Era uma vez o progresso. Certa vez pude vê-lo passar, de
longe, é claro. Tentei entendê-lo, mas, misterioso que é não quis me revelar
sua história. Permito-me então imaginar que ele começaria, certamente, com alguém
explorando outro alguém em algum lugar e em nome de alguma coisa.
Hoje em dia, nosso caro amigo progresso ganhou proporções
globais, abrigando-se em lugares que são iguais em qualquer parte do mundo.
Aeroportos, viadutos, rodoviárias, restaurantes de fast food... Lugares que,
não importa onde estejam locados, têm a mesma cara, o mesmo cheiro, o mesmo
tudo. Lugares que têm o poder de apagar toda uma realidade, absorvendo toda e
qualquer peculiaridade daqueles que ali habitam.
Nos escritórios não é diferente. Computadores, mesas, e cadeiras
de rodinha - quase sempre irritantemente barulhentas - estão estrategicamente
ordenados para acolher o progresso. Não raramente exibe-se em uma das paredes
uma frase de incentivo, normalmente em cima da velha cafeteira. Coitada, essa
sim trabalha, afinal, ela sozinha é responsável pelo combustível que mantém
todos despertos, trabalhando em nome de adivinhem quem? Do progresso, é claro.
Lembro de ter lido recentemente dados que diziam ser o
telemarketing a profissão em que mais se adoece no mundo. Confesso não ter me
causado espanto, afinal, imaginem trabalhar todo dia tendo plena consciência de
que seu trabalho é causar o incômodo alheio? Temo só de pensar em você, Judite.
Aliás, pensando agora na minha tão querida (e ingrata)
profissão – prazer, quase jornalista! – penso que deve ser esse mesmo medo do
incômodo que anda batendo na porta das escolas de jornalismo e das grandes
empresas. Quem além dele poderia justificar a formação de tantos repórteres prematuros,
que antecipam meses de vivência e já nascem com a síndrome da imparcialidade e
da precisão?
Jornalista é um bicho esquisito. Amante secreto da
dicotomia. Como podemos odiar tanto alguma coisa e ao mesmo tempo amá-la na
mesma proporção? Somos tão esquizofrênicos, malucos de carteirinha, que
sabotamos até aquela que deveria ser nossa
companheira-de-trabalho-e-fiel-escudeira: a linguagem. Tentamos
desesperadamente domesticar sua natureza livre encaixando-a em intermináveis
formas e manuais, querendo controlar seus poderes a todo e qualquer custo.
No entanto, nenhuma linguagem se esgota nela mesma. Ela
sempre nos vence, esperta. E se, no
jornalismo a vestimos tal qual uma camisa de força, na literatura ela se pinta
num vestido leve e esvoaçante, inventando e reinventando a seu bel prazer. De
que outra forma, além da ficção, poderíamos abraçar a nossa própria realidade
de maneira tão impune?
Ainda acredito, embora cada vez menos, em um jornalismo mais
real. Guardo em mim a fagulha de Machado de Assis, João do Rio e tantos outros antes e
depois deles. Aqui nessas páginas estopinianas, cultivo esse desejo de mais,
essa vontade ávida de comunicar e encontrar-me sim com o leitor através das
páginas, porque é isso que somos: humanos. E pra que nos comunicamos se não para
nos encontrarmos em outros corpos, outros pensamentos, outras realidades? Sei que meu
próprio inimigo sou eu. Por querer fazer demais, ser demais, pensar demais. Mas
sou só o que tenho, e espero que de alguma coisa isso valha.
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