quinta-feira, 7 de março de 2013

Um Jornalismo faraônico


Estudante de história da Udesc, Fábio Amorim Viera, sempre se interessou pela história do Egito faraônico. Quando teve a oportunidade de conhecê-lo, deparou-se com um dos acontecimentos mais importantes deste século, A revolução egípcia de 2011. Fábio chegou no Cairo em 21 de janeiro de 2011 e embarcou de volta ao Brasil em 10 de fevereiro do mesmo ano. Esteve presente na maioria dos 17 dias de revolta. Suas respostas às minhas perguntas foram longas e pontuais. Cheguei a questioná-lo se alguma vez já teria pensando em cursar jornalismo, e o entrevistado respondeu-me que sua primeira opção no vestibular era exatamente essa. Jornalista tem que ter faro para notícias e quem poderia ser melhor para contar uma história se não um historiador com veia jornalística?


Repórter Ping-Pong: Dúvida genérica, mas necessária , o que você estava fazendo no Egito? Qual o propósito e foco da sua viagem?

Fábio Amorim Viera: Desde criança sempre me interessei pela história do Egito faraônico. Em 2010, ao ingressar no curso de história, procurei me aprofundar academicamente neste tema e, em 2011, surgiu a oportunidade de visitar o país, porque minha prima é casada com um egípcio. Meus tios, pais dela, foram visitá-la e eu fui junto, de modo que eu poderia conhecer tudo aquilo que eu tanto admirava a partir dos livros de história. Meu propósito era visitar minha prima e seu marido, além de passear e aprender mais acerca da história egípcia.

Ping: Você chegou ao Egito quatro dias antes de estourar as revoltas contra o ex-presidente, Hosni Mubarak, o que mais chamou a atenção nos vinte dias que você passou no meio da Revolução Egípcia de 2011?

Fábio: O país me pareceu bastante calmo e politicamente estável nos meus primeiros dias no Cairo. Meu olhar, porém, partia do lugar onde eu estava naquele país. A família do Ahmed, marido da minha prima, provinha de uma classe alta na capital egípcia, ao contrário dos manifestantes. A princípio as mobilizações, segundo o Ahmed, aconteciam naquela época todos os anos, em uma espécie de feriado anual para que os insatisfeitos com tarifas e impostos excessivos e altos preços das mercadorias fossem às ruas manifestarem-se. Em 2011, porém, os protestos se estenderam e conforme os meus dias no Cairo passavam, as manifestações cresciam, finalmente chegando à protestos para que Mubarak deixasse a presidência do país. Ahmed e sua família egípcia eram favoráveis ao presidente e apresentavam uma visão diferente da que aumentava entre as milhares de pessoas na praça Tahrir. Momentos de tensão faziam parte das semanas em que permanecemos trancados no apartamento da família e o medo era visível cada vez que ouvíamos pelas janelas pessoas gritando ou observávamos na televisão o caos da insatisfação popular ao regime de Hosni Mubarak. O pavor do Ahmed, seus pais e irmãos perante tudo aquilo era tanto que, num dia que ouvimos uma multidão gritando na nossa rua, as portas do nosso apartamento foram trancadas e todos os móveis, mesas, cadeiras e armários foram colocados contra as portas e janelas pra evitar qualquer tipo de invasão.


Ping: Como você sendo estudante de história da UDESC, se sentiu estando em loco em um acontecimento histórico como esse?

Fábio: Meus interesses referentes à história do Egito sempre se voltaram ao período da antiguidade, quando o país era regido pelo sistema faraônico. No entanto, a cultura islâmica gradativamente me fascinava, e perceber o modo como aquelas pessoas agiam religiosamente, socialmente e politicamente era algo que me parecia bastante interessante. Uma lógica diferente da que estamos acostumados a ver e vivenciar na nossa sociedade. Lembro de estarmos acompanhando pela televisão as movimentações na praça Tahrir e os conflitos entre os partidários e os insatisfeitos com o governo, mas na hora da oração, prática diária muçulmana, todos eles curvavam-se juntos e dedicavam aquele momento a Alá. Viver em meio ao medo que aquela família egípcia que nos recebeu passava era difícil. Apesar do pânico, da incerteza e da comoção cada vez maior, não tínhamos noção da dimensão popular que a revolução no Egito tomaria. Quando voltei, colegas e professores meus falaram sobre a importância de eu estar naquele lugar e naquele momento, algo que eu realmente só percebi depois, quando já tinha voltado.

Ping: No dia 28 de janeiro, conhecido como sexta-feira da ira, o governo egípcio derrubou a internet no país pouco antes da 1h da manhã no horário local, juntamente com alguns serviços de telefone celular e SMS já que a legislação egípcia permite ao governo bloquear tais serviços, e as operadoras são obrigadas a cumprir. Como foi presenciar um mundo no qual a tecnologia não estava disponível?

Fábio: Como estava viajando a passeio, mantinha contato esporádico com minha família, mandando fotos e notícias via e-mail. Quando o governo cortou serviços de comunicação como o celular e a internet percebemos como a crise que o país enfrentava era intensa. Como haviam transmissões no Brasil acerca dos acontecimentos e minha família ficava cada vez mais preocupada, eu e meus tios perguntamos ao Ahmed se havia uma forma de contatarmos o Brasil em meio a toda aquela indisponibilidade comunicacional. Para nossa surpresa, havia locais pelo Cairo onde se era permitido fazer ligações, pagando pelo tempo de serviço. Ainda assim, viver o momento onde uma cidade com cerca de 15 milhões de pessoas sem possuir meios de comunicação por celular ou internet é algo impactante.

Ping: No dia 29 de janeiro o governo impõe um toque de recolher a população depois das seis horas da tarde, situação que não é habitual no Brasil. Como a população reagiu a isso? Você esteve nas ruas depois desse horário?

Fábio: Com o toque de recolher, o clima nas ruas ficou ainda mais hostil. O controle sobre as pessoas e o medo constante eram notáveis nas vezes que saímos ao supermercado para comprar comida e mantimentos. A insegurança dos egípcios com o toque de recolher e as ações por parte do governo, dos militares e dos manifestantes refletia-se no vazio das ruas do centro da capital, antes tão movimentadas por carros e pessoas, tendo como exceção os focos das manifestações e outras ações esporádicas. Não estive fora depois do horário do toque de recolher, mas na frente do prédio onde estávamos permaneciam uns 5 homens durante a noite vigiando a movimentação junto de uma fogueira e parando os carros que entravam na rua. Alguns deles portavam armas e facas.

Ping: No dia 30 de janeiro a a rede de TV Al Jazeera, que vinha relatando os eventos para o mundo, 24 horas por dia é fechada, como você se informava sobre os acontecimentos do mundo ?Como conseguia fazer algum contato com o Brasil?

Fábio: Grande parte dos acontecimentos, em decorrência do constante medo da família egípcia que me recebia, era vista por nós pela televisão. Embora a Al Jazeera tenha sido fechada, havia outros noticiários que transmitiam imagens dos protestos ao longo do país, além das resoluções do governo. Um dos momentos mais emblemáticos foi do primeiro discurso de Mubarak à TV sobre os acontecimentos. Naquele momento as pessoas pararam tudo pra vê-lo. Não havia movimentação nas ruas próximas à gente, estavam todos em casa assistindo ao pronunciamento. Tais veículos eram, claro, todos em árabe, portanto cabia à família que nos recebia traduzir o que estava acontecendo. Muito do que eles nos passavam era a imagem de protestantes ao governo cujos objetivos não passavam de alardear e ir contra um governo estável e próspero, visão explícita da família do marido de minha prima. Quando contatava meus a pais, eles me diziam sobre o que era veiculado no Brasil e as duas perspectivas - da família egípcia que me recebia e dos noticiários brasileiros - mostravam versões completamente diferentes do que acontecia. No Brasil Mubarak era apresentado como governante que não queria largar o poder egípcio mesmo com os crescentes protestos de uma população insatisfeita com seus 30 anos de mandato, algo que só pude realmente perceber quando voltei ao Brasil e liguei a TV.

Ping: Você passou por algum apuro por causas das manifestações? Como os turistas eram recebidos em meio aos caos que se alastrava pela cidade do Cairo ? Existia algumas recomendações que os turistas deveriam aderir?

Fábio: Por mais que o país enfrentasse um período de tensão, todas as vezes que tive contato com as pessoas que sabiam que éramos brasileiros, estes abriam um largo sorriso e eram profundamente gentis conosco. Houve, porém, um episódio acontecido com a gente que vale a pena lembrar. Numa das vezes que saímos de casa pra comprar comida, levei minha câmera fotográfica e comecei a tirar algumas fotos das ruas quase desertas. Quando já estávamos pagando as compras na feira, fomos cercados por vários homens que nos olhavam de forma hostil e perguntavam o tempo todo de onde éramos. Ao mostrarmos nossos passaportes brasileiros, logo eles nos pediram desculpas e explicaram ao Ahmed que um deles me viu fotografando as ruas e pensou que poderíamos ser opositores estrangeiros, talvez até israelenses, aproveitando o momento para explorar e disseminar a instabilidade egípcia daqueles dias.

Ping: No dia 31 de janeiro vários jornais noticiariam que o aeroporto de Cairo estava caótico com o número de turistas que tentavam sair do país, você pensou em algum momento em encurtar sua viagem e retornar ao Brasil?

Fábio: Nos primeiros dias da já declarada manifestação, quando os trens e portos pararam de funcionar, meus tios pensaram em voltar para o Brasil antes do previsto. Falamos com nossos parentes no Brasil e minha mãe tentou contatar os responsáveis no Itamaraty, pois haviam recomendado em um noticiário a quem tivesse parentes no Egito que falasse com eles. No entanto, o contato tornou-se muito difícil e optamos por permanecer lá os dias restantes ao nosso regresso. No noticiário de lá, também informavam do caos no aeroporto, mas no dia que embarcamos de volta, não percebemos nenhuma movimentação fora do normal, mas o número de turistas em relação ao de egípcios nas filas de embarque era perceptivelmente maior.

Repórter Ping Pong
Fotos: arquivo pessoal do entrevistado

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