sábado, 8 de junho de 2013

Dos autódromos para as ruas

Ana Maria Ghizzo

Noite fria de junho, já passava da meia noite quando cheguei em Florianópolis. Sai cansada e faminta do aeroporto e a caminho de casa parei para pegar um lanche no McDonalds  Pedido feito, estacionei na fila de espera do drive-thru. Sempre me intriga o movimento nesses restaurantes, é uma multidão insone e faminta não sei bem de que, perambulando entre hambúrgueres e batatas frita enquanto equilibram seus refrigerantes de tamanho exagerado em copos de papelão. Gosto de passar o tempo imaginando histórias para aqueles rostos anônimos.

Duas batidas delicadas interromperam minha dramaturgia da vida alheia. Do outro lado do vidro avistei a figura maltrapilha e suja. Imprimia no rosto uns vinte e poucos anos de idade, quarenta de sofrimento. Suas roupas não eram tão quentes quanto a noite exigia, embora ele não demonstrasse se importar com isso. Calça, camiseta, chinelos e boné, nada além do necessário, nada de calor nem conforto.Com um sorriso largo ele transpôs toda e qualquer distância. Vidro deposto, iniciamos a conversa. Ele elogiou meu carro, dizendo que a “máquina era uma belezura”. Dei trela, e ele me contou a vida.

Desde menino a velocidade é sua paixão. Descobri depois que já fora piloto, quando questiono a categoria ele me responde faceiro: “rali de velocidade, é claro”. Reparo muito em seus olhos, afinal, não são eles a janela da alma? Os dele eram. Nunca vou esquecer daqueles olhos castanho-entorpecidos, escuros e endurecidos pelo tempo, capazes de brilhar sorridentes ao contar as histórias de recordes batidos, tempos incríveis e grandes conquistas ao lado de nomes famosos do automobilismo. Me impressiono com sua capacidade de cavar da memória tantos dados e datas.

Fiz a pergunta óbvia, de como ele tinha ido parar ali. “A gente conhece muita gente errada na vida, né?”. Assim ele resumiu, eu concordei e aceitei. No dia seguinte o encontrei de novo, brilho sorridente no olhar. Conversamos por mais um tempo, e ele me pediu “uma ajudinha”. Revirei a bolsa, estendi uma nota de cinco reais tão amassada quanto ele. Ele agradeceu e se foi. Não nos despedimos. Melhor assim, despedir-se é sempre triste. Volta e meia me engano ao pensar tê-lo visto em alguma sinaleira ou esquina qualquer, mas ainda não o encontrei.

Digitando seu nome no google, encontrei as histórias que ele me contou e outras tantas mais. Não revelo nomes por respeito, e por pensar que não seja essa a intenção desse escrito. Escrevo como quem escreve para um amigo distante, esperando que cada linha seja um resgate de memória num mar de saudade.


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