Aprendizes de tatuagem sofrem para ingressarem no mercado
Fazer uma tatuagem no braço não é uma fácil decisão para ninguém, correto? Mas e se o profissional fosse iniciante? Será que você confiaria?
As dificuldades de quem está começando na profissão é um fato verdadeiro, sem exceção. Os tatuadores aprendizes são os novatos no mundo da arte na pele e caem de cabeça, ou melhor dizendo: de agulha, neste universo.
Ana Carolina Bogo é uma iniciante de 20 anos, mais conhecida como “Nina”. Diferente de muitos aprendizes, Nina acredita que somente ao lado de um profissional competente é que poderá agregar todo o valor e conhecimento necessário no mundo da tatuagem. Questão comprovada por conseguir um “professor” na área da tattoo mais rápido do que a maioria que entra no mercado. Isto se deve ao fato dos tatuadores mais experientes preferirem não fornecer oportunidades aos novatos. E tudo dificulta ainda mais quando não se tem confiança em si mesmo, coisa que Nina tem de sobra.
O começo de uma profissão
Em uma das rodadas de campo, achei Jean Carlos Back, que há 5 anos trabalha como profissional da tatuagem. Veio para Florianópolis à procura de melhores condições de trabalho, foi então que montou sua loja na Rua Jerônimo Coelho. Para Jean, o principal em um iniciante é saber desenhar e não ter pena do cliente.
Jean acredita que o mercado é extremamente fechado para os aprendizes. O emprego só é fornecido quando o talento é muito desenvolvido ou uma grande confiança.
Já para outros profissionais da área, caso do tatuador conhecido como Anjo, o contato pode ser perigoso se não houver um acordo entre eles. Há dez anos, um aprendiz foi contratado informalmente pelo artista e o processou depois de dois anos e meio de serviços prestados.
“É muito fácil adotar um iniciante, um aprendiz aqui. Em dois ou três dias depois, ele pode me denunciar no ministério do trabalho.”
A única forma de resolver a situação seria dar ao estagiário todos os direitos como funcionário, mas Anjo afirma que não compensa. Ele e a esposa, Regiane Fernandes, pagam todas as despesas e impostos do local, além do tatuador garantir todos os direitos da esposa, inclusive com décimo terceiro. Para o casal trabalhar informalmente não vale a pena e manter um aprendiz como funcionário não é vantagem.
“Eu me decepcionei tanto com esse aprendiz que diminuí o meu estúdio, porque não tinha pessoal suficiente. Hoje, tenho uma sala pequena, onde trabalha eu e minha esposa. Eu sei que a única forma de crescer a loja é contratando mais pessoas, mas não dá para confiar.”
O mercado fechado na área da tatuagem ajuda na opinião do casal. Segundo eles existe muita falta de profissionalismo dos companheiros, o que acaba dificultando ainda mais quem entra no mercado.
“A falta de ética, de profissionalismo, a falta de gratidão é muito grande. Você ensina uma pessoa sem cobrar nada, até porque eu não sou um professor, apenas sei fazer, e daqui a pouco ela monta um estúdio na sua frente para tirar seus clientes.”
Regiane ainda levanta outro percalço: os iniciantes muitas vezes acreditam demais em seu potencial e arriscam em desenhos maiores. O que ainda vira um risco para os mais experientes, já que o estúdio onde trabalham fica mal visto se o aprendiz não faz um bom serviço.
“Tem que ter humildade de fazer desenhos pequenos. Tem que pensar que dali à três anos eu estarei melhor e poderei arrumar o desenho.”
A dificuldade das leis trabalhistas
Advogado Alexandre Botelho afirma que o Projeto de Lei está parado. |
Perguntado sobre o que poderia ser feito para que o projeto de lei fosse aceito, Alexandre foi conciso:
“Há o art. 5º, XIII, da Constituição Federal que assegura o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei exigir. Portanto, na ausência de lei a exigir qualificação, é dado a qualquer um exercer atividades não regulamentadas (como é o caso do tatuador). Legalmente, portanto, é visto como autônomo.”
Anjo e sua esposa acreditam que apenas com o tempo é possível adquirir uma maior segurança. Nina, no começou com um grande desenho, logo em sua primeira tatuagem. Apesar de não se arrepender, a aprendiz confessa que agiu depressa.
“Eu comprei os equipamentos pela internet, e a gente resolveu fazer. Foi tudo muito rápido.”
A questão Portfólio
“O importante no início é a linha ficar reta, com preenchimento bom. É a parte mais difícil, ainda mais em uma pessoa que está sentindo dor, respirando, com uma máquina pesada e que vibra. A maioria por achar que desenha muito acredita que qualquer trabalho pode ser feito.” Afirma Regiane
Para o aprendiz mostrar o talento não basta apenas saber desenhar. Anjo afirma que têm muitos que na hora de tatuar algo básico, não consegue passar do papel para a pele. O portfólio passa a ser o coringa para quem tenta uma vaga neste mercado.
Nina comprou no mercado público de Florianópolis um grande pedaço de pele suíça para treinar pigmentos. |
“É. Eu comprei porque chegava perto do que poderia ser uma pele. Meus amigos não acreditaram que tinha sido mesmo um porco, e sim, uma pessoa.” Risos
Excluindo Nina, que usou da criatividade para treinar, a maioria dos aprendizes não utilizam desta ferramenta, a não ser no próprio corpo. Mas, será que isto não parece um pouco errado?
A princípio a ideia parece absurda, mas indo a fundo o resultado é o mesmo. É preciso, sim, treinar nas pessoas, afinal é onde a tatuagem ficará para sempre. O que se pode fazer para melhorar a questão é não aceitar locais sujos e sem equipamento devidamente preparado.
O jovem tatuador é alvo de dezenas de dificuldades quando entra no mercado de trabalho, como todas as pessoas. Mas, além das preocupações normais, ainda tem que lidar com a não formalização da sua profissão e os artistas desconfiados. Conseguir uma vaga como auxiliar é garantir de talento à vista. É o que parece com a aprendiz Ana Carolina, que terá um grande chão pela frente.
Rafaela Bernardino
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