Cheguei e acendi um cigarro. Fechei os olhos, respirei
fundo, soltei a fumaça bem devagar. Se fosse um filme, seria em preto e branco
com toda certeza. Uma música melancólica tocaria baixo e choveria lá fora. O
café quentinho como sempre estaria fazendo companhia. Essa é minha cena
preferida para fumar um cigarro, muito embora isso nem sempre aconteça desse jeito. Antes que os saudáveis de plantão me crucifiquem por eu ser
assumidamente fumante, já deixo em minha defesa uma frase de Mário
Quintana “Desconfia dos que não fumam: esses não têm vida interior, não tem
sentimentos. O cigarro é uma maneira sutil, e disfarçada de suspirar”.
Sim, eu sei, cigarro faz mal a saúde. Possui milhares e
milhares de toxinas. É, ele é fedido – eu mesma não gosto de cheiro de
cigarro. Ele mata um pouco por vez, mas afinal das contas, já dizia algum poeta
que a gente mal nasce e já começa a morrer aos pouquinhos, o que é bem
verdade. Então, por que não deixar que cada pessoa escolha a forma de
fazer isso da maneira que bem achar melhor? Não estou defendendo o cigarro.
Mentira, eu estou sim: mas em defesa a minha defesa, quero dizer que escrevo
pelo direito de poder escolher as coisas que me fazem bem ou mal sem ter que
ficar ouvindo uma lição de moral cada vez que vou dar a minha suspirada –
diga-se de passagem sempre em algum lugar reservado para suspiradores como
eu.
Acho muito engraçado a pessoa que critica meu cigarro se
entupir de batata frita com bacon, ou então beber até não se lembrar mais. Não
fuma, mas não pratica nenhum exercício. Não fuma, mas vai para a balada de
segunda a segunda, sem dormir nada. Não fuma, mas é viciado em
coca-cola. Já Imaginou que chato se para cada coisa que a gente fizesse
alguém viesse meter o bedelho? Ao invés do “Moça, tão bontinha, por
que tu fuma?” ou então o “Moço, tu não sabia que cigarro mata?” ouviríamos: Tão
bonitinha, pena que come batata frita. Ou ainda: Ele é tão gato! Mas fui beijar
e ele tinha gosto de coca-cola na boca. Nem disfarçou.
Por que não importa qual teu vício, sempre vai ter uma
pessoa contra. E como já falei antes: cada um deve ter o livre arbítrio
para escolher o que quer para a vida, para seus pulmões ou barriga. E me
desculpem os saudáveis, mas antes dessa explosão de proibições e campanhas, era
até charmoso fumar um cigarro. Ele é o companheiro da literatura, da dor, dos
filmes, da música. Está presente nas dores de “Vai Passar”, de Caio Fernando
Abreu, no “Chão de Giz” do Zé Ramalho, no poema já mencionado de Quintana, no
título da canção de Zeca Baleiro e muitas outras coisas. De alguma forma,
o cigarro está ligado à arte, ao drama, à
criatividade e até mesmo à conquista.
Para comprovar minha teoria, fui às ruas perguntar.
Perguntei assim, aleatoriamente mesmo. Sentei num banco da praça com meus cigarros,
pois sabia que logo alguém iria pedir fogo, como sempre. Cigarro é social
também. Não demorou: um senhorzinho cansado me pediu um cigarro, por
favor. Quando lhe entreguei, perguntei por que ele fumava e ele me disse
que era para pensar. Ajudava a colocar o pensamento em ordem. Que ele sabia
que fazia mal, mas ao mesmo tempo o ajudava de alguma forma. Compreendi.
Para a menina, bonita e de uns vinte tantos anos, fiz a mesma pergunta. Ela me disse que era para amenizar a ansiedade. Começou a fumar porque terminou um namoro – na época fumava um atrás do outro – mas que agora tinha se tornado um vício mesmo. E que quando ela estava agoniada fumava muito, que isso ajudava a não surtar com as coisas do dia a dia.
Para a menina, bonita e de uns vinte tantos anos, fiz a mesma pergunta. Ela me disse que era para amenizar a ansiedade. Começou a fumar porque terminou um namoro – na época fumava um atrás do outro – mas que agora tinha se tornado um vício mesmo. E que quando ela estava agoniada fumava muito, que isso ajudava a não surtar com as coisas do dia a dia.
Se eu tivesse tempo, teria ouvido muito mais histórias. Cada
bituca de cigarro largada por aí (sou a favor de que sejam colocadas no lixo,
acho mesmo que a natureza não é cinzeiro) conta uma história diferente, é um
suspiro, é uma pausa, um pensamento. E é isso que eu sinto quando acendo o
meu. Deixando bem claro aqui: se você não fuma, parabéns, continue assim.
Faz muito bem. Não caia nessa besteira. Mas deixe quem se rendeu a esse
vício por qualquer motivo que seja em paz – desde que ele esteja respeitando
seu espaço também. Sei que vou parar de fumar um dia, muito em breve, quem
sabe. Mas quero fazer isso quando eu quiser, e não porque alguém mandou.
Afinal, eu deixo você comer seu bacon em paz.
Foto: Cristina Souza
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