quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Hitchcock, o rei do suspense

Na última segunda feira, Alfred Hitchcock completaria 113 anos se estivesse vivo. Isso me dá uma boa “desculpa” para falar novamente de cinema e de um dos maiores mestres da sétima arte.

Alfred Joseph Hitchcock nasceu em 13 de Agosto de 1899 em Londres, numa família de classe média-baixa. Sua infância foi sob uma rígida educação numa escola religiosa. Com 14 anos, Hitchcock perdeu o pai e teve que abandonar a escola para trabalhar. Por mais que tenha tido dificuldades, ele mais tarde usufruiria disso na sua carreira: "Se você tiver sido educado com os jesuítas como eu fui, esses elementos seriam importantes. Eu me sentia aterrorizado pela polícia, pelos jesuítas, pela punição, por um monte de coisas. Estas são as raízes do meu trabalho."

Em 1919, foi contratado como desenhista de créditos pelos Estúdios Players-Lasky, da Paramount Pictures. Logo, aprendeu a criar roteiros e, em 1922, tornou-se cenógrafo e assistente de direção. Nesse mesmo ano, Hitchcock foi indicado para terminar o filme "Always Tell Your Wife". Sua criatividade surpreendeu os dirigentes dos Estúdios, que decidiram promovê-lo a diretor. Assim começava a sua carreira de grande sucesso.

Hitchcock estreou com o filme "O Jardim do Prazer" de 1925. Mas em 1927, surgiu seu primeiro filme mais bem sucedido na época chamado "O Locatário", que era baseado nos assassinatos de Jack, o estripador. Hitchcock também começou a desenvolver algo que seria conhecido como a sua assinatura, as aparições. Ele aparecia uma cena qualquer como figurante, fazendo com que vários fãs ficassem procurando ele, como se fosse uma espécie de “Onde está Wally?” dos cinemas.

Hitchcock começou a ganhar mais notoriedade e chamou a atenção de Hollywood. Em 1939 ele se mudou para os Estados Unidos para trabalhar. Seu primeiro filme em Hollywood foi um grande sucesso. "Rebecca, a Mulher Inesquecível", de 1940, recebeu 11 indicações ao Oscar (inclusive o de Melhor Diretor). Acabou vencendo nas categorias de Melhor Filme e de Melhor Fotografia em preto-e-branco. Nessa época, Hitchcock fez alguns filmes de gêneros diversificados, como a comédia “Sr. e Sra. Smith, um casal do barulho” de 1941 e o noir “A sombra de uma dúvida”. Mas não foi à toa que Hitchcock acabou se tornando o “rei do suspense”, a maioria de seus filmes, principalmente os mais bem sucedidos, foram considerados verdadeiras obras-primas do gênero. 

Quando Fala o Coração de 1945, com Ingrid Bergman e Gregory Peck, recebeu nomeação para o Oscar de melhor filme, melhor diretor, entre outras. Hitchcock fez algumas cenas influenciadas pelo trabalho do surrealista Salvador Dalí. Hitchcock produziu esse filme além de dirigir, mas não recebeu o crédito por isso.

Depois, a genialidade de Hitchcock começou a ser mais bem explorada quando ele se tornou produtor oficial dos seus filmes. Ele abordou mais o seu talento com as tramas de suspense mais mirabolantes e que prendem o espectador. 

Festim Diabólico de 1948 é um ótimo exemplo disso. O primeiro filme em cores de Hitchcock é baseado numa peça de teatro de Patrick Hamilton e no caso real dos assassinos Leopold e Loeb. O filme conta uma história para botar muitos filmes considerados “sinistros” no chinelo. Dois estudantes matam um colega e escondem o corpo num baú, que eles utilizam como mesa numa celebração repleta de convidados. Nessa obra, não há cortes de câmeras, técnica conhecida como plano-sequência. Dos 80 minutos do filme, o jantar tem apenas 20, mas que parecem uma eternidade. Praticamente o filme todo se passa no mesmo ambiente. Esse filme também marcou a estreia do ator James Stewart nos filmes do mestre do suspense, ele que participou de muitos outros e virou um verdadeiro xodó de Hitchcock. O roteirista Arthur Laurents conta que a história dá a entender que existe uma relação homossexual entre os dois assassinos.

O primeiro filme de Hitchcock pela Warner Brothers foi Pacto Sinistro de 1951, que teve a participação de Patricia Hitchcock, filha do homem, num dos papeis secundários. Esse filme é sobre dois homens que se conhecem num trem. Guy Haines, um tenista famoso com problemas conjugais que quer se divorciar para se casar com outra mulher e um “stalker” psicopata chamado Bruno Antony que sabia de toda a história de Haines. Bruno faz uma proposta para Haines: ele mataria a sua esposa infiel e ele mataria o pai dele em troca. Embora Haines não tenha aceitado, Bruno realiza a sua parte e insiste em cobrar o pacto. Esse filme inspirou a comédia Jogue a mamãe do trem, com Danny DeVito e Billy Crystal. O famoso crítico de cinema Roger Ebert classificou na época Pacto Sinistro como o melhor filme de todos os tempos.

Disque M para Matar de 1954 é outro clássico muito aclamado pela crítica. Foi o terceiro filme em cores e o primeiro estrelado pela musa Grace Kelly. O filme é sobre um Um ex-tenista profissional que utiliza da chantagem para que um amigo mate a esposa para que ele possa ficar com a herança, mas o plano não sai como o esperado. A temática central do filme é o crime perfeito.

No mesmo ano, Hitchcock gravou Janela Indiscreta com as suas estrelas Grace Kelly e James Stewart. O filme é um dos maiores clássicos do cinema e um sucesso muito aclamado e influente. A história é de um fotógrafo que tem que ficar em casa por conta de uma perna quebrada. Ele acaba espionando pela janela o prédio vizinho, utilizando uma lente tele-objetiva. Observando as pessoas e seus comportamentos, ele acaba suspeitando de um dos vizinhos ter cometido um assassinato. Recebeu quatro indicações ao Oscar, inclusive de melhor direção. Injustamente não ganhou nenhum prêmio, pois é uma das tramas mais geniais e excitantes do cinema, explorando o voyeurismo e a incapacidade de reação do protagonista. No ano seguinte, foram gravados “Ladrão de Casaca” e a refilmagem de “O homem que sabia demais”.

Em 1957, ele gravou “O Homem errado”, sobre um caso de confusão de identidade. Aliás, falsas acusações são temas recorrentes de Hitchcock, desde “39 degraus” de 1935 até “Pacto Sinistro”.

Hitchcock estava no auge da fama, do reconhecimento e da criatividade nessa época. Em 1958, ele gravou um de seus melhores filmes: Um Corpo que Cai (Vertigo). A trama é tão bem trabalhada e complexa, que esse filme na época não recebeu boas críticas, mas posteriormente, os críticos cederam. O filme foi eleito entre os cem melhores filmes de todos os tempos pelo Instituto Americano do Cinema em 1998. Em 2012,substituiu Cidadão Kane, de Orson Welles, no topo da seleção dos melhores filmes de todos os tempos da revista do Instituto de Cinema Britânico. A cada dez anos, a revista Sight and Sound realiza uma pesquisa entre mais de 800 críticos, diretores, acadêmicos e outros especialistas em cinema. Entre os participantes estão grandes nomes como Martin Scorsese, Quentin Tarantino, Francis Ford Coppola e Woody Allen. O filme Cidadão Kane aparece agora na 2ª posição. Ele esteve no topo da lista durante os últimos 50 anos, mas, em 2012, foi ultrapassado pelo longa de Hitchcock por 34 votos. Por mais que Cidadão Kane seja um clássico e um ótimo filme, pessoalmente, concordo que um corpo que cai realmente merece estar em primeiro lugar. O filme é um dos mais pessoais e viscerais do diretor, o protagonista é uma espécie de alter-ego de Hitchcock que tem atração intensa por loiras geladas. O longa conta a história de um detetive aposentado (James Stewart) que tem acrofobia (medo de altura) graças a um trauma. Ele recebe um pedido de um homem para que ele investigue a sua esposa, Madeleine (Kim Novak), que vem tendo comportamentos estranhos. O filme tinha características marcantes e bem simbólicas. A iluminação é alterada quando algo importante vai acontecer e a utilização de um efeito que provoca uma sensação de vertigem, muito original na época. O efeito Vertigo se propõe a destorcer o cenário, aproximando o que está em primeiro plano e aumentando o que está em segundo plano. Essas distorções são utilizadas com maestria e propriedade, especialmente nos momentos em que o protagonista sofre com a Acrofobia que o persegue durante o filme, em especial na cena da escadaria, que quando ele olha pra baixo, vê as coisas de forma distorcida e trêmula. Dizem as más línguas que o perfeccionista Hitchcock rompeu relações com James Stewart após o fracasso de bilheteria desse filme, que anos depois passou a ser reconhecido como uma obra-prima.

Intriga Internacional de 1959 conta a história de um homem inocente perseguido por uma organização criminosa misteriosa. É um filme considerado mais de “ação/aventura” por conta da maior movimentação. Temáticas como identidade trocada e assassinato na ONU chamam a atenção. Destaque para as cenas da luta no Monte Rushmore e a clássica do avião perseguindo o homem numa plantação. Foi uma grande inspiração para filmes do agente secreto James Bond. A cena do avião, inclusive, foi inspiração para uma cena (utilizando-se um helicóptero dessa vez) de "Moscou Contra 007". Intriga Internacional foi gravada pela MGM. Há uma foto histórica dessa época, de Hitchcock dirigindo o leão da abertura da MGM. Não se sabe até hoje se foi ele realmente que gravou o leão do logo ou se era uma encenação, mas a foto é uma das grandes recordações de um cineasta espetacular.

Em 1960, Hitchcock filmou o clássico dos clássicos do suspense: Psicose. Certamente é uma de suas obras mais famosas e que influenciou várias outras filmagens de terror/suspense. O filme foi baseado num livro de Robert Bloch, mas Hitchcock comprou os direitos do livro e todas as cópias distribuídas para que ninguém soubesse do final antes da hora. Além de “proibir” as pessoas de contarem o final, Hitchcock ludibriava a imprensa com factoides e proibia o público de entrar na sala de cinema depois que o filme começava, tudo para garantir a total preservação e absorção do conteúdo. Psicose custou 800 mil dólares e faturou mais de 50 milhões em bilheterias. Esse filme causou grande alvoroço ao ser lançado, com o público lotando os cinemas, tudo pela curiosidade de saber a história que fora guardada a sete chaves pelo seu diretor. A plateia ficava pasma e aterrorizada com algumas cenas, mais chocantes para a época. O filme foi escolhido como o 11º melhor filme de todos os tempos e o melhor do gênero horror pela revista Entertainment Weekly. O filme foi eleito o 18º melhor de todos os tempos pelo AFI (Instituto Americano de Cinema).

O filme teve como protagonistas Janet Leigh (vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante), Anthony Perkins e Vera Miles. A trama fala de Marion Crane, uma mulher que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha e foge sem deixar vestígios. Na fuga, ela acaba indo passar a noite no decadente Motel Bates, na beira da estrada. Ela é recepcionada por Norman Bates (brilhantemente interpretado por Anthony Perkins), um misterioso rapaz que cuida da mãe no aposento próximo ao motel. O longa retrata com primor um dos mais marcantes assassinos psicopatas da ficção, com todos os seus delírios.

Marion é assassinada enquanto tomava banho, numa das cenas mais memoráveis da história do cinema. A música aterrorizante, o grito, a facada e o sangue escorrendo pelo ralo, tudo feito na medida certa. A cena foi tão chocante e inovadora para a época, que muita gente jura ter visto o sangue vermelho (sendo que o filme era em preto-e-branco).

Em 1998 o diretor Gus Van Sant refilmou psicose, com Vince Vaughn, Anne Heche e Julianne Moore, mas como chegar aos pés do seu mentor é praticamente impossível, foi um fracasso.

Em 1963, Hitchcock filma uma de suas obras mais diferentes, inovadoras, sinistras e estranhas: Os Pássaros. Melanie Daniels (interpretada por Tippi Hedren, uma atriz que Hitchcock descobriu. A futura mãe da atriz Melanie Griffith ganhou o Globo de Ouro pela sua atuação) viaja de São Francisco para uma cidadezinha chamada Bodega Bay para ir atrás de um homem, chamado Mitch Brenner (Rod Taylor). Porém, nessa pequena cidade, os pássaros começam a atacar as pessoas em bando e violentamente, sem ninguém entender como isso acontece. 

Nos anos seguintes, o diretor grava Mernie, confissões de uma ladra (1964) e Cortina Rasgada (1966). Um outro grande clássico foi Topázio (1969), que fala de assuntos que interessavam Hitchcock: espionagem e Guerra Fria. O thriller político era baseado num livro homônimo de Leon Uris. 

Em 1972 ele gravou seu penúltimo filme: Frenesi. Esse é outro thriller que aborda a acusação de um homem inocente por assassinatos. Um serial killer, conhecido como o assassino da gravata, estupra mulheres e depois as estrangula com uma gravata. Após matar a ex-mulher de um amigo, o assassino sai e quem entra em cena é o ex-marido da vítima, que queria falar com ela. Sem resposta, ele acaba saindo, mas a secretária da mulher acaba vendo ele, e depois a mulher morta. Agora, ele que estava no lugar errado e na hora errada, tanta fugir da polícia e provar sua inocência. Esse filme é considerado um dos mais pesados e violentos de Hitchcock, por ter cenas de estrangulamento, nudez (estupros) e palavras de baixo calão. Seu último filme foi Trama Macabra, de 1976.

Em 1980, Hitchcock faleceu aos 80 anos de insuficiência renal em sua casa em Los Angeles, pouco depois de ser nomeado Sir pela Rainha Elizabeth II. 

Um documentário sobre Hitchcock foi feito em 2009, chamado Um toque de mestre: a assinatura de Hitchcock, abordando as técnicas utilizadas, músicas e temas. Além de entrevistas com várias personalidades.

Atualmente, está sendo produzido um filme que contará os bastidores de Psicose. Anthony Hopkins fará o papel de Hitchcock (que ficou idêntico ao mestre do suspense), Scarlett Johansson fará Janet Leigh (a eterna Marion Crane), James D’arcy interpretará Anthony Perkins (Norman Bates) e Jessica Biel será Vera Miles (que fez o papel da irmã de Marion Crane, no Psicose).

Hitchcock é e sempre será, sem a menor sombra de dúvidas, um dos melhores cineastas de todos os tempos. Sua perspicácia e criatividade fazem muita falta no cinema. Seus filmes perfeccionistas são sempre ótimas pedidas para assistir por repetidas vezes. Hitchcock, além das técnicas de cinema, utilizava-se muito de roteiros bem elaborados e histórias que prendem a atenção do espectador até o fim, esperando pelo inesperado. Hoje, eu vejo o cinema muito pobre nessa questão. Os suspenses possuem mais sangue e violência do que uma história em si. Os outros filmes, em sua grande maioria, possuem um enredo meia-boca e de “fácil digestão” para o público, cobertos por uma pilha de efeitos especiais e luzes. Por isso que os grandes cineastas fazem tanta falta, o investimento numa história bem contada infelizmente está perdendo cada vez mais espaço nas telonas. A importância de Sir Alfred Hitchcock nos cinemas, com todas as suas características, assinaturas (como o suspense e as suas aparições como figurante), as excentricidades, os homens comuns em situações limite, as loiras chamativas, as tramas que estão sempre um passo adiante do espectador, o senso de humor, o seu perfil de “bonachão” e, principalmente, o seu amor pela sétima arte, sempre devem ser lembrados e ressaltados pelos seus inúmeros e apaixonados fãs. Injustamente, ele jamais recebeu um Oscar de melhor diretor. Foi um desafio maravilhoso escrever sobre alguém que eu admiro tanto, e espero que os meus leitores conheçam e se interessem um pouco mais sobre o seu trabalho tão magnífico.

A única forma de me livrar de meus medos é fazer filmes sobre eles. 
(Alfred Hitchcock)

Felipe Kowalski

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