Repórter Ping-Pong
Foto: Rafaela Bernardino |
Repórter Ping-pong: Você participou de protestos em São Paulo, que foi onde as manifestações começaram, e aqui em Florianópolis. Quais foram as principais diferenças entres elas?
Sarah: Em São Paulo as pessoas andavam rápido, quase correndo, com braços para o alto, gritos em coro (sempre com reivindicações políticas) que não paravam sequer um minuto. Havia muito mais paixão. Brinquei com uns amigos que em Floripa, mais parecia uma procissão de igreja, silenciosa, ouvia-se só os passos e alguns batuques de longe. Sem vida, sem protesto. Daí não saber direito o que as pessoas faziam ali. Mas não acho que o problema é Floripa. Fui à uma manifestação contra o Feliciano, logo quando ele assumiu a Comissão dos Direitos Humanos, e a pegada foi outra, muito mais intensa. Talvez a chuva tenha acalmado os ânimos da galera rs
Ping: Na quinta-feira, 20 de junho, Florianópolis viveu um momento histórico. Mais de 50 mil pessoas fora as ruas protestar. Porém, houve muita dispersão, grupos de manifestantes fizeram caminhos diferentes e no final houve um incidente na ponte, de onde alguns manifestantes não queriam sair. Qual o balanço que você fez do protesto desta quinta-feira?
Sarah Kern: Vi pouco fervor político aqui em Florianópolis, a maioria
parecia não saber por que saiu de casa. Mas a causa da dispersão é muito mais
profunda. O sistema em que vivemos prega uma falácia, a de que "o mercado
deve ser livre para se autorregular". A verdade é que, desta forma, ele
regula também a política, que neste momento está completamente embriagada com
esta maneira de agir. Os políticos governam países como se estes fossem grandes
empresas – os números finais da economia são o que realmente importa. Mas
esquecem o que fica no meio do caminho, que é a qualidade de serviços como
saúde e educação, que tanto ouvimos falar nos últimos dias. Esse não é um
problema exclusivamente brasileiro.
Há protestos em muitas outras partes do mundo, veja só, até
mesmo Wall Street foi tomada nestes tempos. As pessoas sentem que há algo
errado, que esta maneira mesquinha de governar está errada. Que a corrupção
está por todos os lados, não só na política, mas nas empresas, na religião que
pede dinheiro, no marketing que mente, na publicidade, no nosso próprio
jornalismo. Somos enganados o tempo todo. É claro que seria melhor se fôssemos
às ruas com um foco, mas acho que a maioria das pessoas nem sabe o que quer. Há
essa sensação unânime de que as coisas estão erradas, de que há muita injustiça
rolando. Por isso elas estão se manifestando. Não acho de todo ruim a falta de
direcionamento, este é um fenômeno social muito válido.
Ping: Houve uma hostilização muito grande àqueles que levaram as
bandeiras dos partidos políticos. O que você pensa sobre aversão as bandeiras
partidárias?
Sarah: É natural. O problema não é somente os partidos, mas o
sistema político, que dá amplos poderes às empresas e propicia a corrupção. Mas
isso não está claro para as pessoas. Elas foram às ruas reclamar dos que estão
no poder, estejam eles em quaisquer partidos. Em São Paulo, por exemplo, a
população está infeliz com o governo do estado, que é PSDB, e com o prefeito,
do PT. Nossa liderança de direita, o PSDB, não é de todo uma direita, e a
liderança de esquerda, o PT, já não faz mais nada do que pregava. Mas essas
mesmas pessoas não entenderam que o apartidarismo é o oposto da democracia.
Ping: Durante o protesto, esqueceu-se que o motivo principal das
manifestações aqui em Florianópolis era o Passe Livre. Muitos cartazes foram
levantados, muitos assuntos postos em pauta. Será que agora já não é a hora de
focar mais as manifestações?
Sarah: Como falei, a falta de foco não é de todo ruim. As pessoas
estão revoltadas, veem seu dinheiro correr por água abaixo, e não veem o retorno
das coisas. A crise mundial chegou ao Brasil e o governo não soube administrar,
os gastos continuaram altos. Não acredito que esta manifestação ganhará um
foco. O que pode acontecer é termos de fato "acordado", perdido o
medo de ir às ruas. Numa próxima situação, como na votação da PEC 37, talvez
seja mais fácil nos manifestarmos. Imagino que este seja o verdadeiro poder
dessas manifestações.
Ping: Muito se fala sobre o futuro que essas mobilizações podem
ter. Quando as pessoas se cansarem de ir pra rua, o que sobrará?
Sarah: Em muitas cidades as passagens diminuíram. Mas os resultados
para a sociedade só saberemos daqui a alguns anos.
Ping: Para fechar, pelo que você está lutando?
Sarah: Claro que por tudo junto. Mas ainda vejo na educação nosso
pior problema. O que adianta termos o pré-sal, se não temos a tecnologia para
extraí-lo? Recentemente, o governo brasileiro fez uma parceria inédita com o
norte-americano, no programa Ciência Sem Fronteiras: foram abertas diversas
bolsas de doutorado para brasileiros na Universidade de Harvard. A estadia dos
alunos é custeada pelo nosso governo. No ano passado, sobraram bolsas. A
pergunta que fica é: o que adianta um programa de doutorados, se a educação
básica não chega à maioria? E àqueles que chega, é de péssima qualidade? O
sonho de se tornar um engenheiro nem chega a existir, morre logo no início. Mentes
pensantes são o futuro do país. Político, inclusive.
Um comentário:
Legal o seu ponto de vista. Faria apenas um ajuste: é na pesquisa que se desenvolve em um programa de doutoramento, por exemplo, que se pode alcançar tecnologia para a extração do pré-sal. É preciso manter e ampliar iniciativas nesse sentido.
Como professor universitário percebo que muita gente perdeu a vontade de estudar, porque estudar nem sempre compensa – ou não compensa para quem quer um alto nível de consumo, imediato. Por outra: estuda-se com uma postura de consumo, sem implicação.
Estudar pode doer um pouco, e é preciso amadurecer pra lidar com isso. Só que esse amadurecimento se dá, normalmente, estudando, discutindo.
Será que estamos pensando em estratégias para manter o interesse das pessoas, principalmente dos mais novos, em continuar a estudar?
Certamente isso será um dos resultados de uma educação básica de qualidade. E assim não teríamos apenas uma insatisfação generalizada. É triste pensar que precisaremos de algumas gerações para ajeitar isso…
Andar à deriva não é ruim. Andar à deriva é quebrar a ordem da mais-valia temporal, que ativamos todos os dias no caminho casa-trabalho, trabalho-casa. Já estar à deriva, permanentemente, isso é beeeem ruim… ;)
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