sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A história de dois músicos nas ruas de Florianópolis

A paz de Yamandu 

Uma bela manhã no meio de uma agitada semana, quinta-feira para ser mais preciso. As pessoas caminham com pressa, indo trabalhar ou cumprir seus afazeres. Nem todos parecem ter essa agitação na praça, há pessoas sentadas no banco se distraindo com seus jornais, vendedores ambulantes esperando por sua clientela, ciganas sentadas esperando para ler a mão de alguém por um trocado, turistas tirando foto da grande figueira. Pessoas de todos os tipos habitam a Praça XV, que chama a atenção por seus vários caminhos, pela diversidade cultural (as pessoas caminhando por lá possuem milhares de estilos e modos de se vestir, há desde pessoas de terno carregando maletas até jovens com camisas largas e bonés de lado) e pelas grandes árvores que existem por lá, dentre elas, como já mencionei, destaca-se a centenária figueira com seus longos galhos que cobrem boa parte da praça, sustentados por hastes metálicas. 

Seguindo meu caminho pela Praça XV, ouço um som bastante peculiar, um solo de violão. Depois ouço uma voz. Vejo um músico de cabelos curtos e grisalhos, camisa cinza clara, calças jeans e sapatos marrons escuros, sentado numa caixa de som que parece ter sido bastante utilizada, cantando com bastante empolgação, balançando a cabeça enquanto as palavras, em espanhol, saem de sua boca em frente ao microfone. Na frente dele, há vários CD’s enfileirados no chão. 

Seu nome estava estampado na capa do CD, Yamandu Paz. Um músico uruguaio, de Rivera, cidade pequena que faz fronteira com Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. 

Ele, que toca violão desde os 15 anos de idade, diz que seus estilos favoritos são o tango e música de folclore, apesar de também gostar dos clássicos. Além do violão, ele diz que toca gaita, sanfona e acordeom, mas o carro-chefe é o seu bom e velho violão, sempre afinado. 

Veio viver em Florianópolis pela primeira vez, tocando violão nas praças, há 4 anos, mas sempre indo e voltando. Esse ano, segundo ele, quer permanecer morando em Florianópolis. Yamandu se diz adaptado ao lugar, pois é uma cidade pequena, aconchegante e receptiva, morando de aluguel. 

Além de Florianópolis, Yamandu me disse que já esteve em diversos outros lugares, sempre tocando nas ruas. Já esteve na Argentina, Bolívia e conhece quase o Brasil todo, desde Curitiba até o nordeste. Já morou em Porto Alegre em 90. 

Anteriormente, teve diversos outros trabalhos. Fazia próteses dentárias, teve borracharia, lava-jato, trabalhou em empresas. Hoje, diz que só quer viver de música. Vive de forma humilde, mas com o que ganha, só com a música, já consegue pegar o aluguel, botar comida na mesa e viver bem, honestamente.

Todos os dias está na Praça, por volta das 9:00 até às 16:00. Yamandu diz que a rotina cansa, mas ele não tem escolha, e diz novamente que agora só quer viver de música. 

Toca nas ruas sempre com um fundo recortado de garrafa de refrigerante cheio de trocados que as pessoas deixam. Pessoas muito receptivas, que param e dão valor ao seu trabalho, segundo Yamandu. Além disso, ele vende seus Cd’s e outros álbuns de outros artistas. Cada um custa quinze reais e sempre tem gente para comprá-los. 

Um músico estrangeiro, completamente adaptado à cidade e sempre muito atencioso, talentoso e apaixonado pela música. Esse é Yamandu Paz. 

Numa segunda visita, vejo Yamandu ajeitando suas coisas para começar a trabalhar. Eram cerca de 9:30h e ela estava plugando o cabo de sua caixa de som numa outra caixa de metal num poste na praça. “Alta voltagem” estava escrito em letras bem grandes. Ele fala que não possui um site oficial, mas gentilmente me passou o seu número de celular caso eu queira entrar em contato. 

Ele diz que ninguém diferente apareceu nem nada muito inusitado aconteceu com ele nesses anos todos, ninguém que chamasse a atenção dele parou e o abordou de uma forma mais incomum. Ele diz que seus dias são normais, ele apenas se senta e faz o seu trabalho normalmente, sem grandes surpresas, mas menciono um vídeo no Youtube em que ele toca, em pé, nas ruas de Curitiba, cantando a música “Romaria” (conhecida pelo refrão “sou caipira Pirapora Nossa Senhora de Aparecida”). Ele abre um sorriso e fala que uma mulher havia entrado no clima e filmado, lembra que foi há cerca de três semanas e estava tudo muito enjambrado, sem microfone ou caixas de som. 

Lembra que outro vídeo foi gravado com ele em frente à figueira, mas que não sabe se já foi colocado na internet. Ao ser perguntado se ele faz shows em outros lugares, Yamandu sempre diz: “o meu palco é na praça, aqui é o meu lugar”. Sempre reiterando que agora ele quer viver apenas de música e está tendo êxito com isso. 

Yamandu é um dos poucos remanescentes que continuam nas ruas de Florianópolis e se manteve com a sua rotina estável, até o momento. É otimista e pretende continuar exercendo seu trabalho normalmente enquanto ele está por aqui. Afinal, ele é o único músico que está tocando na Praça XV todo dia e toda tarde, e como ele quer viver apenas de música, é uma esperança que teremos o surgimento de mais demonstrações artísticas, por trabalho e por prazer. 

Vocação é algo que é preciso muita prática e empenho para aprimorar. Yamandu Paz toca desde os 15 anos e manteve esse apreço pela música desde então. Muitos desistiram, mas ele é um dos vários artistas que continuaram a se empenhar em aprimorar seus dotes musicais diariamente. Pode não ter tido a fama e o dinheiro que muitos artistas almejam quando entram para esse mundo, mas ele possui o prestígio de pessoas que reconhecem sua dedicação e a boa música, tendo a perseverança e o talento que muitos não possuem, além do mais importante: a paixão pelo que faz. 

Yamandu, aparentemente, está bem satisfeito em ter chegado aonde ele chegou. Os discos vendem, as pessoas contribuem, ele toca diversas músicas de seu repertório (desde músicas uruguaias até brasileiras). Então ele é um batalhador, assim como a maioria das pessoas, que se dedicou em chegar onde ele está hoje. Enquanto muitos ainda procuram sua própria paz, música é a paz de Yamandu.

Charles e seu sonho orquestral 

Andando pela Trajano no horário de almoço (às 12:45) vejo uma movimentação intensa no local. Jovens se alimentando em estabelecimentos próximos, como a Massa Viva e o Bob’s, pessoas andando com pressa para retornar aos seus trabalhos, idosos aproveitando para caminhar um pouco, comerciantes ambulantes carregando seus produtos, ou seja, a quantidade de cidadãos andando naquele lugar era enorme.

Longe da agitação, entro na Losango Promotora de Vendas Ltda. Haviam pessoas que entravam procurando atendimento, mas nada muito exagerado. Uns minutos depois, aparece um rapaz simpático de óculos de grau e sorriso fácil, ele estava com o uniforme da Losango, indicando que trabalha lá. Era Charles Espíndola, de 18 anos, manézinho da ilha, cujo cartão diz que toca violino em festas, eventos, casamentos, aniversários, confraternizações e homenagens. Ele é conhecido por, até duas semanas atrás, tocar violino pelas ruas de Florianópolis. 

Charles me conta que toca violino há quase 5 anos, desde os 13. Não conhecia quase nada de música até receber um convite da supervisora da Escola Estadual Urbana Jurema Cavalazzi (onde Charles estudava no período diurno) aos alunos para aprender a tocar instrumentos como viola, violino ou violoncelo num projeto da Fundação Franklin Cascaes. Como apenas escutava MPB que a mãe gosta de ouvir e não tinha muito o que fazer depois da aula, Charles pensou em aprender a viola (para posteriormente aprender violão), mas se surpreendeu em ver que a viola não era do tipo “caipira”, e sim uma espécie de violino com cordas mas graves. Apesar disso, decidiu continuar com as aulas. Haviam mais alunos que instrumentos musicais, o que impossibilitava os empréstimos para os estudantes ensaiarem em suas casas, tinham que dividir entre eles.

Porém, com o passar do tempo, ocorreram várias desistências e Charles ficou bastante feliz ao poder pegar a viola emprestada para ensaiar, já que, agora, havia um instrumento para cada aluno. 

Como ele não tinha mais nada pra fazer depois das aulas (não tinha videogame, computador, jogos), ele fazia as tarefas e deveres de casa para ensaiar. Ficava por volta das 14h até as 18h só treinando, dizia que sua irmã mais nova se incomodava com o som, quando ela queria assistir televisão. 

Já que ele se tornou um aluno de viola/violino bastante avançado, Charles comprou seu próprio instrumento e viu que, no Chile, em Viña Del Mar, Valparaíso, havia um encontro de jovens músicos. Seu professor perguntou se ele queria mesmo viajar, ao receber a resposta afirmativa, ele disse que Charles iria viajar, agora era só arrumar o dinheiro. Como era caro (por volta de 2000 reais), Charles decidiu tentar a sorte e tocar nas ruas. Ficava inicialmente na Jerônimo Coelho, próximo da Panvel, e no mercado público. Tocava músicas clássicas, românticas e tango, principalmente. Inclusive, o que diferencia Charles é o violino, sua marca registrada. É um instrumento mais exótico e “refinado”, raro de ver as pessoas tocarem nas ruas.

No inicio, dizia ficar acanhado, pois seus amigos poderiam dizer que ele estava esmolando ou algo parecido, mas depois, quase todos da região o conheciam e a timidez deu lugar para o empenho. Chegou a aparecer na televisão, numa matéria de esportes, já que sabia tocar o hino do Avaí. Charles já presenciou cenas inusitadas nas ruas, quando como recebeu, por duas vezes, notas de cinqüenta reais de um mesmo sujeito, ou quando, ao tocar um tango, viu uma mulher, possivelmente estrangeira, chorar em sua frente. 

Com o reconhecimento, Charles foi tocar também no Maria’s Gourmet, restaurante da Jerônimo Coelho que o acolheu, através de uma pessoa chamada Carla, que o convidou para fazer a sua música lá no horário de almoço em troca de um pagamento extra e almoços gratuitos. Seu cronograma acabou ficando o seguinte: estudava de manhã até o meio-dia, tocava nas ruas por volta das 14h até as 16h30minh ou 17h e ia ensaiar na orquestra profissional das 19h até as 21h. Ou seja, das 14h até as 21h sua dedicação era totalmente voltada para a música. Seu maestro e professor é André Vieira, bastante requisitado em Florianópolis. 

Porém, nas últimas semanas, Charles abandonou a idéia de tocar nas ruas quando cobraram dele um alvará para continuar. Ele “escapa” de vez em quando para o Maria’s Gourmet, para dizer que “ainda está vivo”, mas como já conseguiu bastante renda nas ruas, ele parou. Agora, trabalha na Losango atendendo clientes (inclusive nos sábados), toca em diversos eventos (alguns arrumados pelo próprio tutor, André Vieira. Nos que André não consegue ir, ele manda alunos mais experientes, como Charles). Além de tudo, Charles dá aulas (já foi requisitado para isso quando tocava nas ruas) para alunos fixos. Ele conta que seus pupilos são bastante empolgados, uns já compraram seus próprios instrumentos (ele tinha dois violinos, um ele emprestava para os alunos, mas ele precisou vender esse segundo instrumento para acumular renda). Dá aulas em uma creche na Vila Aparecida e no Pântano do Sul, que considera um lugar bem longe, com longas horas de ônibus para chegar até lá. Ele sempre recomenda que seus alunos compareçam também no Instituto Franklin Cascaes, onde ele começou, para que tenham aulas gratuitas. Inclusive Charles dá aulas lá também. 

Charles não possuí um site oficial, mas já lançou músicas no Youtube com auxílio do programa Audacity. Tocou uma música Gospel e “Yesterday” dos Beatles. Diz que possuí uma mente bem criativa, mas faltam mais teorias e conhecimentos melódicos para compor suas próprias canções. Porém, não deixa de afirmar que adora improvisar. 

Sempre fala que quer viajar, arrumar mais contatos e expandir seus horizontes. Quer se aprimorar numa segunda língua, já que sabe o básico do inglês. Têm planos de viajar para aprender sobre música e culturas diferentes. Possui muitos sonhos, como ele mesmo diz: “só ter a experiência de fazer um teste para entrar na orquestra de Viena, já seria uma honra enorme”. Adquirir conhecimentos novos pelo mundo e fazer o que gosta são sonhos que Charles pretende realizar com todo o seu empenho e devoção à música.

Yamandu Paz e Charles Espíndola podem ter diferenças gritantes e histórias de vida bem diferentes, mas ambos possuem a mesma paixão: a música que corre nas veias de ambos.

Felipe Kowalski

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