sábado, 10 de novembro de 2012

O andarilho da Rua Felipe Schmidt

Seu Arlindo Freitas, mais conhecido como “Sol”, produz instrumentos em bambu entre idas e vindas a Florianópolis

Todos os dias, nas ruas da antiga Desterro - agora a pomposa Florianópolis -, vivem diversos artistas de rua. Sem nomes, sem identidade ou lugar para aonde ir, estes personagens do cotidiano da cidade enfeitam nossas vistas. Sim, enfeitam mesmo. Na praça XV de Novembro o sussurrar da flauta de bambu diverge do batuque dos índios e mais ainda dos uruguaios, que permeiam a longa Felipe Schimidt.

Um chapéu preto, várias ideias na cabeça e um talento com as mãos. Arlindo Freitas, mais conhecido como Sol, conquista fãs por onde passa. Com seus impublicáveis anos de idade, Sol produz instrumentos musicais em bambu e também os toca. Filho de pais modestos e uma família com mais de cinco irmãos, o músico leva consigo apenas suas fabricações e o que ganha delas.
A figura atípica de seu Arlindo chama a atenção do público.
Um dos favoritos é o sonfonete, que traz sons ideofônicos (vibrações no interior do corpo do próprio instrumento). O saxofone de bambu é o mais conhecido pelos fãs e o mais querido. Para concretizar a ideia, seu Arlindo usou uma cuia de chimarrão e bambus esterilizados contra insetos.

O começo de um talento

A preferência por música apareceu desde criança, quando montava e desmontava violas. Sua mãe – preferiu não dizer o nome -, não aceitava a ideia e o batia todas as vezes que via mexer no instrumento. Revoltado com o tratamento, saíra de casa com 12 anos de idade e poucas perspectivas. Trilhou o caminho autodidata e durante as décadas de 70 e 80, dedicou-se a arte de construir instrumentos musicais em bambu. A família raramente possui notícias dele, mas quando perguntado sobre o estilo de vida, “Sol” é enfático: “Sempre estou no sufoco, mas a vida é assim. Se a gente não tiver sufoco, não tiver que batalhar para viver, não tem graça.”

Para seu Arlindo o manuseio do produto é fácil. O artista, que se intitula quase como um nômade, têm o próprio local de trabalho. Mesmo não revelando onde fica em exato, afirma que faz os produtos por encomenda. O tempo de entrega faria de acordo com o pedido do cliente, mas a qualidade é garantia: “Nunca estudei, sou autodidata. Se você me der um instrumento na mão, em 15 minutos eu domino ele.”

A fama de “Sol” ultrapassa fronteiras. Há 8 anos chegou na capital e costuma ficar na Rua Felipe Schmidt, no centro da cidade. A ideia de fazer materiais musicais em bambu veio quando estava em Pelotas, no Rio Grande do Sul. O resultado foi tão positivo que vários fãs divulgam seu trabalho em mídias sociais, como no Youtube.

Em Florianópolis, o número de artistas - não só os que tocam instrumentos, mas que procuram mercado para a arte -, aumentou nos últimos 10 anos. Dados do IBGE confirmam: no Brasil há cerca de 8,5 milhões de artesãos.
Já estive em diversos países da América Central e do Sul. Estou sempre conhecendo os lugares e fazendo novas amizades. Aqui em Florianópolis fico na casa de amigos e durante o dia trabalho nas ruas.
O lado dos artistas de rua

Daniel Gonçalvez, 27 anos, veio de São Paulo para Santa Catarina à procura de novas oportunidades de emprego e viu na pintura uma forma de mercado. Apesar do bom negócio, o artista afirma que a ideia é pouco valorizada.

“Em outros lugares, em países de primeiro mundo, a arte é valorizada como produto de mercado, como um investimento. Aqui no Brasil não tem muito essa característica.” Afirma Daniel.
Daniel começou a desenhar ainda criança. Hoje é conhecido como um especialista em pintura.
Daniel Gonçalvez trabalha em parceria com Marcos Pereira, mais conhecido como Mark. Os dois amigos se conheceram em São Paulo, quando o mineiro Marcos decidiu aprender pintura. Daniel foi seu professor e desde lá a parceria continuou. Os dois hoje vivem da arte, nas ruas do centro de Florianópolis. Recentemente, Mark conseguiu fechar negócio com o novo restaurante da Rua Álvaro de Carvalho. Agora os clientes podem pagar no cartão de débito e crédito, sendo o valor repassado para o artista.

Perambulando pelas ruas é fácil achar outros chapéus pretos – não como o de seu Arlindo, com 2.000 anos -, chapéus humildes e estrangeiros. Todos ao aguardo de um agrado para sustentar suas estadias e diárias em albergues.
Artistas estrangeiros fazem música para ganhar o pão de cada dia.
Para seu Arlindo o artista de rua deve ser considerado e respeitado. Apesar de trabalhar informalmente na rua, “Sol” possui contato e email para encomendas. Perguntado quantos anos possuía, no encerrar da conversa, junto de sua tutuca (apelido dado para um dos instrumentos feitos em bambu) o homem foi direto: “Dois mil anos, sou como o sol. Não tenho chão, sou do mundo. Eu busco respostas. O futuro não me dá respostas. E se não tem futuro, não existe. Hoje é o futuro, eu faço o agora.”

Crédito das fotos: Rafaela Bernardino
Rafaela Bernardino

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