sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Gigante e a Lua

Ana Maria Ghizzo


Era uma vez um jovem artesão que caminhava por uma estrada solitária e sinuosa. A certa altura, ele se deparou com um rio muito fundo para ser atravessado a pé e com uma correnteza muito forte para ser atravessado a nado. O artesão olhou ao redor e avistou ao longe uma pequena ponte de madeira. Depois de muito caminhar, quando já estava pela metade da ponte, deparou-se com uma feiticeira. A figura encapuzada aproximou-se sorrateiramente impedindo sua passagem. O artesão implorou:

“Nobre senhora, a dama dos olhos brilhantes que roubou meu coração pertencia a uma família de viajantes. Percorri todos os povoados desse lado do reino e não a encontrei. Por isso cruzo essa ponte, para encontrar minha amada”.

A feiticeira propôs ao homem uma maneira de atravessar a ponte, desde que enfrentasse um desafio. Corajoso, e cego pela paixão, ele aceitou sem titubear, ignorando as artimanhas da magia. Acabou falhando, e como maldição a feiticeira o transformou em um gigante de pedra. A notícia se espalhou pelos reinos, e ao saber que o artesão sofreu tão horrível maldição, a dama dos olhos brilhantes mergulhou em uma tristeza tão profunda que atirou sua alma aos céus, procurando seu amor entre as estrelas. Dizem que de lá ela nunca mais voltou. Muitos anos se passaram desde então, e o gigante, mesmo depois te tanto tempo e tanto concreto, permaneceu adormecido nas profundezas da terra.

23 de junho de 2013

Cheguei em casa lá pelas onze da noite, cansada, como sempre. Parei na frente do prédio já praguejando o portão da garagem por não estar funcionando - de novo! Quando vi, ele já estava lá, na minha frente, abrindo o portão e puxando papo com um, Boa noite Ana Maria, como foi o final de semana?

Era sempre assim, em todos esses anos desde que o conheci fora sempre simpático, prestativo, gentil. Seu Jorge, como o chamo, conversava com todos que passassem pela portaria, moradores, entregadores, visitantes, era difícil achar quem não se rendesse a passar uns bons minutos comentando os acontecimentos do dia. Dissertava com a mesma propriedade sobre as condições climáticas, ou a vida, casamento e filhos (os dele, claro). Em uma dessas conversas descobri que falava até alemão! Aprendeu com o avô, quando pequeno, e nunca mais esqueceu. Naquela noite, ele comentava sobre a lua.

Deu no noticiário que a Lua de está imperdível! Maior e mais brilhante”.

Referia-se ao fenômeno lunar. Apesar de ter lido e assistido no noticiário - maior e mais brilhante eles diziam sem parar - com a correria e o cansaço acabei não me lembrando de olhar para o céu quando caiu a noite, e ainda não tinha parado pra reparar nas diferenças do tal satélite. Talvez, não fosse pelo comentário dele nem me lembrasse de admirar o fenômeno, mas olhei e estava lá, especialmente linda e majestosa.

Ficamos uns minutos em silêncio, até que Seu Jorge começou a contar uma história de feiticeiras, olhos brilhantes e um gigante de pedra adormecido nas profundezas do Planeta. Eu, a princípio, ri, mas depois admirei sua imaginação ao dizer que, para ele, a lua que agora admirávamos era na verdade a tal dama dos olhos brilhantes que se aproximava todo ano à procura do seu amado gigante.

Algum tempo se passou, despedimos-nos e subi ao meu apartamento, retomando a rotina: banho, janta e sofá. Já passava da meia noite, e eu sonolenta cochilava contra o fundo azul da televisão, quando, de repente, escutei um estrondo que não consegui definir de onde vinha. Olhei pela sacada buscando algum indício da origem do barulho, mas tudo o que vi foram mais pessoas que, como eu, olhavam ao redor em busca de uma explicação. A televisão mostrava o mundo em alvoroço, e especulava sobre terremotos, ataques terroristas, e o Conta Longa maia, mas a verdade é que ninguém fazia a mínima ideia do que estava acontecendo. Ninguém exceto Seu Jorge, que me interfonou aos berros: É o gigante! É o gigante! – ele dizia.

Lembro-me de pensar que o homem deveria estar caduco por fazer piadas num momento como aquele. Mas, para minha surpresa, uma mão enorme toda feita de pedra emergiu da terra. Fiquei ainda mais surpresa ao perceber pequenos fios de nylon, que ligavam a mão gigantesca aos carros e caminhões. De repente, minha televisão foi arrastada por um desses fios, junto com cd-player, telefone, e – pasmem – nem a campainha da porta escapou! Tudo foi levado!

O mundo entrou em alvoroço e, apavorada, observei de longe a mão erguendo-se mais e mais, com as coisas pendendo pelos fios feito marionetes. Apesar do pavor, feito mágica, tudo ficou mudo e, por um instante fez-se o silêncio. Foi aí que a mão começou a movimentar-se regendo uma sinfonia com os objetos dependurados. Tenho a estranha mania de, em momentos de extrema tensão, rever memórias aleatórias, e mesmo em meio a tanto caos, lembrei-me das palavras ditas por Antunes Severo em uma noite de conversa. “O Universo não é uma coisa fixa, o Universo é áudio” – dizia ele. Carros em dó, sirenes em mi, e a noite se desfez numa melodia forte e triste.

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