segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Libertárias

Relações entre a esquerda e o feminismo

Juan F. Garces

O Brasil está em um processo de grandes manifestações. Contra o aumento da passagem, contra o governador Sergio Cabral no Rio de Janeiro, contra o Geraldo Alckmin em São Paulo, só para citar algumas. No entanto, existe uma que poucos prestam atenção, ou não têm a mesma comoção pelas demais, esta que se denomina “Marcha das Vadias”. O intuito aqui não é fazer uma discussão teórica sobre esse movimento, mas gostaria de contribuir com a crítica do filme “Libertária” (1996), que narra a visão de um diretor sobre uma época onde as mulheres levantaram armas e foram para a guerra junto aos homens. São contextos e épocas diferentes, mas vale para gerar um debate acerca do feminismo e pelas causas que elas lutam nos tempos atuais.

A História do filme se passa na Catalunha, em 1936, ou seja, estamos no contexto da guerra civil espanhola. Com o avanço do confronto a freira Maria (Ariadna Gil) é forçada a fugir de seu convento. No desespero de escapar do cenário mórbido que tomou as ruas, encontra refúgio num bordel, até ser liberada por um grupo de mulheres anarquistas. Após algumas conversas e entendendo melhor a causa dessas mulheres, Maria entra para o grupo e acaba por tomar parte em suas ações e participar da luta.


É importante analisar algumas questões. O contexto histórico do filme remete à Guerra Civil Espanhola, um acontecimento que se deu antes da Segunda Guerra Mundial. Não vou dissertar sobre todos os acontecimentos, mas alguns pontos são interessantes para o entendimento do filme. Havia dois posicionamentos políticos e ideológicos presentes nesse episódio: Os nacionalistas e os fascistas, que representavam as classes mais tradicionais da Espanha (igreja, exército e latifúndio); e o da Frente Popular, que representavam os partidos de esquerda e os partidários da democracia. Os partidos de esquerda se uniram para fazer frente ao governo conservador, entre eles, estavam a PSOE (socialistas), PCE (comunistas), POUM (comunistas trotsquistas), UGT (sindical socialista), CGT (sindical anarquista) e a FAI (anarco-sindicalista). No filme, as personagens pertencem ao último grupo. Os partidos da direita estavam divididos na CEDA, partido agrário, monarquistas e tradicionalistas e pelos fascistas da falange espanhola.

No decorrer do filme, elas enfrentam o problema de ter de lutar, não só contra os nacionalistas, mas também para resistir às facções de esquerda que tentam impor uma estrutura militar mais tradicional. Em muitas cenas do filme é ressaltada a ideia de que a revolução respeita as mulheres, mas ao mesmo tempo se mostra contraditória, pois estabelece uma função para as mulheres na guerra, e não seria “pegar em armas”. A função destas seria fazer os trabalhos que a sociedade impôs como tarefas para as mulheres: cozinhar para os soldados, lavar as roupas, etc.

É verdade que existe a afirmação de que Marx era contra mulheres exercendo cargos de trabalho, afirmando que isso contribuía para o ideal burguês, pois quanto mais gente trabalha e ganha um salário miserável, maior seria o lucro da burguesia. Por esse ponto, muitos da esquerda nas primeiras décadas do século 20 possuíam uma ideia machista, defendendo que a posição da mulher deveria ser somente nas funções domésticas. Esse grupo pertence ao que chamamos de “marxismo vulgar”, mas não vou entrar em detalhes sobre esse ponto, no entanto, vale ressaltar que Marx era um homem do seu tempo – afinal, nenhum homem está à frente de seu tempo – e ele sustentava seus argumentos com base no seu período. O que os marxistas mais conscientes fazem hoje é uma releitura das obras de Marx, ou seja, colocar os ideais marxistas na nossa atualidade. Por isso, não vamos levantar o equívoco de que é uma hipocrisia as feministas adorarem políticas de esquerda e apoiarem os movimentos sociais. A esquerda de hoje apoia os movimentos feministas.

Mesmo sendo um filme que apresenta bastantes posicionamentos políticos, o diretor não deixa muito claro sua posição política. Não segue a linha de filmes defensores dos ideais da esquerda, mas também não levanta nenhuma crítica contra os mesmos. A proposta é narrar a história das personagens mulheres, que pegaram em armas em nome de um país livre, e do feminismo. Outro ponto em destaque é a evolução das personagens Pillar (Ana Belén Borreguero Gonzalez) e Maria após conhecerem o feminismo, embora essa última ainda não abandone os seus ideais católicos, como se pode perceber na citação da mesma no final do filme. Podemos perceber que a crítica da história é contra a igreja como instituição, mas não contra a fé individual. Você não precisa ser ateu para aderir uma causa.

Libertárias é um filme interessante para entender um pouco da causa feminista, mas tomando o cuidado para inserir esse momento da história dentro do seu contexto. Uma abordagem sobre a Guerra Civil Espanhola, mas as mulheres são as protagonistas do enredo. Um filme interessante para levantar debates acerca do movimento feminista, ainda mais com a atual conjuntura de algumas cidades do Brasil: mulheres nas ruas reivindicando direitos, amor livre, legalização do aborto, entre tantos outros assuntos. Recomendo.

O filme pode ser encontrado no Youtube, com legenda em português:


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