Tchê, a gaúcha Viviane Bevilacqua jornalista há 28 anos conversou
comigo e falou sobre sua carreira nesta inefável profissão. Na
entrevista, tive que dividir a mulher em cinco partes: a foca, a
repórter, a professora, a digital e a colunista. Viviane é uma aula
de reportagem gratuita e agradável. Não é aqueles professores que emperram um bom diálogo. Além de falar da sua atividade no
jornalismo, ela mandou recado para os mais novos e sem hesitar
aponta: jornalista não tem que mudar o mundo. Bah, cortou minhas
asas.
Ping: Fale da sua formação, onde cursou a faculdade de
jornalismo, em que cidade? Que tempos eram esses?
Viviane: Fiz Comunicação Social, habilitação em
Jornalismo, de 1980 a 1984, na Unisinos, em São Leopoldo, RS.
Depois, duas especializações, uma teórica, em Ciências da
Comunicação, e uma teórica/prática, em Jornalismo Aplicado, um
curso de um ano de duração e 360 horas/aula que era patrocinado
pelo Grupo RBS anualmente. Um projeto muito legal. Todos os anos eram
selecionados 30 jornalistas, do grupo ou não. Era um processo
classificatório difícil e superconcorrido, mas quem passava ganhava
um ano de estudos com os melhores professores do Brasil e do
exterior, tudo de graça. Eu fiz o curso em 1996, e em janeiro de
1997 fui convidada para me mudar pra Floripa e ingressar no Diário
Catarinense.
Ping: Por que escolheu esse curso? Era uma vontade de mudar o
mundo? Queria uma profissão onde pudesse observá-lo com curiosidade
e descrevê-lo com maestria às pessoas?
Viviane: Nunca tive ambição de mudar o mundo, até porque
quando eu comecei a faculdade, em 1980, vivíamos uma época de
repressão política, recém se começava a falar em abertura, em
imprensa livre, etc... . Eu sempre fui fascinada por histórias, de
todos os tipos. Lia gibis, revistas, livros. Gosto de personagens,
desde bem menininha. Queria contar histórias de gente.
A Repórter
Ping: No Diário Catarinense, você foi repórter por muito tempo.
Com sua experiência, poderia ter entrado para a edição,
entretanto, preferiu permanecer na reportagem. Normalmente as pessoas
têm a pretensão de subir na hierarquia das empresas, por que você
preferiu ser repórter por tanto tempo?
Viviane: Este é um problema sério na nossa profissão. O
repórter geralmente é o primeiro (mais baixo) na escala dos
profissionais da redação. Depois, vira subeditor e editor. E um
entre milhares vira chefe de redação ou similar. Só que não há
nenhuma outra função tão linda e tão importante, na minha
opinião, quanto a do repórter. É o cara que está na rua, que está
vendo tudo, que é testemunha da história. É a mola-mestra de toda
a redação, pois sem ele, nada funciona. Mas é uma pena que esta
hierarquia exista de fato, e tanto repórter bom deixe de ser
repórter para ter um contracheque um pouco mais gordinho no fim do
mês.
Eu segui meu coração, e nunca me arrependi de ter escolhido a
reportagem. Se perdi em termos de salário, ganhei em vivências, em
pessoas que conheci, em histórias que documentei, em viagens que
fiz.... Foi tudo muito bom, apesar dos pesares.
Ping: E as pautas da repórter? Na condição de repórter especial, você costumava trabalhar em reportagens mais agradáveis e até aprofundadas. O repórter especial é um felizardo?
Ping: E as pautas da repórter? Na condição de repórter especial, você costumava trabalhar em reportagens mais agradáveis e até aprofundadas. O repórter especial é um felizardo?
Viviane: O repórter é chamado de “especial” porque ele
tem, em geral, mais tempo para trabalhar suas reportagens. Conforme o
caso, pode ficar uma semana, duas, até mais de um mês em cima de um
mesmo assunto. Ouve mais fontes, pode burilar e enriquecer mais o
texto, tem acesso a mais informações....Um repórter “normal”,
muitas vezes tem que entregar três a quatro pautas por dia, faz
matéria por telefone, redige, já começa outra... um ritmo
frenético, que só quem trabalha numa redação (especialmente de
jorna diário, ou de TV ou rádio, sabe como é).
Ping: Que sentimento o repórter jamais pode deixar morrer para
trazer notícias relevantes aos seus leitores?
Viviane: A curiosidade e o interesse. O repórter tem que sair
pra pauta com vontade de trazer uma boa história. Caso contrário,
pode estar acontecendo um fato extraordinário na sua frente, que ele
não vai saber enxergar.
A Professora
Ping: Há dois anos, você assumiu uma grande responsabilidade
para o futuro do jornalismo, tornando-se professora das séries
iniciais da graduação desse curso. O que você observa nos olhos
dos acadêmicos que ingressam nessa, agora, desvalorizada profissão?
Viviane: Neste período, dei aula para a primeira e para a
oitava fase. É incrível a diferença. Os novatos têm muita vontade
de aprender, de trocar ideias, de saber como funciona uma redação,
como é a vida de um repórter.... Eles ainda têm uma visão
romântica do jornalismo, e acho isso lindo. Na medida do possível,
incentivo a meninada para que não percam o tesão pela profissão.
Não acho que os estou iludindo, pois acredito piamente que sempre há
lugar para bons profissionais, e que salário não é tudo na vida.
Ser feliz fazendo o que gosta também conta muito.
Por outro lado, os alunos da oitava fase me decepcionam um pouco,
porque eles têm, em média, pouco mais de 20 anos e parecem uns
“velhos”, desanimados, achando que não vale a pena seguir na
área, já não têm mais vontade de ir pra aula – ou vão mas
acham que já aprenderam tudo que precisavam (o que é um grande
erro). São raros os alunos, no final do curso, com brilho nos olhos,
confiantes de que terão um belo futuro pela frente.
Ping: O que você procura fazer para torná-los repórteres
qualificados?
Viviane: Acho que o professor pode ser um instrumento, um
facilitador e, quando muito, um espelho. Digo sempre que cada aluno
tem que ser o protagonista da sua própria história. Ele tem que
ler, tem que se informar, tem que querer ser alguém na vida, e
provar sua competência. Estou na sala de aula para ajudá-lo e
instrumentá-lo para que chegue lá, mas vai depender de cada um.
Ping: O que dizer para os jovens que ingressam numa profissão com
a vontade de mudar o mundo e se deparam com uma realidade tão
imutável?
Viviane: Tentar mudar o mundo é muita pretensão para uma
pessoa só, não é não? Que tal se cada um fizer alguma coisa para
mudar (para melhor) o mundo que está ao seu redor?
Um exemplo: dezenas de instituições sérias, que ajudam as pessoas,
precisam de jornalistas voluntários (uma manhã ou tarde por semana.
Isso não é muito) para confeccionar seus jornaizinhos e divulgar
suas atividades, para assim, angariar mais verbas e ajudar mais
pessoas. Quantos jornalistas você conhece que fazem algum tipo de
ação assim? Todos querem mudar o mundo, desde que isso não lhes
traga mais trabalho nem precise sair de sua zona de conforto...
A Digital
Ping: Em tempos de jornalismo 2.0, onde a profissão ainda
procura seu lugar ao sol, e parece estar em crise, como uma repórter
antiga conseguiu manter-se importante numa redação de um grande
jornal?
Aprender a lidar com as novas tecnologias não é fácil para quem
escrevia suas matérias numa máquina Olivetti... Ao computador, lá
nos anos 1990, a adaptação até não foi complicada, mas agora, nos
últimos anos, as inovações são muito rápidas, e confesso que às
vezes me perco neste mundo digital... Mas aí, sempre tem um colega
mais novo disposto a dar uma mão...
Como manter-se importante na redação? Provavelmente entrevistando e
escrevendo direito, cumprindo o meu papel. No resto, dá-se um
jeito...
Ping: Com que olhos você vê a internet? Você utiliza as redes
sociais para divulgar seu trabalho?
Viviane: Uso o Facebook para trocar ideias com leitores e
amigos, mas acho o Twitter chato e o Instagram ainda nem sei como
funciona, embora seja apaixonada por fotografia. E tenho o blog da
vivi também, mas nos últimos tempos só tenho postado lá a coluna
diária que assino no DC.
Ping: De blogueiro para blogueiro? Qual o cuidado que você tem
com seu blog e por que manter essa página na internet, já que você
tem audiência garantida dos leitores do DC?
Viviane: Confesso que não dedico o tempo que deveria ao blog.
Antigamente, era um blog de viagem - viajar é a grande paixão da
minha vida - mas desde que comecei a escrever a coluna, posto os
textos no blog, para que os leitores que não têm acesso ao jornal,
ou possuem a assinatura digital, possam acompanhar o que escrevo.
A Colunista
Ping: Viviane Bevilacqua é a mais nova colunista do Diário
Catarinense. O que o leitor do DC ganha com essa novidade?
Viviane: A proposta é usar esta coluna para falar sobre
relacionamentos humanos, família, discutir temas que o leitor sugere
sobre o cotidiano. É, na verdade, um bate papo, bastante informal,
sobre temas que têm a ver com a vida de todos nós.
Além da coluna diária, escrevo a crônica semanal da Revista Donna,
daí, neste caso, enfocando mais assuntos relacionados à mulher.
Procuro fazer isso de uma maneira bem humorada, embora trate de temas
sérios como traição, vingança...
Ping: Quais os planos pessoais a médio prazo? Pretende aprimorar
a qualidade da Viviane colunista? Presentear-nos com um livro
compilando as melhores crônicas da carreira?
Viviane: Muita gente tem sugerido o livro, com crônicas
publicadas na Revista Donna nos últimos seis anos, mas esta ideia
ainda não está madura na minha cabeça. Vamos ver.
Ping: Como você pretende manter-se relevante para os seus
leitores? O colunismo é uma função muito diferente da reportagem.
Nela, o jornalista não precisa frequentar a rua, nem mesmo o calor
da redação. Como a repórter de mais de duas décadas pretende
conduzir essa nova demanda?
Viviane: Quero fazer uma mistura das duas coisas. No meu caso,
preciso estar na rua sim, porque é lá que estão as histórias que
quero contar. É a mãe que está esperando, ansiosa, o filhinho que
foi para o primeiro dia de aula na sua vida, o casalzinho punk que
começou a namorar, o velhinho que passa os dias na praça jogando
dominó... A minha coluna é feita, basicamente, de histórias de
vida. Como também eram as minhas reportagens. Enfim, mudou o
formato. Mas a essência continua. Eu gosto de gente.
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