou uma vez a cada quinze dias, sentavam para almoçar com alguém da política catarinense e batia papo.

Todo mundo sem papel, sem caneta, sem gravador, sem nada. Era bater papo mesmo para analisar a conjuntura, conversar em off, conversar pra saber o que estava acontecendo, como estavam sendo os arranjos para a próxima eleição, como estavam os arranjos para a formação de governo, composição de maioria na Assembleia. Então era um papo em que o repórter se informava para ficar por dentro do arranjos políticos. E era muito legal. Com o tempo isso veio se perdendo, o próprio clube deixou de se reunir, quase não existe mais informação em off. Tudo o que está sendo discutido hoje, como composição da mesa, essas coisas são todas sabidas. As pessoas têm mais acesso à informação, os deputados falam mais, as lideranças, os presidentes dos partidos falam mais. Então as coisas hoje são bem mais transparentes e não há tanta necessidade de off.

Ping - São mais transparentes ou os políticos ficaram mais espertos e sabem o que têm que falar?

Paulo Arenhart - Eu acho que o grande pulo do gato de repórter político é saber avaliar que tipo de informação ele está recebendo e porque ele está recebendo aquela informação. Se ele está sendo usado, se ele quer ser usado para chegar mais adiante a uma outra informação. Então se os políticos se acham bastante espertos, algumas vezes, mas o repórteres não são burros. A imprensa política ela é muito usada pra mandar recados, mas também um bom repórter consegue tirar boas matérias de declarações prestadas por políticos que estão sendo entrevistados.

Ping - De 1994 a 1996, você atuou como Secretário de Comunicação e Cultura do Paulo Afonso. O problema dos precatórios de alguma forma chegou a te trazer dores de cabeça? Você teve que atuar na defesa do governador, ou você saiu antes de explodir esse caso?

Paulo Arenhart - É, da Secretaria eu saí antes. Eu fiquei na Secretaria de 1995 a 1996. Todos os governos começaram a criar a Secretaria de Governo. Não era uma Secretaria de Casa Civil… era uma Secretaria mais Política. E daí o governador sentiu a necessidade de criar essa Secretaria de Governo e não queria aumentar a estrutura. Então ele deixou o setor de Comunicação vinculado à Secretaria de Governo, criou a Secretaria de Governo e a Secretaria de Cultura, que fazia parte da Secretaria de Cultura e Comunicação, ficou transferida para a Fundação Catarinense de Cultura.

E daí, por entendimento com o governador, eu decidi cuidar da parte de cultura e o Roger Bittencourt, que era meu adjunto, ficou cuidando da parte de comunicação. Aí ele foi ser Secretário Adjunto do Secretário Martini, que era Secretário de Governo, mas o Roger era um tipo de Secretário de Comunicação, o Martini era o Secretário de Governo e eu fui ser Secretário de Cultura.

É claro que eu acompanhei, ajudei a fazer a defesa do governador, mas a operação de imprensa e publicidade da época era cargo do Roger Bittencourt pelos dois últimos anos do governo. Tanto é que na eleição de 1998 eu estava muito mais envolvido com cultura que eu nem cheguei a participar muito do processo de reeleição.

Mas assim, a cultura também é uma encrenca… É um setor muito maltratado pelos governos. Inclusive no nosso, apesar de a gente ter obtido um resultado bastante efetivo na minha gestão da Fundação Catarinense de Cultura, porque todos os programas que estavam em andamento foram adiante, retomamos o Prêmio Cruz e Sousa de Literatura, Salão Victor Meirelles, criamos o MIS, a Lei de Incentivo à Cultura do Estado fui eu quem criei, que o estado não tinha até então.

Eu tive uma passagem muito legal por lá, por isso que é um dos lugares que eu gosto de recordar na minha trajetória, porque gerou bons frutos para o setor. Bem ao contrário do que acontece em outras gestões, ou como está acontecendo hoje em que estamos indo para o sexto ou sétimo secretário em três anos de governo.

Ping - Em 2010 você exerceu uma atividade de professor no curso de Jornalismo na faculdade Estácio de Sá. Como foi essa experiência? Os jovens estão escrevendo bem, pelo menos lá na Estácio?

Paulo Arenhart - É isso é uma dificuldade… O grande problema é a falta de leitura. Eu não admito que aluno de jornalismo não leia jornal. Não ler livro já é inadmissível, agora que não leia jornal é absurdo. E em consequência disso, da falta de leitura, as pessoas têm o vocabulário muito pequeno, escrevem mal, têm dificuldade de interpretação de texto. A primeira coisa que eu dizia para os meus alunos é: leiam, leiam, leiam. Tenham carga de leitura.

Ping - A atividade mais livre é a que você exerce no blog. Por que você revolveu criá-lo, desde quando você tem ele e qual a tua linha editorial na internet?

Paulo Arenhart - Ah, não tem linha editoral. O blog eu criei para falar sobre as coisas que eu penso. Não tenho nenhuma regularidade no que eu publico no blog.

Eu estou meio viciado em Twitter hoje. Daí quando eu não consigo falar tudo no Twitter, eu pego várias coisas que falei, dou uma elaborada e coloco um texto sobre o que eu tinha falado, mas é muito mais um exercício pessoal, sem grandes aspirações.

Eu nunca trabalhei para ter mais seguidores ou para divulgar o meu blog ou para comercializá-lo. O Blog é uma coisa muito mais de caráter pessoal, em vez de escrever e guardar na gaveta, eu escrevo e deixo lá. Ele tem alguns acessos, quando eu escrevo eu boto no Twitter que escrevi, daí as pessoas vão lá. Mas nada que seja literário e nada que seja editorial, pensando em me comunicar com o grande público.

Tanto blog quanto o Twitter é muito mais um megafone que eu uso para gritar o que estou afim. E eu acho que o Twitter permite isso, e por isso que eu acho legal. Não tem muita interferência, quem quiser escutar, escute. Quem quiser ler, leia. Quem não quiser me seguir, ou achar que está errado, ache… fique a vontade.

Mas eu tenho expressado muito as minhas opiniões, de experiências pessoais no decorrer da minha vida… e também não sei até quando. Teve um tempo atrás que eu já disse que ia sair, porque é um negócio que se você for levar a sério é dar murro em ponta de faca… Você fica gritando, gritando, gritando, mas as coisas não acontecem. Não adianta falar mal do problema de trânsito em Florianópolis. Não adianta, pode gritar o dia todo que as coisas não vão mudar. Talvez elas mudem por pressão popular, na rua, como aconteceu no mês de junho e julho desde ano. Mas não é o Twitter ou um blog que vá fazer alguma revolução nesse país.

Isso eu tenho bem consciência disso. E é bom que todo mundo que tenha blog e Twitter também tenha essa consciência de que o Twitter não vai revolucionar nada. Até porque você segue as pessoas que você quer, e que pensam igual você, ou algumas que têm o pensamento contrário pra ti poder debater, mas não é por causa de mil pessoas pensando igual que vai mudar alguma coisa nesse país. Acho que a gente tem que mudar é através do voto, na eleição do ano que vem, repensando a atitude como eleitor, em quem você está votando, qual é o caráter, o trabalho dessa pessoa que está se candidatando a ser teu representante no Congresso, ou na Assembleia ou no Governo do Estado.

Ping - Você é conhecedor dos jornais impressos locais. Atou no DC, no ND e no extinto O Estado. Hoje, atuando às margens da grande mídia qual a sua opinião sobre a qualidade dos impressos da região?

Paulo Arenhart - Olha, eu posso até fazer um mea culpa aqui da minha passagem como editor-chefe do Notícias do Dia. A cobertura jornalística em Santa Catarina hoje está muito capenga. Se a gente for ver, 90% da cobertura jornalística é fruto de release ou de matérias indicadas por assessorias de imprensa.

O jornalismo investigativo praticamente desapareceu, a gente tem pouca novidade de um dia para o outro no jornal. Nos jornais de final de semana, tem pouca opinião. O jornalismo impresso, principalmente, teria que ter muito mais opinião. A gente pega um jornal de final de semana e não tem o que ler. Eu gostaria de pegar um jornal no final de semana, como eu pego a Folha e o Estadão, que tenha artigos de fundo, que tenha pessoas fazendo análise de conjuntura, em que jornalistas fazem a análise daquela semana, que tragam informações novas e que expressem opinião.

Aqui, chega final de semana, tem uma entrevistinha e o resto é um monte de notinha sobre o que ocorreu na semana. Eu me lembro, por exemplo, no jornal O Estado, o Sérgio Lopes tinha uma coluna em que ele fazia uma análise de conjuntura política do estado toda a semana. Isso era bacana, teve um tempo em que o Moacir e o Prisco chegaram a fazer algumas colunas assim. Depois, retornaram as ditas colunas que serviam para desaguar o volume imenso de informações que eles recebem durante o dia.

Ping - Mas será que não faltam analistas então?

Paulo Arenhart - Exatamente. Mas os jornais de final de semana podiam ter mais espaço para análise política, econômica, esportiva. Por que não contratar dois ou três jornalistas políticos, dois jornalistas econômicos e dois jornalistas esportivos, para fazerem um artigo por jornal de final de semana?

Pega o Mário Medaglia no setor de esportes, chama o professor Sardá para falar sobre política ou cidade. A gente tem que ampliar isso, porque o jornalismo impresso, fadado a desaparecer em alguns anos, hoje ele tem que primar pela opinião que é o grande diferencial.

Domingo não tem nem jornal local. O próprio Fantástico, que era um jornal que trazia informações, sempre tinha um bloco que trazia informações, deixou de apresentá-las. Domingo só tem informações se você for assistir no Jornal das Dez, na Globo News, pra saber as informações do país de política, economia. É o único jornal informativo que tem no país. Jornal local nada. Nem em rádio, porque todo mundo fala só de esporte.

Ping - E qual o problema, salário? Interesse?

Paulo Arenhart - Professor Sardá, jornalista Sérgio Lopes, Mário Medaglia, Celso Martins. Se a gente pensar, em meia hora, deve surgir uns dez, vinte nomes de jornalistas ex-atuantes na mídia, que estão fora hoje por questões de salário, pessoas que estão já mais estruturadas, que têm empresa, que estão trabalhando em algum setor, ou em alguma empresa, ou dando aula. Ex-professores da universidade, o Cesar Valente, é outro. Tem pessoas muito boas hoje fora da mídia diária e essas pessoas poderiam ser melhor aproveitadas, pelos jornais locais, nessa questão da opinião em todas as áreas.

Isso tem espaço. Aquim vive-se um jornalismo não-crítico, jornalismo oba-oba, onde tudo é bom, tudo é legal, tudo é bacana. O jornalismo crítico, aqui, é deixado de lado. O que tem espaço para crítica ainda é o futebol, que se abre um pouquinho mais para a crítica e a opinião. E que tem mais pessoas opinando e que tem várias colunas. Mas isso teria espaço também para política, economia, cultura. Tem bastante mercado e muitas pessoas dispostas a exercerem esse papel, desde que sejam remuneradas e contratadas para isso.

Só está faltando a mídia acordar.  Investir  mais nisto. Se abrir para a “opinião”, abrindo assim caminhos para a conquista de novos leitores, mesmo sabendo que isto pode dar dor de cabeça na área comercial. Mas é uma proposta de independência e isto fortalece a própria mídia. O jornalismo de Santa Catarina está precisando de mais independência.

Revisão da abertura: Tatiana Wippel

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