sexta-feira, 22 de março de 2013

B de Bilac, B de meraki, por que não?

Ana Maria Ghizzo

Bilac, Belle Époque, Balzac... Para quem acredita em coincidências, a letra B pode aparecer por acaso com tanta frequência na vida e na obra da jornalista Marta Scherer. Talvez seja capricho do acaso, ou apenas uma letra que frequentemente cai no gosto da autora, vai saber. Mesmo não contendo a letra B, escolho meraki como a palavra que melhor define a autora.


O que sei é que tinha de ser verbo para traduzir alguém assim tão enérgica. Meraki vem do grego e significa fazer algo com a alma, criatividade ou amor, colocando parte de si naquilo que se faz. Nesse caso, vida e obra são meraki. É praticamente impossível falar do autor sem mencionar sua obra.

É por isso que escolho falar sobre a obra, a fim de que por meio dela, a autora apareça nas linhas por mim escritas, e o leitor fique com a sensação de que todo o texto não passou de uma conversa informal entre amigas. Essa tônica, aliás, é natural no falar de Marta, que é capaz de pular das mudanças históricas do Brasil no final do século XIX e início do século XX, ao progresso tecnológico, redes sociais e meios de compartilhamento de informação atuais, tudo isso, sem perder o fio da meada.

A mais recente obra de Marta Scherer é resultado da sua dissertação de mestrado. No trabalho, ela se dedicou a estudar as crônicas de Olavo Bilac publicadas na Gazeta de Notícias no período da Belle Époque brasileira, a fim de pesquisar sobre a imprensa da época, e também trazer a tona uma versão menos explorada da biografia de Bilac: a do jornalista. O recorte contém 42 textos inéditos e 49 publicados em outras obras, somando um total de 91 crônicas que falavam sobre a imprensa.

Diante das crônicas, Marta busca analisar as mudanças da imprensa, passando pelas alterações técnicas referentes àquele momento, como o surgimento da fotografia e o consequente aumento das ilustrações, o incremento da publicidade nos jornais, a oficialização da profissão de repórter e a profissionalização dos jornalistas. Dessa forma, ela ressalta o cenário de (trans)formação em que se inseria a imprensa do Brasil e do mundo. É, nesse período da história, que os jornais deixam de ser meramente panfletários e apoiadores do governo, tornando-se também escritores dos acontecimentos cotidianos.

Os cronistas dessa época surgem para retratar essas mudanças no jornalismo e na sociedade, registrando um Brasil que entrava na modernidade, e um modelo de jornalismo “que tem um estilo, uma certa criatividade muito própria nessa época”, aproximando-se da literatura, vertente da qual Marta tanto gosta.

Jornalista formada na UFSC, apaixonada por Balzac e por jornalismo literário, quase se formou também em literatura, “fazia Jornalismo e letras junto, mas não cheguei a me formar em letras, porque sabia que não queria trabalhar com Letras”, diz Marta. Juntando Balzac e Bilac, além da dificuldade ao falar seus nomes seguidamente, há uma autora. E entre a autora e o jornalismo há uma história de amor.

Ora ( direis ) ouvir estrelas!
 Certo, perdeste o senso!
 E eu vos direi, no entanto 
que, para ouvi-las,
muitas vezes desperto
 e abro as janelas, pálido de espanto 
e conversamos toda a noite, 
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
 cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
inda as procuro pelo céu deserto.
 Direis agora: Tresloucado amigo!
 Que conversas com elas?
 Que sentido tem o que dizem,
 quando estão contigo? 

E eu vos direi:
 Amai para entendê-las!
 Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas”, Olavo Bilac.

O homem das palavras, e das estrelas

Olavo Bilac, o conhecido poeta, capaz de ouvir e entender estrelas, também foi jornalista, atuando no período da chamada Belle Époque brasileira, que ocorreu de 1889 a 1922. Vivenciou um momento de grandes transformações no jornalismo, que, nessa época, abandonava o modelo panfletário para se encontrar nos moldes empresariais.

Nesse contexto, jornalismo e literatura eram muito próximos. O Brasil, nessa época, apresentava taxas muito altas de analfabetismo, poucas pessoas sabiam ler e escrever, e as que sabiam, estavam integradas em todas as formas de programação cultural e, assim, era muito comum que escritores literários também fossem jornalistas.

Os chamados literatos se equilibravam no balanço objetividade jornalística/subjetividade literária, e é justamente essa mistura que favorece a constituição do modelo de crônica que se desenvolve a partir de então, como um texto, que conversa com o leitor, e se aproxima dele num tom de diálogo informal, sendo, sobretudo, um texto auditivo, simples, bem humorado, e nada rebuscado.

Como diz Antônio Cândido: “a crônica se aclimatou no Brasil”, e despontam grandes nomes da literatura e do Jornalismo, puxando a necessidade de informação e a objetividade do jornalismo, e usando a literatura para conseguir congregar essas duas maneiras de contar histórias. Aplicando a ficção para ilustrar e apoiar os fatos, e construindo essa vertente que vem da literatura, mas nasce no jornal.

Olavo Bilac, apesar de ser conhecido principalmente como poeta, não deixa a desejar como cronista. Era um visionário, característica essencial a um bom cronista. Os cronistas têm que ter um olhar especial, enxergar um pouco além do que está disponível aos seus olhos. Talvez seja esse o porquê de Marta Scherer dedicar-se à sua obra. Para mim, Olavo e Marta, cada um em seu tempo, são merakis da vida.


Foto 1: Portal da Ilha
Foto 2: surrupiada da página de Facebook da entrevistada.

Um comentário:

jofmello disse...

Notável, bem construida e competente análise da magnífica trajetória iniciada pela jornalista Marta, justificando não só a feliz escolha de seu tema, mas sobretudo a seriedadeoportuna com a qual aborda seus trabalhos de maneira marcante. Legítima merakis ! Quem acompanhar esta bela pessoa haverá de colher boas surpresas !