segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Morrendo às gargalhadas

Imaginei outra maneira de começar, mas esqueci qual era. Vou concatenar as ideias restantes e tentarei servi-lhe ao pé dos olhos as palavras que traduzem meus fúnebres espasmos de consciência. Preciso, antes, esculpir nesse finalmente do parágrafo a tal da minha origem. A primeira vez que estive em contato com a morte foi quando o sujeito que biologicamente eu deveria chamar de pai decidiu eliminar essa possibilidade.

Não fosse essa circunstância eu e a morte não seríamos íntimos. Vi uns tantos famosos morrendo em notícias de jornal ao longo dos meus 38 anos, mas foi só. Os parentes próximos estão vivos. A família Malta esbanja saúde. Os meus antepassados não tiveram doenças que hereditariamente pudessem me deixar como herança. Não há histórico de atropelamento, assassinato, nem o menor risco de um assalto perturbou nossa família.

Eu nunca matei ninguém, embora insetos não entrem nessa estatística nula. Beirando os quarenta anos, sinto-me suicida. Na síntese da tragédia, vejo pouca diferença entre mim e outros facínoras. É uma estranha dor na consciência por lembrar que a morte sorrirá para mim e para eles. Provavelmente tombarei depois de um infarto. O fim deles não cabe a mim prever, sei lá.

Diferença pouca a da nossa raça humana. Desembarcamos na vida berrando descontentes e prevendo as dores futuras. É como se prevíssemos que as lágrimas serão mais dolorosas do que a leveza dos sorrisos. Nosso primeiro ato da vida é o mais sábio. Depois, o decorrer dos dias ensina que a esperança é a última que morre. Passamos a acreditar que é possível alcançar a felicidade e que não se pode desistir de andar.

Nessa certeza, dirigimos-nos ao mais alto estágio da ignorância e, repentinamente, a natureza cumpre seu milenar papel de nos mostrar o caminho da morte como a via alternativa de alento. Nascemos chorosos de arrependimento e dissimuladamente outros moribundos seres nos contam histórias otimistas. Os roteiros dos espetáculos mudam, mas a cortina vermelha se fecha e não adianta receber aplausos, o fim é soberano para todos.

Perdi-me nesses pensamentos dia desses e preferi escondê-los dos amigos. Então a carta. No remetente escrevi meu nome, Lupicínio Malta, e destinei minhas fúnebres certezas à moça do capuz preto que traz a foice nas mãos. No derradeiro dia do nosso encontro farei questão de perguntar se a carta chegou para ela. Quero gargalhar se a resposta for positiva, porque já chorei aos berros quando a vida começava.

Lupicínio Malta

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