domingo, 4 de novembro de 2012

Takenaka tá com nada

Um dos melhores alunos da escola, Takenaka usava um óculos fundo de garrafa, tinha um estilo rechonchudo e sempre sentava na carteira da primeira fileira, aquela de cara com o professor. Estudante exemplar, suas notas eram as melhoras do colégio. Física, química e matemática eram diversão para o japa.

Num dos simulados de vestibular da USP, prova aplicada apenas para os alunos do colegial, Takenaka alcançou pontuação entre os 20 primeiros para cursar engenharia. O cara era gênio. Jeito bonachão, educado; alvo preferido das bolinhas de papel que jogavam nas cabeças quando o professor virava para o quadro negro ao dar explicações.

Sua conduta era elogiada pelos diretores e nunca houvera uma reclamação sobre seu comportamento. Sem dúvida os demais alunos tinham em quem se espelhar - pensavam os professores. A vida de Takenaka, no entanto, apesar de tantas qualidades, escondia algumas sujeiras por debaixo do tapete. E coube a mim testemunhar a sujeira revelada.

Numa noite após chutar algumas canelas no futebol, estava reunido com alguns amigos perto da quadra de esportes, quando Takenaka apareceu. Surgira do nada. Caminhou em nossa direção, despretensioso. Achei estranho, nunca o vira fora da escola; meus amigos mal sabiam da sua existência. Eu imaginava que ele passava os dias resolvendo cálculos matemáticos, decorando a tabela periódica, mergulhado nas pilhas de livros.

Nesta noite, Takenaka estava com o olhar perdido e profundo. A pupila dilatada e desconexa. Difícil descrever a angustia que transmitia sua face. Quando bem perto de nós, dirigiu a palavra sem qualquer tipo de cerimônia: - Oi, vocês querem fumar crack? Por um instante não compreendemos. Nossas cabeças giravam sobre os pescoços, encarando uns aos outros, à procura de uma resposta. - Você tá de brincadeira, palhaço? Respondeu um dos meus colegas. – Cai fora já daqui. - Não, pessoal, só vim perguntar, de boa. Replicou o grande CDF. O Fitamos com tanto desprezo que ele se sentiu pressionado. Virou as costas e caminhou alguns metros até um carro onde esperavam por ele dois de seus amigos.

Quando seu carro passou por nós, Takenaka estava sentado no banco de trás. Vagava o olhar para o infinito, com um leve sorriso no rosto. Não entendemos o que se passou: se ele era viciado, traficante, ou se procurava alguma forma de aceitação. Talvez começou a usar drogas para se “enturmar” e romper toda a pressão que vivera na sua vida de estudante isolado.

Naquela época, há 12 anos, o crack era uma epidemia em estado inicial de destruição. Ficamos chocados com a revelação. Nos dias de hoje, acostumados com o bombardeamento de informações e anestesiados diariamente pelas más notícias, o problema se tornou de fácil absorção pela sociedade. Não há mais espanto. Vemos pessoas que eram saudáveis, inteligentes e cheias de vida, entregues ao cotidiano e rotina das drogas pesadas.

Assustou-me o caso do advogado do ex-goleiro Bruno, Érico Quaresma, que declarou que depois da bomba atômica de Hiroshima, o crack era a substância mais avassaladora já criada. Isso, logo após ter sido flagrado em vídeo fumando a droga entre traficantes e viciados, perto de uma favela de Belo Horizonte, no auge do escândalo do assassinato de Eliza Samudio. Não sei sobre o fim de Takenaka. Se persistiu no crack, é provável que a vida da grande promessa escolar tenha escorrido ralo abaixo. E eu, apesar de nunca estar entre os melhores alunos, agradeço aos meus colegas que sempre me influenciaram a sentar no fundão da sala de aula.

Ricardo Toledo

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