Vindos de Buenos Aires, Matias e a companheira pararam na
Enseada de Brito por acidente e acabaram fazendo uma nova opção de vida
Isadora Satie
De férias com a mulher, três cães e uma Kombi quebrada após uma
longa viagem de Buenos Aires. Foi assim que o argentino Matias Gil, de 34 anos,
teve de passar uma semana na prainha de águas calmas de Enseada de Brito. Não
era bem esse o plano, mas o casal acabou ficando desde 2011. Hoje, reside em um
dos morros da Enseada, onde acompanha o crescimento do bebê de seis meses,
gerado em uma casinha simples, porém com o luxo de uma vista para o mar na
porta de entrada. “Em toda ciudad grande, todo mundo fica triste, a vida passa,
você trabalha, no aprecia a vida e fica sem saber o gosto que ela tem. E ter
uma criança num lugar como este é um sonho”, valoriza Matias, falando um
portunhol bem acentuado.
O que era um acidente de percurso provocou uma nova opção de
vida para o casal. Ao lado da esposa Isabel, 33 anos, Matias não se incomodou
em abandonar a vida na cidade grande de Buenos Aires para respirar todos os
dias ares do litoral brasileiro. “Meu pensamento é vivir a vida em vez de
apenas sobrevivir, no passar por ela só tendo um trabalho, trabalhando das nove
às cinco. Acho que isso no é bom”. Ainda
ensaiando os passos na profissão de pescador, acha que a vida na cidade é
infeliz, chata. “Uma persona que mora na cidade grande no vai decir isso, mas a
verdade é esta: o problema da cidade grande é que pra todo mundo acontece a
angústia, soledad, a inseguridad.”
Não foi somente a natureza praieira que envolveu o
estrangeiro. Segundo ele, a comunidade da Enseada foi muito receptiva e
procurou ajudá-los dentro do possível, pois dificuldades não faltaram.
Atualmente, faz parte da comunidade de pescadores, mas ainda está acostumando
as mãos ao manuseio da rede e se sente inexperiente dentro do barco. Embora
ouça repetidas vezes um “não, Matias, não é assim!”, ele corrige o erro,
corrige outra vez e segue compenetrado na pesca. Mostra uma visível ânsia de
aprendizado, amor pela atividade pesqueira e respeito por quem lhe transmite
conhecimentos e dá ordens durante o trabalho.
O lado financeiro não faz parte de suas prioridades: Matias
tem como virtude valorizar as coisas pequenas e simples, pois o mar, uma de
suas paixões, é algo imenso. Em pé, no barco, seu olhar viaja por toda a
imensidão que o rodeia. Admira o céu e não teme o vento forte em seu rosto. “A
idea é ter uma vida aqui no terreno, com minha mulher, meu filho, meus
cachorros, minha casa, e trabalhar no mar com pesca artesanal. E estou muito
satisfeito, no quero mais que isso”, repete, com seu portunhol.
Mudar a vida da cidade para a praia foi um ato corajoso e
radical. Matias teve formações e experiências de trabalho distintas na área de
administração de empresas, meio ambiente e veterinária. Na Enseada, porém, o
argentino apenas vive a realidade que inconscientemente sempre desejou. Envolto
por uma natureza viva e calma, segue sua vida de forma otimista e paciente. “O
importante é ir devagar, o sonho já está realizado, mas também achamos que do
jeito como estamos vivendo e pensando, cosas melhores vão acontecer, uma cosa
de cada vez.” Ao longo da profissão, pescadores acumulam sabedoria e, é claro,
muitas histórias para contar. Matias já pode começar pela inusitada forma como
se tornou pescador e de como uma Kombi quebrou na hora e no lugar certo para
fazer a mudança interior que ele e sua companheira procuravam.
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