segunda-feira, 16 de julho de 2012

Saudável esquizo

Personagens de guerra

Mais um final de noite e sinto um cheiro de limão rançoso que me rodeia. Não sei bem se esse exalante azedo vem das frutas quase pretas, rodeadas de moscas, que adormecem em minha fruteira, ou daqueles tantos limões despedaçados, mutilados, espremidos ao último suco, a fim de combinarem-se com a cachaça que já não desce mais pela minha garganta seca. 

Vejo, no campo de batalha da bancada de minha cozinha, entre facas, louças lascadas e rasgos de hortelã e outra especiarias, orbiculares verdes desfalecidos, despedaçados limões, afligidos, molestados, oprimidos, ou seja, simplesmente espremidos, na lama branca de açúcar e de álcool derramados, que conquista o balcão da pia.

Encostado, entre mais alguns tragos contemplativos, nos divagares de uma mente pouco embriagada e altamente vazia, penso, além da limpeza prometida para o dia seguinte, nas sobras da noite. Não nos risos, lembranças e poesias, mas as sobras físicas, doses, restos, pertences esquecidos e vidros de garrafas vazias. Penso também, naquele último limão da geladeira, postergada sua utilidade mais de uma vez, matutando quando pelas minhas mãos, de faca em punho, romperei, em busca de fluídos, sua ressequida e verde tez.

Lembro estar só, entre aquela montoeira de lixo, na preguiça da madrugada, em mais uma ida sem vinda, no ócio dos poucos minutos antes do amanhecer, contemplando os afazeres que deixarei para outra vez. Sinto forte o cheiro rançoso que invade minha narinas, entre pairares de uma mente que boia em pileque.

Talvez esteja simplesmente fantasiando odores psicossomáticos, vendo no cheiro cítrico das frutas a essência ascosa dos esquecidos; transformando aquele escondido e imaginário limão do fundo da fruteira em um personagem parvamente dramático. Um inexpressivo e roliço herói, um Sancho Pança da tigela de frutas, coadjuvante, mas sempre presente, transformado em salvador nos melhores e piores churrascos de família; enquanto vão-se embora os verdadeiros personagens de guerra, todos os bêbados que sobreviveram a mais uma noite de boemia, no ir e vir de garrafas que tornam-se vazias. 

Vão eles embora, levando seus espólios e conquistas, de almas cheias, consumidos ao último suco, como os limões da minha cozinha.

Gessony Pawlick Jr.

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