domingo, 14 de abril de 2013

O anjo pornográfico

Thaís Teixeira

De suspensório e com um cigarro na boca, ele andava de lá para cá. Foi por muito tempo taxado de maldito e pornográfico, teve quatro peças censuradas e deixava os críticos malucos toda vez que lançava uma nova obra: seja no teatro, no cinema, na televisão ou em livro. Foram precisos mais 32 anos, após sua morte, para que Nelson Rodrigues fosse homenageado como um dos maiores dramaturgos brasileiros, uma joia rara e bruta que deixou um legado imensurável para a cultura do país.

Nada era tão, ou mais, impactante que uma peça de Nelson Rodrigues. Sua obra é uma mistura de gêneros. Drama, comédia, tragédia, erotismo, suspense e influenciada pela mais diversa literatura. Questões do meio social suburbano são discutidas e exploradas em suas peças. O feio e o sujo aparecem para contrapor a imagem da perfeita e rica sociedade burguesa, que se escandalizava com o escrachado teatro rodrigueano. Nelson faz análises sociológicas, psicológicas e até mesmo filosóficas do mundo em que estamos.

"A sociedade é escandalosa o Nelson é só um espelho da alma da sociedade brasileira. Ele reflete o que as pessoas têm dentro de si sem demagogia, mostra na lata, como nós somos cruéis.  Sim, a sociedade brasileira mudou bastante, mas ainda hoje quando a gente encena, as pessoas perdem a respiração em alguns momentos". Entrevista de Lucélia Santos ao Roda Viva em 22 de outubro de 2012.

As problemáticas apresentadas por ele são quase sempre de origem sexual, faz questão de demonstrar como a infidelidade afeta uma estrutura familiar e que a traição está diretamente ligada à honra. Em suas personagens femininas, o autor desconstrói um conceito da sociedade da época que diferenciava as moças puras das que "não prestavam" pela virgindade. Pecado e morte também estavam presentes. As obras são carregadas de obsessões e uma angústia sexual que aparece em personagens reprimidos ou livres demais.

Nelson considerava seu teatro como “desagradável”, pois mostrava uma realidade que a plateia não queria ver. Além disso, apresenta traços característicos do Modernismo como a liberdade de linguagem e estética, a fragmentação de enredo e o nacionalismo crítico. Podemos ver todos esses aspectos, por exemplo, na peça Vestido de Noiva, de 1943.

Em 1946, três anos após colher as glórias de Vestido de Noiva, Nelson tem a sua primeira peça censurada: Álbum de Família. A partir de então, outras três obras – O Anjo Negro, Senhora dos Afogados e Boca de Ouro - seriam proibidas e Nelson Rodrigues passaria a ser conhecido como o escritor maldito.

Nem quando Vestido de Noiva fez sucesso e foi aclamada como uma obra-prima, Nelson poderia imaginar que suas 17 peças teriam um investimento Federal milionário para serem montadas. Em 68 anos de vida, o "escritor maldito" não fora tão contemplado, adorado, estudado e até mesmo compreendido quanto agora.

No dia 31 de janeiro de 2012, a Fundação Nacional de Artes lançou o Prêmio Funarte Nelson Brasil Rodrigues: 100 Anos do Anjo Pornográfico, uma ação de fomento, em âmbito nacional, de espetáculos das 17 obras dramáticas do autor Nelson Rodrigues, a serem apresentadas em agosto de 2012, no Teatro Dulcina e no Teatro Glauce Rocha (Rio de Janeiro).

A meta do edital foi promover, mediante seleção, a concessão de prêmios a essas obras de Nelson, em homenagem ao Centenário de seu nascimento. Foram destinados ao programa um total de R$ 1,36 milhão distribuídos entre os projetos selecionados, em prêmios de R$ 50 mil a R$ 110 mil.

A penúltima peça da carreira

Briga em família, histórias de supostas traições e um filho que, a princípio, nunca prestou. Essa é a trama da peça Anti-Nelson Rodrigues, uma das últimas escritas pelo autor e que marca a sua volta para o teatro após oito anos. Escrita em 1973, a peça é uma crítica à televisão e as novelas que estavam começando a ganhar mais audiência.

Ela narra a história de Oswaldinho, filho de Tereza e Gastão. Jovem e mimado pela mãe, Oswaldinho é desprezado pelo pai, inescrupuloso, ladrão e mulherengo. Por insistência de Tereza, ele se torna dono de uma das fábricas de seu pai e se apaixona por uma funcionária recém-contratada, a jovem e incorruptível Joice. Acostumado a ter tudo o que quer, Oswaldinho tenta comprar Joice, mas a moça, pura e que espera por um romance desde menina, não se deixa levar pelo dinheiro. Ao final, após todos os conflitos, Joice também se apaixona por Oswaldinho e os dois se casam.

Nelson escreve voltado para certo tipo de família brasileira, que naquela época estava ganhando forma. Ele consolida ali a imagem do que seria uma classe média com suas ambições e neuroses. O enredo pouco tem a ver com o que ele costumava fazer, embora o nome da peça já denunciasse a vontade que o autor tinha de contrariar a imagem que se tinha dele e de suas peças.

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