sexta-feira, 17 de maio de 2013

Doze Passos

Ana Maria Ghizzo

Desde o início dos tempos, o homem tem a necessidade de ter algo para centrar sua existência. Antes era sol, Deuses, Deus, a igreja, o estado, a estrutura econômica e assim por diante. No século XVI, no limiar entre a idade média e o início da idade moderna a concepção de antropocentrismo altera essa posição histórica passiva do lugar da humanidade no mundo. Passamos a nos considerar o centro do Universo e o centro de tudo.

Mas, até que ponto essa mudança de posição garante nossa liberdade de agir no mundo? Se é que somos livres, de fato. Por que a existência da humanidade tem que ser baseada no poder e na obediência? Por que tantos aceitam se submeter a uma minoria? São esses os questionamentos que motivaram o jovem Étienne de La Boétie a publicar o “Discurso da Servidão Voluntária”, como uma crítica ao absolutismo que se estabeleceu com o fim da Idade Média, o renascimento comercial e cultural, e a necessidade de consolidar um governo com um poder centralizado e organizacional.

La Boétie é capaz de se deslocar de uma posição de alienamento, e se retirar do meio de uma massa que age às cegas. Traça assim um paradigma repleto de questionamentos que perduram ainda hoje. Cadê o livre arbítrio? De onde vem esse nosso medo da liberdade? Esse pavor de tomar nossas próprias decisões, que nos conduz a transferir a responsabilidade que deveria ser nossa para o outro? – servidão voluntária e escravidão consentida.

Escondemos-nos em formas de comportamento de servidão e de compulsão. Esquivamos-nos da responsabilidade de ser atrás do circular discurso de vitimização: a televisão que influencia, o dinheiro que escraviza, a mídia que obriga, o estado que impõem. Tentamos disfarçar nossa necessidade de ter a quem servir, ter em quem por a culpa, ter em quem nos espelhar, aspirar ser igual ao rei, invejar o status, o dinheiro, o poder.

Depender deles? Parlamentares "cansados" na exaustiva votação da MP
dos Portos dormiram na sala do cafezinho (sem cobertores).
Enterramos-nos nas mazelas sociais, que alcançam uma proporção cada vez maior. Excessos que atuam como válvulas de escape nesse contexto de perda da liberdade individual, e do preenchimento de vazios. Violência, fome, drogas, álcool. Inversão de valores, tudo pode, tudo é permitido, e a essência da ética é cada vez mais deturpada.

A presença do ético na sociedade deve configurar a possibilidade de criarmos, mudarmos, e que essa possibilidade exista para todos. O humano é aquele que se descobre como Ser quando jogado no mundo com os outros, e para ser alguém ele tem que enfrentar e decidir. Fazemos parte da mudança de qualquer jeito. Não falar disso, é uma decisão. Não decidir, é decidir não decidir nada.

Todas as formas de tortura e opressão a que nos submetemos escondem essa atitude de abrirmos mão da nossa própria liberdade, deixar que nossas atitudes sejam guiadas e nossas escolhas feitas por algo ou alguém. Deixar-se escravizar, perdendo a capacidade de julgar e agir em nome, do que mais fizer a cabeça, do barato mais intenso, da dose mais forte, do prazer instantâneo, do alívio imediato de ter que ser nós.

Foto: Do grande amigo Dida Sampaio/Estadão Conteúdo.

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