sábado, 17 de novembro de 2012

Sob a mira da agulha

Aprendizes de tatuagem sofrem para ingressarem no mercado

Fazer uma tatuagem no braço não é uma fácil decisão para ninguém, correto? Mas e se o profissional fosse iniciante? Será que você confiaria?

As dificuldades de quem está começando na profissão é um fato verdadeiro, sem exceção. Os tatuadores aprendizes são os novatos no mundo da arte na pele e caem de cabeça, ou melhor dizendo: de agulha, neste universo.

Ana Carolina Bogo é uma iniciante de 20 anos, mais conhecida como “Nina”. Diferente de muitos aprendizes, Nina acredita que somente ao lado de um profissional competente é que poderá agregar todo o valor e conhecimento necessário no mundo da tatuagem. Questão comprovada por conseguir um “professor” na área da tattoo mais rápido do que a maioria que entra no mercado. Isto se deve ao fato dos tatuadores mais experientes preferirem não fornecer oportunidades aos novatos. E tudo dificulta ainda mais quando não se tem confiança em si mesmo, coisa que Nina tem de sobra.

O começo de uma profissão 

Em uma das rodadas de campo, achei Jean Carlos Back, que há 5 anos trabalha como profissional da tatuagem. Veio para Florianópolis à procura de melhores condições de trabalho, foi então que montou sua loja na Rua Jerônimo Coelho. Para Jean, o principal em um iniciante é saber desenhar e não ter pena do cliente.
Jean Carlos deu a oportunidade para um aprendiz pela primeira vez.
Jean acredita que o mercado é extremamente fechado para os aprendizes. O emprego só é fornecido quando o talento é muito desenvolvido ou uma grande confiança.

“A Nina é minha primeira aprendiz. Eu nunca tinha aberto essa oportunidade para as outras pessoas porque achava que não valia a pena. Mas estou gostando da nova experiência.” Afirma Jean.

Já para outros profissionais da área, caso do tatuador conhecido como Anjo, o contato pode ser perigoso se não houver um acordo entre eles. Há dez anos, um aprendiz foi contratado informalmente pelo artista e o processou depois de dois anos e meio de serviços prestados.

“É muito fácil adotar um iniciante, um aprendiz aqui. Em dois ou três dias depois, ele pode me denunciar no ministério do trabalho.”

A única forma de resolver a situação seria dar ao estagiário todos os direitos como funcionário, mas Anjo afirma que não compensa. Ele e a esposa, Regiane Fernandes, pagam todas as despesas e impostos do local, além do tatuador garantir todos os direitos da esposa, inclusive com décimo terceiro. Para o casal trabalhar informalmente não vale a pena e manter um aprendiz como funcionário não é vantagem.

“Eu me decepcionei tanto com esse aprendiz que diminuí o meu estúdio, porque não tinha pessoal suficiente. Hoje, tenho uma sala pequena, onde trabalha eu e minha esposa. Eu sei que a única forma de crescer a loja é contratando mais pessoas, mas não dá para confiar.”

O mercado fechado na área da tatuagem ajuda na opinião do casal. Segundo eles existe muita falta de profissionalismo dos companheiros, o que acaba dificultando ainda mais quem entra no mercado.

“A falta de ética, de profissionalismo, a falta de gratidão é muito grande. Você ensina uma pessoa sem cobrar nada, até porque eu não sou um professor, apenas sei fazer, e daqui a pouco ela monta um estúdio na sua frente para tirar seus clientes.”

Regiane ainda levanta outro percalço: os iniciantes muitas vezes acreditam demais em seu potencial e arriscam em desenhos maiores. O que ainda vira um risco para os mais experientes, já que o estúdio onde trabalham fica mal visto se o aprendiz não faz um bom serviço.

“Tem que ter humildade de fazer desenhos pequenos. Tem que pensar que dali à três anos eu estarei melhor e poderei arrumar o desenho.”

A dificuldade das leis trabalhistas

Advogado Alexandre Botelho afirma
que o Projeto de Lei está parado.
A questão é complicada e envolve o Ministério do Trabalho. O Professor Alexandre Botelho, da Universidade do Sul de Santa Catarina, afirma que o projeto de Lei 2104/2007, de João Paulo Cunha PT/SP está anexado no projeto de Lei 1444/07, do Deputado Jorge Tadeu Mudalen e ao 4298/12, do Deputado Roberto de Lucena, tendo recebido dois pareceres pela sua rejeição, pois devem ser deixadas às portarias da Vigilância Sanitária.

Perguntado sobre o que poderia ser feito para que o projeto de lei fosse aceito, Alexandre foi conciso:

“Há o art. 5º, XIII, da Constituição Federal que assegura o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei exigir. Portanto, na ausência de lei a exigir qualificação, é dado a qualquer um exercer atividades não regulamentadas (como é o caso do tatuador). Legalmente, portanto, é visto como autônomo.”

Anjo e sua esposa acreditam que apenas com o tempo é possível adquirir uma maior segurança. Nina, no começou com um grande desenho, logo em sua primeira tatuagem. Apesar de não se arrepender, a aprendiz confessa que agiu depressa.

“Eu comprei os equipamentos pela internet, e a gente resolveu fazer. Foi tudo muito rápido.”

A questão Portfólio
O importante no início é a linha ficar reta, com preenchimento bom. É a parte mais difícil, ainda mais em uma pessoa que está sentindo dor, respirando, com uma máquina pesada e que vibra. A maioria por achar que desenha muito acredita que qualquer trabalho pode ser feito. Afirma Regiane
Para o aprendiz mostrar o talento não basta apenas saber desenhar. Anjo afirma que têm muitos que na hora de tatuar algo básico, não consegue passar do papel para a pele. O portfólio passa a ser o coringa para quem tenta uma vaga neste mercado.
Nina comprou no mercado público de Florianópolis um grande pedaço de pele suíça para treinar pigmentos.
Para quem acredita que há solução, existem as peles artificiais, vendidas pela internet, mas não suprem as necessidades de quem tatua. Para provisoriamente resolver a necessidade, Ana Carolina comprou uma pele de porco para poder treinar pigmentos coloridos, e segundo ela, a experiência deu certo.

“É. Eu comprei porque chegava perto do que poderia ser uma pele. Meus amigos não acreditaram que tinha sido mesmo um porco, e sim, uma pessoa.” Risos

Excluindo Nina, que usou da criatividade para treinar, a maioria dos aprendizes não utilizam desta ferramenta, a não ser no próprio corpo. Mas, será que isto não parece um pouco errado?

A princípio a ideia parece absurda, mas indo a fundo o resultado é o mesmo. É preciso, sim, treinar nas pessoas, afinal é onde a tatuagem ficará para sempre. O que se pode fazer para melhorar a questão é não aceitar locais sujos e sem equipamento devidamente preparado.

O jovem tatuador é alvo de dezenas de dificuldades quando entra no mercado de trabalho, como todas as pessoas. Mas, além das preocupações normais, ainda tem que lidar com a não formalização da sua profissão e os artistas desconfiados. Conseguir uma vaga como auxiliar é garantir de talento à vista. É o que parece com a aprendiz Ana Carolina, que terá um grande chão pela frente.

Rafaela Bernardino

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