quinta-feira, 17 de maio de 2012


         Com a lucidez de mercado que nos é indispensável, fechamos gratuitamente, um pacote de novos escritores para o Estopim. O acordo estabelecido nos corredores do Hospital Unisul foi com gente careca de tanto administrar; gente homem e gente mulher; gente loura, que por sinal ri alto; gente grisalha, por causa das Ciências Políticas; cidadão que vai emagrecer um bocado por dizer sim à vida de professor; sujeito que não sabe se o Brasil vai bem ou mau politicamente e, por isso, é calvo; gente nova, moço que também se encontra careca de tanto falar de cinema; enfim, gente que vai ganhar e gente que já tem cabelos brancos, alguns, como mostrado, que não têm mais nada, mas sobretudo gente que usa trança para disfarçar a calvície. Não perca! Eles permanecerão em nossas páginas pelo exíguo espaço de uma semaninha. Esperamos que com eles esteja uma criança insana chamada criatividade, já que em nossos bolsos ela não se encontra.
A Patota

O Expresso Sinápticus - "Exórdio"
Daniel Signorelli



Os trilhos já estavam bem deteriorados pela ferrugem. Diversos dormentes já não existiam, mas suas lembranças permaneciam como velhos e podres tocos. O lugar por onde cruzavam as linhas férreas era desértico e possuía uma melancolia peculiar, suas cores eram de um surrealismo profundo, ponto máximo de beleza da criação, porque o sol permanecia sempre no mesmo lugar. Uma grande abóbada carmesim cumpria sua plenitude. E o tempo não existia mais ali. Hoje não haveria corvos, pelo menos era o que um andarilho informara a Idmus, que esperava impaciente pelo Expresso Sinápticus. Estava de pé e trazia consigo apenas um maço de cigarros, uma revista pornográfica e poucos goles de uma bebida fermentada num odre bastante surrado. Seu aspecto exprimia jovialidade primitiva, mas estava cansado, pois sua jornada nunca chegaria ao fim. Era época de viajar e reencontrar seus amigos.

O Sinápticus jamais se atrasara em seus compromissos, e Idmus podia ouvir os primeiros acordes de sua sinfonia chamada “Exórdio”. A locomotiva dava seus primeiros sinais de um rallentando preciso, e seu maestro, mais uma vez, estava satisfeito. Mais uma parada, aceno para o recomeço.

Idmus não precisava de bilhete, nunca precisou, e conhecia quase todos os vagões. Entrou pela porta lateral do vagão número 3. Havia um pequeno corredor e uma porta no final e dois outros caminhos para esquerda e direita, formando a letra T. Já podia ouvir os murmúrios dos seus velhos companheiros. Idmus abriu a porta para a cabina e entrou. – Olá, Mandracas! No recinto estavam Eregopus e Egos. Todos tinham seus respectivos acentos. Eregopus era o mais velho, ou pelo menos aparentava ser. Vestia uma toga preta com um símbolo zodiacal estampado no peito – uma balança ou algo parecido. Possuía um pesado livro encapado com couro de um dragão ancião e nunca o largara. Dizia ser seu diário, mas havia muito mais do que simples notas de viagens, assim acreditava Egos. Este estava sentado do lado da janela. Dos três, era o único que possuía outros amigos e uma vasta coleção de ofícios: artístico, ansioso, criativo, carismático, amigo, companheiro, romântico... Após os cumprimentos de honra, Idmus vai até sua confortável poltrona, já desgastada, com as marcas em baixo relevo de sua delgada bunda. Ninguém poderia entrar no vagão número 3, este era destinado apenas para eles.

O Sinápticus possuía muitos visitantes, e todos tinham suas respectivas cabines, e a cada jornada sua espinha dorsal ficava cada vez maior. O comboio prosseguia para o desconhecido, e agora, os três estavam juntos, uma trindade secular.

Deste ponto da história em diante o pano de fundo será preenchido com a trilha Blue Sky, do grupo The Allman Brothers Band. É uma mistura de blues com country, mas se não conhecerem a música, escolham qualquer uma para essa aventura, a palheta de possibilidades é infinita, e todos os três são bem ecléticos.

A cabine era pequena e diferente das convencionais. Tinha as paredes forradas com um papel mostarda e pouca mobília, apenas três poltronas e uma mesinha redonda de centro. Egos, como de costume, abre a reunião, era um excelente moderador, e muitas vezes, imaginava o que seria de seus amigos, sem ele, em ocasiões adversas. Estava calmo e feliz por reencontrá-los.

Eregopus, como em todas as outras reuniões, abre seu tomo e lentamente retira o marcador de página, que há muito, permanecia encaixado no vinco do livro, separando a folha trigésima da trigésima primeira. Egos, enquanto observava a paisagem desértica, iniciou:

- Então, há exatos 365 dias solares, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos que nos encontramos pela última vez. Hoje completaremos nosso trigésimo primeiro encontro. E para abrir essa sessão, gostaria de citar Nelson Rodrigues, um dos top 10 da lista de Egos: - “As grandes convivências estão a um milímetro do tédio”.

- O que você quer dizer com isso Egos? – Idmus era, dos três, o que menos lia. Sua atenção era voltada para outros prazeres como festas, churrasco, mulheres e bebida.

- Significa, meu caro amigo, que a cada encontro encurtamos as distâncias e aumentamos a nossa apatia.

- Humm! Ainda bem que temos essa reunião uma vez por ano de acordo com o calendário do plano terrestre, hahaha. Mas prossiga, porque hoje o meu humor, incrivelmente, está ótimo.

Egos gostava de abrir os encontros com alguma frase ou citação, que muitas vezes, só fazia sentido a ele. Eregopus, na maioria das vezes quieto, anotava cada palavra dita pelos seus amigos. Não gostava muito desse papel, mas como ninguém o faria, decidiu que seria ele, além de advogado e juiz, o escrivão de toda a falação.

O clima no vagão número 3 transcorreu tranquilamente até a metade da viagem. O Expresso SinápTicus agora passa por uma região estranha para aqueles que, recentemente entraram para a espinha dorsal da locomotiva. Era conhecida como “Mipotse”, e lá, a paisagem exprimia o nascimento dos horrores humanos.

Continua...

Daniel Signorelli

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