Estudante de história da
Udesc, Fábio Amorim Viera, sempre se interessou pela história do
Egito faraônico. Quando teve a oportunidade de conhecê-lo,
deparou-se com um dos acontecimentos mais importantes deste século,
A revolução egípcia de 2011. Fábio chegou no Cairo em 21 de
janeiro de 2011 e embarcou de volta ao Brasil em 10 de fevereiro do
mesmo ano. Esteve presente na maioria dos 17 dias de revolta. Suas
respostas às minhas perguntas foram longas e pontuais. Cheguei a
questioná-lo se alguma vez já teria pensando em cursar jornalismo,
e o entrevistado respondeu-me que sua primeira opção no vestibular
era exatamente essa. Jornalista tem que ter faro para notícias e
quem poderia ser melhor para contar uma história se não um
historiador com veia jornalística?
Repórter Ping-Pong: Dúvida
genérica, mas necessária , o que você estava fazendo no Egito?
Qual o propósito e foco da sua viagem?
Fábio Amorim Viera: Desde
criança sempre me interessei pela história do Egito faraônico. Em
2010, ao ingressar no curso de história, procurei me aprofundar
academicamente neste tema e, em 2011, surgiu a oportunidade de
visitar o país, porque minha prima é casada com um egípcio. Meus
tios, pais dela, foram visitá-la e eu fui junto, de modo que eu
poderia conhecer tudo aquilo que eu tanto admirava a partir dos
livros de história. Meu propósito era visitar minha prima e seu
marido, além de passear e aprender mais acerca da história egípcia.
Ping: Você chegou ao Egito
quatro dias antes de estourar as revoltas contra o ex-presidente,
Hosni Mubarak, o que mais chamou a atenção nos vinte dias que você
passou no meio da Revolução Egípcia de 2011?
Fábio: O país me pareceu
bastante calmo e politicamente estável nos meus primeiros dias no
Cairo. Meu olhar, porém, partia do lugar onde eu estava naquele
país. A família do Ahmed, marido da minha prima, provinha de uma
classe alta na capital egípcia, ao contrário dos manifestantes. A
princípio as mobilizações, segundo o Ahmed, aconteciam naquela
época todos os anos, em uma espécie de feriado anual para que os
insatisfeitos com tarifas e impostos excessivos e altos preços das
mercadorias fossem às ruas manifestarem-se. Em 2011, porém, os
protestos se estenderam e conforme os meus dias no Cairo passavam, as
manifestações cresciam, finalmente chegando à protestos para que
Mubarak deixasse a presidência do país. Ahmed e sua família
egípcia eram favoráveis ao presidente e apresentavam uma visão
diferente da que aumentava entre as milhares de pessoas na praça
Tahrir. Momentos de tensão faziam parte das semanas em que
permanecemos trancados no apartamento da família e o medo era
visível cada vez que ouvíamos pelas janelas pessoas gritando ou
observávamos na televisão o caos da insatisfação popular ao
regime de Hosni Mubarak. O pavor do Ahmed, seus pais e irmãos
perante tudo aquilo era tanto que, num dia que ouvimos uma multidão
gritando na nossa rua, as portas do nosso apartamento foram trancadas
e todos os móveis, mesas, cadeiras e armários foram colocados
contra as portas e janelas pra evitar qualquer tipo de invasão.
Ping: Como você sendo
estudante de história da UDESC, se sentiu estando em loco em um
acontecimento histórico como esse?
Fábio: Meus interesses
referentes à história do Egito sempre se voltaram ao período da
antiguidade, quando o país era regido pelo sistema faraônico. No
entanto, a cultura islâmica gradativamente me fascinava, e perceber
o modo como aquelas pessoas agiam religiosamente, socialmente e
politicamente era algo que me parecia bastante interessante. Uma
lógica diferente da que estamos acostumados a ver e vivenciar na
nossa sociedade. Lembro de estarmos acompanhando pela televisão as
movimentações na praça Tahrir e os conflitos entre os partidários
e os insatisfeitos com o governo, mas na hora da oração, prática
diária muçulmana, todos eles curvavam-se juntos e dedicavam aquele
momento a Alá. Viver em meio ao medo que aquela família egípcia
que nos recebeu passava era difícil. Apesar do pânico, da incerteza
e da comoção cada vez maior, não tínhamos noção da dimensão
popular que a revolução no Egito tomaria. Quando voltei, colegas e
professores meus falaram sobre a importância de eu estar naquele
lugar e naquele momento, algo que eu realmente só percebi depois,
quando já tinha voltado.
Ping: No dia 28 de janeiro,
conhecido como sexta-feira da ira, o governo egípcio derrubou a
internet no país pouco antes da 1h da manhã no horário local,
juntamente com alguns serviços de telefone celular e SMS já que a
legislação egípcia permite ao governo bloquear tais serviços, e
as operadoras são obrigadas a cumprir. Como foi presenciar um mundo
no qual a tecnologia não estava disponível?
Fábio: Como estava viajando
a passeio, mantinha contato esporádico com minha família, mandando
fotos e notícias via e-mail. Quando o governo cortou serviços de
comunicação como o celular e a internet percebemos como a crise que
o país enfrentava era intensa. Como haviam transmissões no Brasil
acerca dos acontecimentos e minha família ficava cada vez mais
preocupada, eu e meus tios perguntamos ao Ahmed se havia uma forma de
contatarmos o Brasil em meio a toda aquela indisponibilidade
comunicacional. Para nossa surpresa, havia locais pelo Cairo onde se
era permitido fazer ligações, pagando pelo tempo de serviço. Ainda
assim, viver o momento onde uma cidade com cerca de 15 milhões de
pessoas sem possuir meios de comunicação por celular ou internet é
algo impactante.
Ping: No dia 29 de janeiro o
governo impõe um toque de recolher a população depois das seis
horas da tarde, situação que não é habitual no Brasil. Como a
população reagiu a isso? Você esteve nas ruas depois desse
horário?
Fábio: Com o toque de
recolher, o clima nas ruas ficou ainda mais hostil. O controle sobre
as pessoas e o medo constante eram notáveis nas vezes que saímos ao
supermercado para comprar comida e mantimentos. A insegurança dos
egípcios com o toque de recolher e as ações por parte do governo,
dos militares e dos manifestantes refletia-se no vazio das ruas do
centro da capital, antes tão movimentadas por carros e pessoas,
tendo como exceção os focos das manifestações e outras ações
esporádicas. Não estive fora depois do horário do toque de
recolher, mas na frente do prédio onde estávamos permaneciam uns 5
homens durante a noite vigiando a movimentação junto de uma
fogueira e parando os carros que entravam na rua. Alguns deles
portavam armas e facas.
Ping: No dia 30 de janeiro a
a rede de TV Al Jazeera, que vinha relatando os eventos para o mundo,
24 horas por dia é fechada, como você se informava sobre os
acontecimentos do mundo ?Como conseguia fazer algum contato com o
Brasil?
Fábio: Grande parte dos
acontecimentos, em decorrência do constante medo da família egípcia
que me recebia, era vista por nós pela televisão. Embora a Al
Jazeera tenha sido fechada, havia outros noticiários que transmitiam
imagens dos protestos ao longo do país, além das resoluções do
governo. Um dos momentos mais emblemáticos foi do primeiro discurso
de Mubarak à TV sobre os acontecimentos. Naquele momento as pessoas
pararam tudo pra vê-lo. Não havia movimentação nas ruas próximas
à gente, estavam todos em casa assistindo ao pronunciamento. Tais
veículos eram, claro, todos em árabe, portanto cabia à família
que nos recebia traduzir o que estava acontecendo. Muito do que eles
nos passavam era a imagem de protestantes ao governo cujos objetivos
não passavam de alardear e ir contra um governo estável e próspero,
visão explícita da família do marido de minha prima. Quando
contatava meus a pais, eles me diziam sobre o que era veiculado no
Brasil e as duas perspectivas - da família egípcia que me recebia e
dos noticiários brasileiros - mostravam versões completamente
diferentes do que acontecia. No Brasil Mubarak era apresentado como
governante que não queria largar o poder egípcio mesmo com os
crescentes protestos de uma população insatisfeita com seus 30 anos
de mandato, algo que só pude realmente perceber quando voltei ao
Brasil e liguei a TV.
Ping: Você passou por algum
apuro por causas das manifestações? Como os turistas eram recebidos
em meio aos caos que se alastrava pela cidade do Cairo ? Existia
algumas recomendações que os turistas deveriam aderir?
Fábio: Por mais que o país
enfrentasse um período de tensão, todas as vezes que tive contato
com as pessoas que sabiam que éramos brasileiros, estes abriam um
largo sorriso e eram profundamente gentis conosco. Houve, porém, um
episódio acontecido com a gente que vale a pena lembrar. Numa das
vezes que saímos de casa pra comprar comida, levei minha câmera
fotográfica e comecei a tirar algumas fotos das ruas quase desertas.
Quando já estávamos pagando as compras na feira, fomos cercados por
vários homens que nos olhavam de forma hostil e perguntavam o tempo
todo de onde éramos. Ao mostrarmos nossos passaportes brasileiros,
logo eles nos pediram desculpas e explicaram ao Ahmed que um deles me
viu fotografando as ruas e pensou que poderíamos ser opositores
estrangeiros, talvez até israelenses, aproveitando o momento para
explorar e disseminar a instabilidade egípcia daqueles dias.
Ping: No dia 31 de janeiro
vários jornais noticiariam que o aeroporto de Cairo estava caótico
com o número de turistas que tentavam sair do país, você pensou em
algum momento em encurtar sua viagem e retornar ao Brasil?
Fábio: Nos primeiros dias
da já declarada manifestação, quando os trens e portos pararam de
funcionar, meus tios pensaram em voltar para o Brasil antes do
previsto. Falamos com nossos parentes no Brasil e minha mãe tentou
contatar os responsáveis no Itamaraty, pois haviam recomendado em um
noticiário a quem tivesse parentes no Egito que falasse com eles. No
entanto, o contato tornou-se muito difícil e optamos por permanecer
lá os dias restantes ao nosso regresso. No noticiário de lá,
também informavam do caos no aeroporto, mas no dia que embarcamos de
volta, não percebemos nenhuma movimentação fora do normal, mas o
número de turistas em relação ao de egípcios nas filas de
embarque era perceptivelmente maior.
Repórter Ping Pong
Fotos: arquivo pessoal do entrevistado
Fotos: arquivo pessoal do entrevistado
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