Eu tenho uma prima que fará dois anos neste final de semana.
Ela tem aqueles olhinhos pequeninos, doces e brilhantes das crianças que ainda
estão descobrindo o mundo. Quando ela tinha um pouco mais de um ano, começou a
andar, e ainda meio cambaleante, nos encantava com aqueles passinhos curtos e
empolgados de quem ainda não sabe quantos passos longos ainda dará na vida.
Lembro quando ela ainda era um bebezinho recém-nascido.
Minha tia tinha que trabalhar e o marido dela também, mas ela não confiava em
deixar a pequenina sozinha com nenhuma babá. Como eu ainda estava no cursinho e
tinha minhas tardes livres, ficava como uma babá auxiliar. Mas eu morria de
medo de pegá-la no colo. Ela era bem miudinha, e molinha e tão frágil que eu
poderia amassá-la com qualquer movimento brusco.
Um mês depois virei a babá principal e o medo foi embora.
Passava as tardes fazendo-a dormir, andando de um lado para o outro do
apartamento, cantando Cazuza, Chico Buarque e algumas letras em inglês que eu
gostava. Acompanhei quando seus dentinhos começaram a nascer. Eles machucavam a
gengiva e ela chorava agoniada. Eu não conseguia ouvir, tinha que ir pra alguém
lugar onde não escutasse aquela dor daquele serzinho.
Acompanhei suas primeiras palavras também. Sabe aquele
momento mágico que a criança abre a boca e começar a dizer “papai” e “mamãe”?
Hoje ela sabe o nome de todo mundo lá de casa. Fala pelos cotovelos, repete
tudo que nem um papagaio. Ela tem tanto prazer em falar, que tudo o que sair de
sua boca vem com um sorriso. Ela ainda não sabe que daqui a pouco algumas das
palavras que disser vão sair com lágrimas, dores e raivas. Ela ainda não
descobriu esses sentimentos. Tudo ainda é festa, ainda é um grandíssimo parque
de diversões.
Ainda será necessário alguns anos para que ela descubra que
por ser mulher, as dificuldades vão dobrar. Que todo mês ela sentirá uma dor
tão insuportável quanto a dos seus dentinhos nascendo. Ela vai descobrir que se
apaixonar pela primeira vez é o fim do mundo, a segunda é um abismo e a
terceira é maior das glórias. Ela vai aprender que bater de frente com os pais,
porque eles não a deixam sair para uma festa, não vale a pena, que discutir
desgasta e que o melhor caminho será sempre o diálogo.
Ela vai viver em um mundo que, provavelmente, ainda não foi
destruído pela guerra idiota entre Estados Unidos e Coréia do Norte, mas com
certeza estará imerso em uma 4ª Revolução – a digital. Ela não terá sonhos
medíocres, irá desejar muito mais mundo e tudo o que ele puder lhe oferecer. A
vida merece sempre mais.
E nos anos que se seguirem, e nas dificuldades de que passar
– financeiras ou pessoais – ela descobrirá que dentro dela existe ainda uma
faísca, um fagulho daquela época remota em que brincava no chão da sala da Vó,
em que sorria quando falava e corria sem freios porque não importava o quanto
fosse cair, a diversão valia por tudo.
Dois anos. Ela não está nem aí para as minhas previsões.
Aliás, estou há um mês sem vê-la e é bem provável que fique toda desconfiada
quando me encontrar. Ela é invocada, não dá bola pra quem não conhece. Mas
também é fácil de cativá-la. Se ela abrir aquele sorriso bem grande é porque a
barreira foi quebrada. Talvez seja exatamente isso que a faça brilhar tanto:
seu sorriso.
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