segunda-feira, 15 de julho de 2013

Pescador por acaso

Vindos de Buenos Aires, Matias e a companheira pararam na Enseada de Brito por acidente e acabaram fazendo uma nova opção de vida

Isadora Satie

 O automóvel que provocou a mudança da família estacionou na Enseada de Brito e não retornou mais para a Argentina. Foto: Mariana Smânia

De férias com a mulher, três cães e uma Kombi quebrada após uma longa viagem de Buenos Aires. Foi assim que o argentino Matias Gil, de 34 anos, teve de passar uma semana na prainha de águas calmas de Enseada de Brito. Não era bem esse o plano, mas o casal acabou ficando desde 2011. Hoje, reside em um dos morros da Enseada, onde acompanha o crescimento do bebê de seis meses, gerado em uma casinha simples, porém com o luxo de uma vista para o mar na porta de entrada. “Em toda ciudad grande, todo mundo fica triste, a vida passa, você trabalha, no aprecia a vida e fica sem saber o gosto que ela tem. E ter uma criança num lugar como este é um sonho”, valoriza Matias, falando um portunhol bem acentuado.


O que era um acidente de percurso provocou uma nova opção de vida para o casal. Ao lado da esposa Isabel, 33 anos, Matias não se incomodou em abandonar a vida na cidade grande de Buenos Aires para respirar todos os dias ares do litoral brasileiro. “Meu pensamento é vivir a vida em vez de apenas sobrevivir, no passar por ela só tendo um trabalho, trabalhando das nove às cinco.  Acho que isso no é bom”. Ainda ensaiando os passos na profissão de pescador, acha que a vida na cidade é infeliz, chata. “Uma persona que mora na cidade grande no vai decir isso, mas a verdade é esta: o problema da cidade grande é que pra todo mundo acontece a angústia, soledad, a inseguridad.”

Não foi somente a natureza praieira que envolveu o estrangeiro. Segundo ele, a comunidade da Enseada foi muito receptiva e procurou ajudá-los dentro do possível, pois dificuldades não faltaram. Atualmente, faz parte da comunidade de pescadores, mas ainda está acostumando as mãos ao manuseio da rede e se sente inexperiente dentro do barco. Embora ouça repetidas vezes um “não, Matias, não é assim!”, ele corrige o erro, corrige outra vez e segue compenetrado na pesca. Mostra uma visível ânsia de aprendizado, amor pela atividade pesqueira e respeito por quem lhe transmite conhecimentos e dá ordens durante o trabalho.

O lado financeiro não faz parte de suas prioridades: Matias tem como virtude valorizar as coisas pequenas e simples, pois o mar, uma de suas paixões, é algo imenso. Em pé, no barco, seu olhar viaja por toda a imensidão que o rodeia. Admira o céu e não teme o vento forte em seu rosto. “A idea é ter uma vida aqui no terreno, com minha mulher, meu filho, meus cachorros, minha casa, e trabalhar no mar com pesca artesanal. E estou muito satisfeito, no quero mais que isso”, repete, com seu portunhol.


Mudar a vida da cidade para a praia foi um ato corajoso e radical. Matias teve formações e experiências de trabalho distintas na área de administração de empresas, meio ambiente e veterinária. Na Enseada, porém, o argentino apenas vive a realidade que inconscientemente sempre desejou. Envolto por uma natureza viva e calma, segue sua vida de forma otimista e paciente. “O importante é ir devagar, o sonho já está realizado, mas também achamos que do jeito como estamos vivendo e pensando, cosas melhores vão acontecer, uma cosa de cada vez.” Ao longo da profissão, pescadores acumulam sabedoria e, é claro, muitas histórias para contar. Matias já pode começar pela inusitada forma como se tornou pescador e de como uma Kombi quebrou na hora e no lugar certo para fazer a mudança interior que ele e sua companheira procuravam.

Nenhum comentário: