Repórter Ping-Pong
Desculpe pela inconveniência! Estamos construindo um novo Brasil! Foto: Alana Kern |
Jornalista, estudante e brasileira. Alanna Kern se mudou
para Dublin, na Irlanda, esse ano. Foi atrás de novas experiências profissionais,
culturais e sociais, mas já carregava na bagagem a cobertura jornalística que
fez sobre a copa do mundo na África do Sul. De todas as suas características,
sem dúvida, a nacionalidade é a que mais lhe tem orgulhado nesses últimos dias.
Quando ela entrou no avião rumo à Europa, nem lhe passou pela cabeça que alguns
meses depois seu país iria viver o início de uma revolução. Em Dublin, Alanna
participou do protesto em apoio às manifestações aqui no Brasil e conta como
foi estar diante de um ato nacional em terras estrangeiras.
Repórter Ping Pong: Você é jornalista e atualmente está
morando na Irlanda. Tem acompanhado os protestos no Brasil?
Alanna Kern: Tenho acompanhado as notícias do Brasil
entrando, em média, duas vezes por semana em alguns portais de notícia. Mas,
minha fonte diária de informação é o Facebook. E foi através dele que fiquei
sabendo dos horrores que aconteceram no Brasil. Juro que quando vi as primeiras
postagens sobre o assunto não quis acreditar que aquilo tudo era verdade.
Ping: Como você soube que estavam organizando um protesto na
Irlanda? Há muitos brasileiros aí?
Alanna: Mais uma vez a resposta é pelo Facebook. Tenho
contato com algumas das pessoas que estavam envolvidas no protesto e o evento
apareceu na minha timeline. Não sei dizer precisamente quantos
brasileiros estão aqui na Irlanda, mas posso te dizer, com certeza, que são
muitos e boa parte de São Paulo. Apesar de a manifestação ter contado com
a presença de cerca de 2 mil brasileiros, muitos nem sabiam que a manifestação
iria acontecer.
Ping: Você acompanhou a manifestação? Como foi?
Alanna: Acompanhei sim, foi maravilhosa. Teve momentos que
eu tive que me controlar para não chorar. Foi lindo ver todos unidos. Além
disso, era normal ver pessoas discutindo sobre a política brasileira durante o
protesto. Isso é a prova de que eles não estavam ali apenas para fazer
baderna. A Guarda, que é a polícia irlandesa, deu toda a assistência
necessária para o protesto e em momento algum interferiu negativamente no
processo. Claro que entra a questão de que o assunto do protesto não era de
interesse do governo irlandês. Mas estávamos em um dos principais pontos
turísticos da cidade, interferindo diretamente no dia a dia da mesma. Eles
poderiam não gostar disso, mas não foi essa resposta que tivemos.
Inclusive um senhor irlandês pegou o megafone para explicar o que estava
acontecendo aos que passavam pela rua e não entendiam nada.
Brasileiros protestando em Dublin, na Irlanda. Foto: Alanna Kern |
Ping: Você acredita que essas grandes mobilizações no Brasil
e em algumas cidades do mundo podem, de fato, fazer alguma diferença?
Alanna: Sem dúvida, sim. Não é de agora que o brasileiro
está cansado com os absurdos que vêm acontecendo. Porém, os políticos
continuavam mandando e desmandando em nosso país, pois sabiam que nada iria
acontecer. Que, além da impunidade, o povo brasileiro iria se conformar e um
dia esquecer que aquilo aconteceu. Ir para as ruas, cobrar o que é nosso
direito e dever deles, é mostrar que nossos olhos não estão tão fechados assim
e que queremos sim lutar por um país melhor. E, melhor, que estamos unidos
nessa luta. O mais importante agora é não desistir e não deixar que isso caia
no esquecimento.
Ping: Falando agora sobre o Brasil e a Irlanda, me diz quais
são as maiores diferenças que você percebe em relação ao transporte público?
Alanna: Diferente do Brasil, aqui as pessoas andam muito de
bicicleta. Não só por ser mais barato, pois a bicicleta aqui é um pouco cara,
mas por uma questão cultural mesmo. Porém, tenho usado constantemente dois
meios de transporte público aqui em Dublin: o Luas, que é uma espécie de metrô
de superfície, e o ônibus. O Luas tem duas linhas que circula por toda a cidade
e tem paradas específicas. Você pode comprar sua passagem por trecho ou por um
período, como por exemplo, um dia ou um mês. Já no caso do ônibus, não é
muito diferente do Brasil. Porém, todos os pontos de ônibus têm um painel
avisando em quanto tempo o próximo ônibus da linha “x” irá demorar a passar.
Ping: Você foi cobrir a copa do mundo na África do Sul.
Hoje, 3 anos depois, qual o balanço que você acha que a África do Sul teve
quando acabou a copa?
Alanna: Fui para a África do Sul, na Cidade do Cabo, uma
semana antes da Copa começar e voltei duas semanas depois de ter terminado. Não
tenho dúvidas de que conheci três cidades completamente diferentes entre esses
períodos e que nenhuma delas era a verdadeira. A África do Sul respira
rugby, e não futebol. Os estádios da Copa viraram grandes elefantes brancos no
meio da cidade, assim como muitas outras construções feitas especialmente para
o evento. Apesar do sul-africano ter aproveitado bastante o evento,
principalmente em termos financeiros através do turismo, acho que quem
aproveitou mesmo foram os turistas.
Ping: Nessas semanas de turbulência no Brasil, além de
protestar contra o preço das passagens, mais transparência pública, saúde e
educação, os manifestantes também contestam a Copa do Mundo e os gastos
milionários que o governo teve e está tendo com ela. O que você pensa sobre a
copa aqui no Brasil? Baseado no que você viu na África do Sul, durante e após o
campeonato?
Alanna: Acredito sim que o Brasil tem muito que ganhar com
esse evento, e não é por causa dele que vamos ter menos dinheiro para a
educação ou saúde. Tudo isso passa por problemas que infelizmente já é cultural
no brasileiro: a corrupção. Se o nosso dinheiro fosse melhor administrado,
teríamos melhores condições em todas as áreas da nossa vida. E a culpa disso
não é só do governo, mas é nossa também que não votamos com consciência e
também não cobramos nossos direitos. Eventos como esse precisam ter um
mínimo de estrutura, que não é o que acontece com o Brasil e a África do Sul,
por exemplo. E, na minha visão, um dos causadores disso é a corrupção e a má
administração do dinheiro público.
Brasil finalmente acordou! Foto: Alanna Kern |
Ping: Para você, esse seria o início de uma verdadeira
revolução no Brasil? Uma mudança real na política e sociedade?
Alanna: Prefiro acreditar que sim, mas ainda não tenho base
para afirmar isso com certeza. Não é de um dia para o outro que mudamos a cultura
e o modo de governar de um país, e não foi de um dia para o outro que tudo isso
começou. Mas, se o povo brasileiro não fugir a luta, isso pode ser sim o início
de uma mudança real na política e sociedade brasileira.
Ping: O que você sentiu ao ver tantos brasileiros nas ruas
de Dublin protestando?
Alanna: Orgulho, muito orgulho. Teve horas que eu me segurei
para não chorar. Sendo bem sincera, sempre busquei estar envolvida com esse
tipo de manifestação. Sempre achei que para mudar qualquer coisa que nos
desagradasse, era só unir forças em prol de um mesmo objetivo. Porém,
ultimamente não estava mais me envolvendo nesse tipo de ação exatamente por
perceber que as pessoas estavam cada vez mais conformadas com o que acontecia
em sua volta. E movimentos como esse reacendem a minha esperança e força de
vontade em continuar lutando por isso.
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