quarta-feira, 29 de maio de 2013

A televisão como o quarto poder

Thaís Teixeira

Uma análise da produção audiovisual à partir da obra de Pierre Bourdieu


Eu, como estudante de jornalismo, tenho uma série de restrições em relação à televisão. Como telespectadora, nem tantas assim. O jornalismo me fez crítica e observadora, talvez não tanto quando gostaria ou deveria. A questão é que ao ler o livro Sobre a Televisão, do sociólogo Pierre Bourdieu, vi, a partir de muitas análises, o que eu já sabia por intuição, porque ouvimos diariamente de nossos professores e porque é o que estudamos para fazer, muito embora se tente passar a ideia de que é preciso inovar, reinventar o jornalismo televisivo.
Bourdieu estrutura suas análises a partir da ordem de produção de um programa de TV. Primeiro a pré-produção, depois a produção, a gravação, a pós-produção, a edição e o produto final. Além disso, usa o índice de audiência como vetor condutor de suas críticas. Para ele, assim como pra mim, esse é o grande mau do telejornalismo. Fiz um recorte dentro de sua obra para exprimir minha análise acerca da produção audiovisual, em geral, e uso algum dos trechos do livro para ilustrar minhas constatações. Embora eu seja bastante pontual, o livro trata amplamente da televisão, cita filósofos e sociólogos, analisas as ações de emissoras francesas, e mostra como a TV pode oferecer riscos à democracia.

A produção e seus bastidores

Há dois semestres que temos a disciplina de Jornalismo em TV. Há dois semestres que me incomoda o modo de produção dos telejornais, matérias, programas que fazemos. Primeiro se escolhe a pauta, depois se faz a pré-entrevista com os possíveis entrevistados, depois se escreve o roteiro com tudo o que deve ter, inclusive o que o entrevistado deverá falar.

Ou seja, quando chegamos para fazer a gravação da matéria tudo já deve estar determinado e o seu entrevistado deverá falar o que está no roteiro, que foi o recorte dado por você àquele determinado assunto. Bourdieu diz que:

“com efeito, tenho a impressão que, ao aceitar participar sem se preocupar em saber se poderá dizer alguma coisa, revela-se muito claramente que não se está ali para dizer alguma coisa, mas por razões bem outras, sobretudo para se fazer ver e ser visto”.

Para ele a televisão é o espelho narcisista das pessoas, um lugar de exibição. E quando o jornalista, diretor, produtor, pauteiro escolhe a pessoa X para dar tal entrevista, ele deverá saber se essa pessoa fala bem, se é apresentável, se passará credibilidade a declaração dada e a matéria. Ou, dependendo do assunto, até mesmo se escolhe uma pessoa que não tem habilidades nenhuma de oratória perante uma câmera e sem produção alguma na imagem, para gerar o efeito de sentido desejado.

Sigo aqui a mesma ordem de Bourdieu e passo dos entrevistados para a escolha do que é mostra na telinha. Quando se escreve o roteiro e se pré-determina o que o entrevistado irá falar há a manipulação do jornalista conforme a sua visão de mundo, o objetivo do editor e a política da empresa que trabalha. A objetividade, imparcialidade e o compromisso de ser fiel a realidade vêm em segundo plano. Se uma emissora prefere que seus jornais produzam matérias mais sensacionalistas que as da concorrência ela já está manipulando as informações, buscando atingir um público especifico. Chego pela primeira vez ao índice de audiência. Nenhuma emissora vai selecionar os programas e matérias que serão exibidos sem pensar no índice de audiência. Lembro das aulas de Teorias da Comunicação, na primeira fase, quando estudamos a comunicação de massas. Assim como o rádio, a TV surge como um veículo que visa atingir o maior número de pessoas pela mensagem emitida de forma instantânea.

“Com a televisão, estamos diante de um instrumento que, teoricamente, possibilita atingir todo mundo. Daí certo número de questões prévias: o que tenho a dizer está destinado a atingir todo mundo? Será que merece atingir todo mundo? Estou disposto a fazer de modo que meu discurso, pro sua forma, possa ser entendido por todo mundo? Será que ele merece ser entendido por todo mundo? Pode-se mesmo ir mais longe: ele deve ser entendido por todo mundo?”

Com base no que vejo nas emissoras, e no que faço na universidade, minha conclusão para essa fala do autor é única: manipulação da informação. Não estou tratando isso como um maniqueísmo. Quando falo em manipular, refiro-me ao fato de que a informação jamais chegará pura as nossas casas, pois há todo um tratamento nela para que a recebamos do modo “correto”.

Mas o que é correto para mim, obviamente não é o mesmo correto para o dono da emissora que depende do índice de audiência, olha ele aí de novo, para poder manter-se financeiramente. Se não há público que consuma, não há o que ser produzido. O segundo depende do primeiro, mas não há, necessariamente, um compromisso de produzir aquilo que o público quer ver. Aliás, se produz aquilo que o público pode ver, deve ser e irá se interessar em ver.

Quando o autor fala que o acesso à televisão é uma censura, uma perda de autonomia ligada ao fato de que o assunto é imposto ao telespectador, é o melhor exemplo para definir uma produção. Além disso, há outro fator determinante da produção que é o tempo. Ele é quase tão poderoso quanto o índice de audiência. É através dele que se sabe o que dá de entrar ou não dá. É ele que recorta declarações e sintetiza assuntos. É por causa dele que se prefere assuntos que necessitem de poucas explicações a um que irá estourar os minutos para dizer o que uma simples frase não dá conta.

“Ora, o tempo é algo extremamente raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas.”

A concorrência e índice de audiência determinam o que é notícia

Relevância social já não mais tão levada em conta quanto se seleciona as notícias que iram ao ar. Ela fica atrás do índice de audiência e da concorrência de mercado. Infelizmente, os jornais, assim como as televisões, são pautados pelos seus concorrentes. Por décadas e décadas a principal fonte de alimento dos jornais diários foi o furo de reportagem, a notícia exclusiva e em “primeira mão”. Mas hoje os tempos são outros. A internet exterminou – sim, essa é a palavra – o furo de reportagem, deixando os jornais sem sua fonte.

Aí, o que fazer? Nada. O pensamento de que as notícias exclusivas ainda existem impera nas redações de impresso e TV. O resultado disso é, sem dúvidas, jornais horizontais, circulares, enxutos. Quem já trabalhou em uma redação atual sabe a loucura que é fazer jornalismo diário. Na primeira hora do dia você tem que estar ligado nos programas de rádio da concorrência. Na escolha das pautas para a edição do dia seguinte, tem ter o olho clínico e fazer aquilo que você sabe que a concorrência nunca faria. Se falhar, e sair primeiro no jornal deles do que no seu, tem de correr atrás do prejuízo. Ah! Já ia me esquecendo, a leitura dos jornais da concorrência também é indispensável.

“Levadas pela concorrência por fatias de mercado, as televisões recorrem cada vez mais aos velhos truques dos jornais sensacionalistas, dando o primeiro lugar, quando não é todo o lugar às variedades e às noticias esportivas.”

A grande questão é que os jornalistas ficam tão fissurados nessa coisa de exclusividade que acabam fazendo matéria rasas, superficiais. Se você pega os dois grandes jornais que têm aqui na capital verá que os textos te dizem a mesma coisa. Nenhum dos dois acrescenta absolutamente nada de novo. E isso não difere dos telejornais. Um tenta bater a audiência do outro, buscando todas as vias possíveis para tal. Os telejornais se reciclam, não para apresentar algo inovador, diferente, melhor ao telespectador, mas sim para não perder sua audiência. É complicado...

“A televisão é um universo em que se tem a impressão de que os agentes sociais, tendo as aparências da importância, da liberdade, da autonomia, e mesmo por vezes de aura extraordinária (basta ler os jornais de televisão), são marionetes de uma necessidade que é preciso descrever, de uma estrutura que é preciso tornar manifesta e trazer à luz.”

O que mais me incomoda nessa história toda, é que por mais que eu como estudante de jornalismo enxergue tudo isso que a televisão tem por trás, sento no sofá da sala para ver os telejornais. Eu sei como é feito, eu vi a cozinha do restaurante, e mesmo assim continuo a frequentá-lo. Não tem como fugir. Como telespectador, ou você tem um posicionamento crítico sobre aquilo que está vendo e aceita aquela famosa frase “não acredite em tudo que te dizem”, ou, infelizmente, você está fadado a um alienamento inevitável. 

Bourdieu diz que as notícias de variedades veiculadas têm o efeito de produzir um vazio político, despolitizar e reduzir a vida do mundo à anedota e ao mexerico. Não é à toa que na construção do telejornal essas notícias fiquem sempre entre as de política, economia e aquelas que envolvem problemas sociais. Nada confortante do que saber que seu time ganhou depois que o âncora do jornal das 21h anunciou o aumento de preços na gasolina, ou saber como anda a novela e quais serão seus desfechos após constatar que a violência aumentou assustadoramente nos últimos meses. Primeiro se assusta, depois se acalma. 

A ditadura silenciosa da mídia e seus efeitos

Ditadura é uma imposição e as televisões impõe o que bem desejam ao telespectador. Volto a afirmar que não estou levando para o lado maniqueísta, não há lavagens cerebrais. Mas há imposição de conteúdo, e isso sem dúvida alguma. Essa é uma ditadura que não se nota, ela passa despercebida e calada. A mídia é um símbolo do controle, através dela é tão fácil mobilizar o mundo quando alienar. As palavras e, principalmente, as imagens têm uma força absurda sobre nós.

“A televisão, regida pelo índice de audiência contribui para exercer sobre o consumidor, supostamente livre e esclarecido as pressões do mercado, que não têm nada de expressão democrática de uma opinião coletiva, esclarecida, racional, de uma razão pública, como querem fazer crer os demagogos cínicos. Os pensadores críticos e as organizações encarregadas de exprimir os interesses dos dominados estão muito longe de pensar com clareza esse problema.”

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