sexta-feira, 31 de maio de 2013

Ele, eu mesmo e a máscara

Ana Maria Ghizzo

Um homem normal, de sapatos sociais e camisa de botões, vestido com a sutileza dos tons pastéis. Parado assim de pé não parece um homem, a primeira vista, é todo rotina. Braço estendido suportando a inseparável prancheta, inerte, até o momento em que o ciclo se rompeAs mãos do homem dolorosamente se abrem, e o barulho da estrutura de madeira colidindo contra o chão ecoa pelo ambiente. Suave e triste, a música paira pelo ar enquanto ele se despe da fantasia de ser um só.
Pés descalços, coberto apenas pelo necessário, o corpo magro se movimenta com cautela, fluído e delicado. A expressão preocupada,sustentada pela boca constantemente em “U”, espalha pelo palco uma melodia de flautas e desilusão.

A batida da música torna-se mais marcante, movimentando os saltos e remelexos de um cigano sedutor. Vestido de arrogância e pompa, ele nos encara, com as mãos na cintura e as sobrancelhas erguidas num olhar instigante.

Uma melodia lenta e triste, faz dançar uma bailarina solitária. Com seu vestido rodado verde e o cabelo desgrenhado ela perambula pelo palco rodopiando seu olhar melancólico-vazio.
Encarnando todos os outros numa só dança, o suor vai tingindo a camisa de botões, e o sapato social vai rangendo em meio aos rodopios, como se ambos não servissem àquela função. De volta à posição inicial,parado assim de pé não parece um homem, a segunda vista é todo silêncio. Braço estendido suportando a inseparável prancheta, inerte. O homem volta a ser ator de si mesmo.

Desde quando Jacques Copeau (1879-1949) inaugurou o uso da máscara para atores no Teatro Vieux Colombier, em Paris, no início do século XX,  muita coisa aconteceu. Desde 27 de maio desse ano, quando iniciou o Festival Internacional de dança contemporânea, Múltipla Dança, muita coisa também vem acontecendo. Nascido nesse entremeio o espetáculo “O fio das miçangas”, exibido nessa quarta (29), foi dirigido e interpretado por Otávio Bastos, que, usando a máscara enquanto procedimento cênico teatral ancestral, promoveu essa dança de vários seres dentro de um único ser. O Múltipla Dança, percorre a Ilha até 7 de junho. A programação completa está disponível no site: www.multipladanca.art.br.

Nenhum comentário: