Rufino de
Medeiros tem história de personagem da literatura infantil. Não é
daqueles senhores bobocas recheados de problemas existenciais. Rufininho, no começo dessa
trama, tem apenas oito anos e não é dono de seu nariz, que pertence
a Estela de Medeiros. A primeira vez que a mãezona mostrou sua força
foi na decisão do futuro profissional do filho. Ele era mais que
aqueles atletas de fim de semana e só não foi jogador de futebol em
clube grande porque a mãe achava que isso era coisa pra malandro e o
único filho dela tinha que ter estudo para ser alguém na vida, a
exemplo do pai, que já era morto. O controle de Estela de Medeiros foi determinante mais de uma vez na vida do menino
que, protegido e orientado desde sempre teve problemas para ser
adulto.
Nosso
personagem fazia sucesso com as garotas na época da escola. E não
apenas as gordinhas e as feias olhavam para ele a fim de “namorá-lo”.
A ação fica entre aspas porque na quarta série do primário
namorar era apenas um acordo de boca a boca entre o menino e a
menina. Ao menos na escola onde Rufino conheceu Lindinha, garota com
a qual o boca a boca ganhou outro sentido.
Rufino e
Lindinha formavam o casal 20 da escola. Eram os mais belos e
inteligentes, possuindo os adjetivos que mais dão brilho a
satisfação humana. O garoto era muito seguro, pois em casa havia
uma mãe pronta para dar-lhe o conselho que ele precisasse para
seguir com normalidade os degraus da vida. Enquanto que Lindinha
convivia num ambiente familiar conturbado, o que no clichê da vida
contemporânea a fez amadurecer mais cedo.
É claro que
Dona Estela de Medeiros conhecia a nora e até fazia gosto do namoro
de seu menino com a linda Lindinha. Entretanto, Rufino nasceu no
mundo da ficção. Sua história só pode ser contada porque um autor
decidiu fazê-lo. Como o método escolhido para isso foi o textual,
Rufino passará por um clímax e depois por um desfecho. É nesse
momento e dessa forma que começam a surgir os problemas do esbelto
rapaz.
O casal
chegou a adolescência. Completavam sete anos de namoro. Se
conheceram ainda crianças, mas a relação deles não era
brincadeira. Lindinha iria debutar em menos de uma semana e queria
viajar para longe com o filho de Dona Estela. Se a trama precisava de
conturbação essa é a ideia do autor, bem como a cruz do
personagem. Estela de Medeiros, a mãe superprotetora fazia, agora, o
papel da sogra inconveniente. Ela não queria que seu menino criasse
asas assim cedo.
Dali pra
frente, a infelicidade batia a porta do quarto de Rufininho todos os
dias pela manhã. Seu romance romântico com Lindinha degringolou e o
fatídico dia do rompimento que antes parecia afogado em alto-mar,
nadou, nadou e chegou a praia. O leitor, incherido e maldoso acha que
o rancor reinará no peito do Rufino. Ele, porém, não ousou culpar
a mãe pela separação. Lindinha é que não soube lidar com as
desavenças, agindo como uma personagem, digo, como uma garota
imatura.
Mas se não
foi o rancor o sentimento que tomou conta dos dias de Rufino, não se
pode dizer o mesmo da senhora tristeza. Ela trancou-se no quarto de
onde o garoto não tinha mais a chave para sair. O filho de Dona
Estela levantava-se apenas para comer. Nem atleta de final de semana
ele era mais. Apenas um devorador de livros, que também escrevia
cartas nunca entregues a inconsequente ex-namorada.
A depressão
pediu licença à tristeza do adolescente solteiro a fim de tornar
ainda mais críticos os últimos dias de sua vida. O sedentarismo
repentino trouxe dores ao corpo de um rapaz que bem poderia ter sido
atleta. Depois, algumas gordurinhas localizadas ocupavam partes de
seu corpo. Até que numa manhã de domingo, quando levantou-se da
cama, depois de uma noite mal dormida, Rufino teve a certeza de que
precisava reverter aquela situação.
O garoto ia
lavando o rosto e sentiu vontade de urinar. Luxento que era, sentia
nojo do banheiro da casa, que D. Estela deixava mal cuidado depois
que perdeu o marido. O cômodo tinha o cheiro das coisas que ali eram
deixadas pelos corpos humanos. Rufino sentiu nojo do vaso sanitário,
mas a vontade de fazer xixi era maior. Como forma de desprezar aquela
sujeira, tinha o hábito de cuspir dentro do vaso enquanto urinava.
Entretanto, ocorreu-lhe uma tragédia, a saliva expelida parou no
tamanho de sua barriga, aumentando-lhe a ojeriza.
Era um
gordo, o mais novo gordo do bairro. Se Lindinha não o queria com
corpo de atleta pior será agora que ele é um gordinho. Era o
preconceito martelando a sua consciência. Ele não se aceitava com a
nova aparência. Vacilava entre o ânimo para emagrecer e a certeza
de que nem a magreza traria Linda de volta. Chorou, chorou, chorou e
finalmente decidiu não decidir coisa nenhuma. Deixaria o corpo gordo
mover-se no decorrer dos dias e lembrou-se de um ditado que o velho
gostava de dizer-lhe: o que não tem remédio, remediado está.
Ah mas os
ditados são baratos de mais. E também não venceriam numa queda de
braços a força do preconceito. Esse sim é poderoso e capaz de
mudar as relações humanas. Essa invasão de pensamentos percorria a
cabeça de Rufino e conversava com ele, trazendo recordações boas
dos dias com sua garota. Mas nem o preconceito era suficiente para
trazer-lhe respostas e mostrar-lhe o caminho das ações.
Repentinamente,
como ocorrem todas as ousadas ações do homem, o cérebro de Rufino
enviou comandos aos seus membros que se levantaram da cama do
pensamento e moveram-se até a frente do guarda-roupa. Lá, uma
pequenina mala, com espaço para abrigar umas peças de roupas foi
ocupada por inteiro. Sem forças para lembrar onde havia guardado a
chave do quarto, e também para impedir que sua mãe suspeitasse da
fuga, Rufino, que agora mais parecia um filho rebelde, pulou a janela
de seu quarto e dirigiu-se sabe-se lá para onde.
A verdade é
que as linhas desse texto jamais comportariam a exata explicação
para a escolha que nosso personagem tomou. Como ele encheu uma mala,
pode deduzir-se que o louco foi atrás de Lindinha para reatar o
namoro. Mas é pouco provável. Há que se dizer: o quarto por onde o
personagem foi defenestrado pelo autor, ficava no segundo andar. Mas
é pouca a chance de ele ter morrido num final trágico.
O que se
sabe é que o garoto saiu tão rapidamente da situação em que se
encontrava que nem a imaginação do escritor conseguiu acompanhar o
desfecho da trama. O que resulta numa grande frustração para o
leitor. Os mais românticos sabem que o coração de Rufino está
calmo. Os que preferem a dor alheia creem na sua morte. Os
jornalistas acham que faltaram informações mais precisas e que a
história está mal contada. E os que também são escritores,
certamente, escreveriam um final muito melhor.
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