domingo, 13 de janeiro de 2013

Tesoura afiada

Pelo menos uma vez ao mês me dou ao trabalho de cortar o cabelo na mesma barbearia, no centro da cidade. Cristiano é um daqueles jovens barbeiros antenados com o que acontece no Brasil e no mundo, e sua capacidade de discutir os assuntos impressiona-me toda vez que apareço por lá. Não raro, fico intimidado, tamanha artilharia de argumentos e assuntos que Cristiano é capaz de disparar.

Sento-me então na grande cadeira em frente ao espelho, e, antes de reparar na minha aparência, já noto que o título do livro na prateleira mudou; o barbeiro tem o hábito de ler bastante.

Desta vez Uma Breve História do Cristianismo, do australiano Geoffrey Blainey, descansava ao lado do secador e da tesoura. Finjo não notar o livro e aguardo para puxar o tema religião um pouco mais tarde. Como sempre, espero que ele jogue os dardos da conversa. Sabendo que sou estudante de jornalismo e trabalho numa rádio, seus neurônios se alegram para iniciar mais uma discussão.

Com sorriso no rosto ele me fala sobre o novo contrato de 500 milhões de reais que Raimundo Colombo assinou com o BID - Banco Inter Americano de Desenvolvimento - para financiar obras de infra-estrutura nas rodovias Catarinenses. Diz que esse valor se soma às antigas dívidas do Estado, o que resulta em mais um péssimo negócio do governador, sempre trabalhando com as contas no vermelho. “Tudo que é Pacto não é boa coisa, e esse Pacto por Santa Catarina não pode prestar” – concluiu Cristiano.

Engulo seco. Ouvi falar do assunto na rádio CBN no caminho da minha casa para o trabalho. Porém, mal conheço as dívidas do Estado. Preferi mudar o contexto da conversa, de economia nada entendo. Percorrer a trilha de um caminho que me sinto mais à vontade é mais seguro numa discussão com ele. Era hora de tirar o coelho da cartola. Cristianismo e história da religião são meus assuntos preferidos.

Eu acabara de ler alguns dos evangelhos apócrifos e tinha, na ponta da língua, várias controvérsias sobre os evangelhos que supostamente o Concílio de Nicéia, no século IV, sob os auspícios do Imperador Constantino, determinou que seriam “ocultos” e não fariam parte do Novo Testamento.

Perguntei então sobre o Best Seller que jazia a nossa frente: “O que está achando da Breve História, Cristiano?”. Não sei se utilizei o “breve” de forma irônica, para me vingar quando ele me deixou boiando noutras discussões, mas, caso sim, fora inconsciente. A resposta dele não poderia ser mais surpreendente: “Meus pais são testemunhas de Jeová, a Bíblia é como um livro de cabeceira em minha casa. Estou lendo a Breve História apenas por curiosidade, para conhecer a opinião de mais um acadêmico, como é o caso de Geoffrey Blainey”.

Mais uma vez me surpreendeu sua clareza. Conversamos durante todas as tesouradas, navalhadas e empurra-cabeça que durou o corte de cabelo. Fomos do “No princípio era o verbo”, do Genesis, ao “Deus vomitará os mornos” do Apocalipse. Este, um alerta aos preguiçosos: “Assim, porque és morno, e não és quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca”.

Ao acabar e retirar o avental que me cobria, despedi-me do barbeiro e percebi que ainda não perguntei a ele sobre qual ou se já frequentou a faculdade. Fiquei com a impressão que Cristiano perde seu tempo dentro daquela barbearia.

Da próxima vez, já sei que devo me preparar para outras discussões e estar com os argumentos afiados. E os universitários que não têm o hábito de ler e se informar, devem evitar cortar o cabelo na barbearia da qual trabalha Cristiano.


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