terça-feira, 18 de junho de 2013

O grito brasileiro em terras irlandesas

Repórter Ping-Pong

Desculpe pela inconveniência! Estamos construindo um novo Brasil!
Foto: Alana Kern

Jornalista, estudante e brasileira. Alanna Kern se mudou para Dublin, na Irlanda, esse ano. Foi atrás de novas experiências profissionais, culturais e sociais, mas já carregava na bagagem a cobertura jornalística que fez sobre a copa do mundo na África do Sul. De todas as suas características, sem dúvida, a nacionalidade é a que mais lhe tem orgulhado nesses últimos dias. Quando ela entrou no avião rumo à Europa, nem lhe passou pela cabeça que alguns meses depois seu país iria viver o início de uma revolução. Em Dublin, Alanna participou do protesto em apoio às manifestações aqui no Brasil e conta como foi estar diante de um ato nacional em terras estrangeiras.

Repórter Ping Pong: Você é jornalista e atualmente está morando na Irlanda. Tem acompanhado os protestos no Brasil?

Alanna Kern: Tenho acompanhado as notícias do Brasil entrando, em média, duas vezes por semana em alguns portais de notícia. Mas, minha fonte diária de informação é o Facebook. E foi através dele que fiquei sabendo dos horrores que aconteceram no Brasil. Juro que quando vi as primeiras postagens sobre o assunto não quis acreditar que aquilo tudo era verdade.

Ping: Como você soube que estavam organizando um protesto na Irlanda? Há muitos brasileiros aí?

Alanna: Mais uma vez a resposta é pelo Facebook. Tenho contato com algumas das pessoas que estavam envolvidas no protesto e o evento apareceu na minha timeline.  Não sei dizer precisamente quantos brasileiros estão aqui na Irlanda, mas posso te dizer, com certeza, que são muitos e boa parte de São Paulo.  Apesar de a manifestação ter contado com a presença de cerca de 2 mil brasileiros, muitos nem sabiam que a manifestação iria acontecer.

Ping: Você acompanhou a manifestação? Como foi?

Alanna: Acompanhei sim, foi maravilhosa. Teve momentos que eu tive que me controlar para não chorar. Foi lindo ver todos unidos. Além disso, era normal ver pessoas discutindo sobre a política brasileira durante o protesto. Isso é a prova de que eles não estavam ali apenas para fazer baderna.  A Guarda, que é a polícia irlandesa, deu toda a assistência necessária para o protesto e em momento algum interferiu negativamente no processo. Claro que entra a questão de que o assunto do protesto não era de interesse do governo irlandês. Mas estávamos em um dos principais pontos turísticos da cidade, interferindo diretamente no dia a dia da mesma. Eles poderiam não gostar disso, mas não foi essa resposta que tivemos.  Inclusive um senhor irlandês pegou o megafone para explicar o que estava acontecendo aos que passavam pela rua e não entendiam nada.
Brasileiros protestando em Dublin, na Irlanda. Foto: Alanna Kern
Ping: Você acredita que essas grandes mobilizações no Brasil e em algumas cidades do mundo podem, de fato, fazer alguma diferença?

Alanna: Sem dúvida, sim. Não é de agora que o brasileiro está cansado com os absurdos que vêm acontecendo. Porém, os políticos continuavam mandando e desmandando em nosso país, pois sabiam que nada iria acontecer. Que, além da impunidade, o povo brasileiro iria se conformar e um dia esquecer que aquilo aconteceu. Ir para as ruas, cobrar o que é nosso direito e dever deles, é mostrar que nossos olhos não estão tão fechados assim e que queremos sim lutar por um país melhor. E, melhor, que estamos unidos nessa luta. O mais importante agora é não desistir e não deixar que isso caia no esquecimento.

Ping: Falando agora sobre o Brasil e a Irlanda, me diz quais são as maiores diferenças que você percebe em relação ao transporte público?

Alanna: Diferente do Brasil, aqui as pessoas andam muito de bicicleta. Não só por ser mais barato, pois a bicicleta aqui é um pouco cara, mas por uma questão cultural mesmo. Porém, tenho usado constantemente dois meios de transporte público aqui em Dublin: o Luas, que é uma espécie de metrô de superfície, e o ônibus. O Luas tem duas linhas que circula por toda a cidade e tem paradas específicas. Você pode comprar sua passagem por trecho ou por um período, como por exemplo, um dia ou um mês.  Já no caso do ônibus, não é muito diferente do Brasil. Porém, todos os pontos de ônibus têm um painel avisando em quanto tempo o próximo ônibus da linha “x” irá demorar a passar.

Ping: Você foi cobrir a copa do mundo na África do Sul. Hoje, 3 anos depois, qual o balanço que você acha que a África do Sul teve quando acabou a copa?

Alanna: Fui para a África do Sul, na Cidade do Cabo, uma semana antes da Copa começar e voltei duas semanas depois de ter terminado. Não tenho dúvidas de que conheci três cidades completamente diferentes entre esses períodos e que nenhuma delas era a verdadeira.  A África do Sul respira rugby, e não futebol. Os estádios da Copa viraram grandes elefantes brancos no meio da cidade, assim como muitas outras construções feitas especialmente para o evento.  Apesar do sul-africano ter aproveitado bastante o evento, principalmente em termos financeiros através do turismo, acho que quem aproveitou mesmo foram os turistas.  

Ping: Nessas semanas de turbulência no Brasil, além de protestar contra o preço das passagens, mais transparência pública, saúde e educação, os manifestantes também contestam a Copa do Mundo e os gastos milionários que o governo teve e está tendo com ela. O que você pensa sobre a copa aqui no Brasil? Baseado no que você viu na África do Sul, durante e após o campeonato?

Alanna: Acredito sim que o Brasil tem muito que ganhar com esse evento, e não é por causa dele que vamos ter menos dinheiro para a educação ou saúde. Tudo isso passa por problemas que infelizmente já é cultural no brasileiro: a corrupção. Se o nosso dinheiro fosse melhor administrado, teríamos melhores condições em todas as áreas da nossa vida. E a culpa disso não é só do governo, mas é nossa também que não votamos com consciência e também não cobramos nossos direitos.  Eventos como esse precisam ter um mínimo de estrutura, que não é o que acontece com o Brasil e a África do Sul, por exemplo. E, na minha visão, um dos causadores disso é a corrupção e a má administração do dinheiro público. 
Brasil finalmente acordou! Foto: Alanna Kern

Ping: Para você, esse seria o início de uma verdadeira revolução no Brasil? Uma mudança real na política e sociedade?

Alanna: Prefiro acreditar que sim, mas ainda não tenho base para afirmar isso com certeza. Não é de um dia para o outro que mudamos a cultura e o modo de governar de um país, e não foi de um dia para o outro que tudo isso começou. Mas, se o povo brasileiro não fugir a luta, isso pode ser sim o início de uma mudança real na política e sociedade brasileira.  

Ping: O que você sentiu ao ver tantos brasileiros nas ruas de Dublin protestando?

Alanna: Orgulho, muito orgulho. Teve horas que eu me segurei para não chorar. Sendo bem sincera, sempre busquei estar envolvida com esse tipo de manifestação. Sempre achei que para mudar qualquer coisa que nos desagradasse, era só unir forças em prol de um mesmo objetivo. Porém, ultimamente não estava mais me envolvendo nesse tipo de ação exatamente por perceber que as pessoas estavam cada vez mais conformadas com o que acontecia em sua volta. E movimentos como esse reacendem a minha esperança e força de vontade em continuar lutando por isso. 

Nenhum comentário: