segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Querelas dos meus bem-ti-vis


Ouvi um bem-te-vi solitário auto afirmar-se com seu canto prepotente, gritando à rua, sua soberania esquecida. Ouvi de longe, um bem-te-vi invisível, bradando mágoas da vida. 

Por muitas vezes, ouvi bem-te-vis, sem notar sua essência intangível, fiz-me de surdo, a seus cantos e soluços retorcidos. Vi bem-te-vis chorarem, em minha sacada, em pleno dia, mas nunca os ofereci consolo - maldita maldade infinda!

Outro dia, um bem-te-vi veio a minha janela, desabafar dores escondidas, gritando em lamento, como se estivesse eternamente no encalço da pessoa perdida. Em sua língua de pios, parecia-me bradar em busca de respostas, como aquele que grita a esmo, o nome dos desaparecidos. 

Em seus lamentos em notas, gritam os tais bem-te-vis, diferente do alegre pardal, que canta suas baladas sem sentir. Vistoso cromo de plumas, carregado de agonia - um belo bem-te-vi - fazendo de sua existência, a lastima de viver sem dó, somente em si. 

Conspícua ave solitária, procurando a atenção, gemendo ao mundo, o apelo que o vento carrega em vão. De seu ganido espaçado, a melancolia desistente em sua voz, que se outro responde, rende-se a um triste desespero algoz. Torna-se a aflição do inalcançável, o dueto de bem-te-vis, que nidificam dores, sem aproximarem-se, sem ao menos querer ouvir. Seguem lamuriando com o outro, como quem conversa com quem não se vê, perdidos, procurando fragmentos de seus peitos sem porquês. 

Triste máscara negra, deste poeta ribeiro, confinado na aflição de seu cantar, tampando-lhe a face para aquilo que é tão fácil de alcançar. Um pássaro que chora procurando o que está em si, mas me digam: afinal, quem nunca fez papel de bem-te-vi?

Ilustração: Gessony Pawlick Jr.
Gessony Pawlick Jr.

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