Naquele dia ele acordou muito mais cedo que de costume. Levantou-se com a cara amassada, os olhos vermelhos e sem as meias que perdera no meio da noite para o cobertor. Foi até a cozinha, abriu a geladeira e só encontrou um queijo mofado e dois ovos velhos.
O sol das 8h ainda estava frio quando desceu só com o moletom meio rasgado e o tênis velho. Foi em direção ao bar da esquina para por algo dentro do estômago. As pessoas na rua não desviavam o olhar, que sempre estava para o horizonte. Só viravam as cabeças quando alguém andava próximo demais. Isso era um sinal de alerta, alguma coisa poderia acontecer em breve se não apressassem o passo.
O bar ficava aberto 24 horas, era o mais sujo e mal frequentado da região, mas o único que ainda aceitava seus calotes. O barulho infernal dos carros se misturava com o da lâmpada quebrada que apagava e acendia a cada segundo. Nos bancos próximos ao balcão os dois bêbados de sempre conversavam algo que era impossível de entender. Na mesa do fundo, um homem de meia-idade com japona preta tomava um café enquanto lia sem muito interesse o jornal do dia.
Ele sentou ao lado dos bêbados e pediu dois pães com mortadela e um copo de cachaça. Olhava com curiosidade para o homem no fundo do bar. Mais uma vez naquele mês, pendurou na conta o que consumiu. Ainda não havia recebido, e mesmo que tivesse, não teria acertado a conta.
Voltou para o apartamento rapidamente. Estava atrasado e não podia deixar sua visita esperando. Atravessou a rua e foi em direção a feirinha de frutas, onde roubou uma laranja. Apressou o passo para chegar o quanto antes.
Ao abrir a porta o rangido da madeira assustou os ratos que começaram a sair dos buracos da parede. Sua visita estava sentada confortavelmente no sofá da sala.
- Como você conseguiu entrar?
Ela, com um sorriso sarcástico, tirou do cabelo um grampo grande e mostrou a ele.
- Pois bem, diga logo. Não tenho todo o tempo do mundo.
O salto da bota fazia um barulho irritante no piso e os estralos dos dedos o incomodava. Ela caminhava de um lado para outro e nada dizia. Vestia um sobretudo vermelho que combinava muito bem com os seus cabelos loiros e os olhos azuis ameaçadores. Tirou o pacote pardo da bolsa e jogou-o em cima da mesa.
- Queremos o serviço pronto logo.
- Durante o dia fica difícil. Além do mais, já fui até lá hoje de manhã. Ele irá me reconhecer.
- Dentro do pacote tem tudo o que você precisa. Volto para pegar o rubi às 13h em ponto. Nem tente me enrolar. Você tem o rabo tão preso quanto o meu e eu não demoraria muito para te encontrar.
- Não quero te enrolar, meu bem. Se eu cair, você cai junto.
Ela deu de ombros, virou-se e saiu elegantemente. Ele se jogou na cama e abriu com muito cuidado o pacote.
Lá, encontrou cinco mil euros, o velho disfarce conhecido e as fotos do alvo com um detalhado dossiê.
Comeu a laranja roubada, pegou a arma de dentro do colchão, escondeu o dinheiro no banheiro, pôs o disfarce e saiu.
Continua...
Thaís Teixeira
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