domingo, 11 de novembro de 2012

Conversa de bar

Fazia frio no bar de seu Menegal e os relógios davam 14 horas. Carlos Afânio, queixo enfiado no peito no esforço de proteger-se do vento cruel, entrou depressa pela porta exclamando a felicidade por estar de volta à ilha que tanto saudava: - Cá estou novamente, meus camaradas. Fez-se silêncio investigativo na mesa ocupada pelos antigos amigos, os olhares se fixaram na direção de Afânio que, abaixando seus braços erguidos de contentamento, desconfiou se sua presença não era mais bem-vinda no ambiente.

A lividez de Afânio, porém, deu lugar a um largo e corado sorriso, entre risos e palavras de carinho quebrou-se o silêncio. Todos ao mesmo tempo manifestaram a satisfação de rever o antigo amigo e líder da turma. Uma cadeira já estava à sua espera quando terminou de cumprimentar um a um dos colegas.

Afânio havia muito partido para uma região árida e desconhecida. Terra dos engravatados e poderosos de colarinho branco, a capital Brasília não despertava muito interesse dos confrades de bar. A rotina tomara conta dos fregueses da espelunca e as calorosas discussões não iam além dos resultados das competições de futebol. Entretanto, Afânio passara os últimos 4 anos no altivo distrito federal e a curiosidade inquietou a roda formada em volta da mesa.

Foi Dudu Esperança, sambista de risadas prolongadas, feliz como a estigma do povo brasileiro, o primeiro a perguntar: - Nos conte como foi na capital, Afânio, muito trabalho na terra da oportunidade? Sentindo um visível desconforto, Afânio virou de uma só vez um copo de cachaça, levantou os olhos cabisbaixos e respondeu titubeando: - Trabalhar, trabalhei, é, trabalhei, mas deixa pra lá, vamos falar de outra coisa cumpadres.

-Mas você não trabalhou com seu cunhado, o deputado Venceslau Figueira? Perguntou Miro Letardo, que pouco falava mas as vezes surpreendia. – Eu vi ele na TV, me parece que era alguma coisa sobre desvio de dinheiro, propina, sei lá, essas coisas aí de corrupto. Completou Letardo.

Afânio serviu outro copo de cachaça para disfarçar o nervosismo, enquanto os olhares dos colegas brilhavam de curiosidade. Levou o trago à boca e engoliu com dificuldade, o líquido fluiu queimando sua garganta. Tudo que queria evitar era o assunto Figueira: - Venceslau é um homem muito afável - Retomou o discurso. - É também de muito respeito, gosta de ser chamado de vossa excelência, de doutor, é apreciador de vinhos caros. Uma pessoa tão especial que gosta de presentear os parentes. Fazer o bem mesmo, sabem. Então, o emprego que me arrumou pagava um alto salário e eu fazia tudo em casa, só aparecia no gabinete pra bater o cartão, mas tudo muito certo, correto. Concluiu Afânio.

Seu Menegal, dono do bar e de um grosso bigode preto, enxugava alguns copos de cerveja, se intrometeu na conversa: - Mas tu ficavas em casa resolvendo tudo sozinho? - De maneira nenhuma. Replicou Afânio. - Minha mulher me ajudou, ela também é funcionária comissionada de Venceslau. Ele mesmo aparecia todo dia pra ver como andava o destino das finanças.

- Finanças? Todos da mesa se perguntaram ao mesmo tempo. Afânio, percebendo a emboscada que havia se colocado, tratou logo de se levantar. – Desculpem, camaradas, mas tenho que ir. Girou sobre os pés e tomou o caminho da porta. – E agora, o que vai fazer da vida? Ouviu a pergunta ao abrir a porta. – Consegui transferência, vou trabalhar na Assembleia Legislativa daqui, mas por enquanto me mandaram esperar, estou com um probleminha médico. Saiu sem dizer até logo.

Dudu da Esperança olhou atônito para os colegas, sua face refletia uma indignação desconhecida por ele mesmo. Sua boca estremecia e seu coração lhe apertava o peito. Sem conseguir se controlar, surpreso pela súbita partida de Afânio, perguntou aos amigos: - Será que ele vai ao jogo amanhã?

Ricardo Toledo

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