quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cultura jornalística, suas escolhas políticas e conveniências econômicas

Luciano Bitencourt

Relatório de pesquisa recém-publicado pela Revista de Jornalismo ESPM (n°5, Ano 2) traz interessantes subsídios para reflexões a respeito da atividade jornalística nos dias de hoje. São estudos da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia baseados no mercado estadunidense, mas que contribui para pensarmos o Jornalismo contemporâneo. Intitulado Jornalismo Pós-Industrial, adaptação aos novos tempos, o documento sugere alternativas para a superação da crise por que passa a atividade e sustenta-se sobre três pilares: os Jornalistas, as Instituições e o Ecossistema.

Para estreia nesta coluna, a temática vem bem a calhar. Primeiro porque ajuda a pensar o lugar do Jornalismo no contexto da Comunicação e das mídias na atualidade. A análise do relatório põe em crise os modelos de negócio que sustentam um modo industrial de produção, não a atividade em si mesma. Depois, porque nos estimula ao debate sobre os possíveis disponíveis para uma atividade cujo lugar parece desconfortável diante das escolhas políticas e conveniências econômicas das quais é tributária.

Sinteticamente, o relatório, produzido por C.W. Anderson, Emelly Bell e Clay Shirky e traduzido para o Brasil por Ada Félix, traz como premissa que o Jornalismo é uma atividade essencial e que sempre foi subsidiada. Entretanto, o subsídio da Publicidade está em cheque com as possibilidades abertas pela Internet e, portanto, há uma reestruturação obrigatória no contexto da atividade jornalística. E é nesse cenário que abrem-se muitas oportunidades para outros modos de produção. Novas possibilidades para o Jornalismo exigem novas formas de organização, enfatiza o relatório.


Como atividade essencial, o Jornalismo assume-se imprescindível tanto para as sociedades democráticas quanto para economias de mercado. Para os pesquisadores de Columbia, jornalistas não são meros narradores de fatos; são porta-vozes da verdade, formadores de opinião e intérpretes do nosso tempo. Pois bem, o relatório é um documento ao qual retornaremos outras vezes mais. Importa, entretanto, para esse primeiro diálogo tratar dessa concepção de jornalista: a de guardião dos valores da democracia e do mercado.

Foi na economia de mercado que o Jornalismo consolidou-se como atividade legítima para preservar os valores democráticos. Portanto, suas raízes estão ligadas a conveniências econômicas que fomentaram escolhas políticas quanto aos modos de produção e a organização da própria atividade. Há quem não consiga dissociar valores democráticos da liberdade de escolhas quanto ao consumo de bens materiais e simbólicos. Sejamos francos, é difícil mesmo. E esses ideários sustentaram os modelos de negócio da indústria da Comunicação, em que entretenimento e informação dependem da publicidade.

Neste sentido, e essa é uma das referências trazidas pelo relatório de pesquisa da Universidade de Columbia, as empresas jornalísticas consolidadas nesse modelo de negócios atuam no ramo da publicidade, não no do Jornalismo propriamente dito. Pensando um pouquinho: quem tem a primazia de atrair receita pela publicidade não é o Jornalismo enquanto atividade, mas o veículo que lhe serve de suporte. Os anunciantes têm (ou tinham) interesse na influência do veículo, não no valor da informação.

Como resposta a essa questão, o relatório Jornalismo Pós-industrial traz a velha máxima da economia de mercado que ainda parece ser a única via de sustentabilidade para o Jornalismo: produzir mais com menos recursos. Isso implica colaboração, foco nas "notícias sérias" e de relevância social, investigação, uso de bancos de informação públicos, entre outras propostas. Mas há um aspecto a ser considerado e que está no cerne da própria questão. A crise é da economia de mercado e da própria sociedade democrática; são seus modelos hierarquizados e centralizadores que sucumbem.

Nesse quesito, faltam referências sobre maneiras de viabilizar a atividade com subsídios diretos à informação de relevância e não ao prestígio do veículo que a faz circular. Uma deficiência dos projetos que estruturam a formação em Jornalismo. Não se trata de inserir a visão empreendedor no compêndio de conteúdos curriculares. Empreender é uma ação inscrita na própria crise. Trata-se, talvez, de as escolas investirem em experiências que incluam a gestão democrática e horizontalizada da atividade, em que professores e estudantes construam os ideários de viabilidade e de organização do processo de produção no contexto dos projetos que materializam a formação.

Escolhas políticas e conveniências econômicas não são externas à cultura jornalística. São, antes de tudo, estatutos de sua própria instituição. O lugar do Jornalismo talvez nunca tenha sido confortável, seja ele pré ou pós-industrial. Economias de mercado e sociedades democráticas são faces de um conflito de interesses quanto ao subsídio de informações consideradas relevantes. E são faces do Jornalismo que conhecemos. As mudanças de organização necessárias para outras formas de produção jornalística talvez estejam em reconhecer alternativas para o que chamamos de democracia e seus interesses.







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