quarta-feira, 16 de novembro de 2011


         Todos os membros da Patota estavam falando abrobrinha demais. Diante disso, decidimos folgar e ocupar professores de jornalismo, publicidade, cinema e até de psicologia para escrever abrobrinhas por nós. Os resultados desse irresponsável planejamento não foi percebido nem mesmo na edição e cabe ao leitor aplaudir, ou parabenizar o que vem por aí. Sim, certamente, a seleção foi criteriosa. Chamem os bombeiros em caso de incêndio, pois existe ainda mais indivíduos envolvidos nessa balbúdia denominada Estopim.
A Patota

Simulacros pós-modernos
Helena Santos Neto


A arte e, consequentemente, a sensibilidade, para expressá-la e comunicar a relação do homem com o mundo, existem desde o homem das cavernas, há mais de trinta mil anos. Entenda-se aqui a palavra sensibilidade, na definição da Fayga Ostrower como um “permanente estado de excitabilidade sensorial, sendo a sensibilidade algo que não ocorre unicamente com o ser humano. Neste viés, arte pode ser entendida como produto do embate homem/mundo em que o homem reflete e põe à reflexão - a sua própria existência e constrói formas em que, ao mesmo tempo, (se) descobre, inventa, figura e conhece a si próprio e ao mundo que o cerca. Arte e sociedade não se podem ignorar.

Ninguém continua a ser exatamente como era, depois de ter sido abalado por uma verdadeira obra de arte, declara Adolfo Sanchez Vázquez. Porém, a materialidade artística e seu gesto de leitura varia histórica e ideologicamente. Da sociedade teocêntrica ao hedonismo atual, várias posturas e olhares estéticos foram valorizados.


Quem prenunciou todas as mudanças sócio-culturais contemporâneas foi Friedrich Nietzsche, considerado o profeta do pós-modernismo. Ele pregava que a essência da situação intelectual pós-moderna é complexa e ambígua. O ultrapassamento do período moderno ao pós-moderno não deve ser feito através de uma superação crítica, porque, de qualquer forma, esse ultrapassamento integra os intentos da modernidade. Se Deus está morto, como pregava Nietzsche, vítima da religiosidade que os fiéis cultivaram na busca pela verdade resultando na falta de necessidade deste Deus, para alguns, a frase "A modernidade morreu; viva a pós-modernidade!" determina a mudança de pensamento no homem ocidental e afirma que o termo modernização”começou a ser questionado, como expõe Simon Schwartzman. E o que faz nós questionarmos a modernidade e sabermos que o que vivemos não é mais isso é justamente as indagações: a) existe a certeza de que a razão resolverá todos os problemas humanos? b) os problemas serão realmente resolvidos, com a garantia da inesgotabilidade do progresso científico? c) será que o progresso científico nos trará, realmente, um futuro melhor?

DESCONFIANÇA E BOY BANDS
Jean-François Lyotard explica que talvez todas essas mudanças possam ser justificadas através de uma menor confiança que os ocidentais dos dois últimos séculos colocaram no progresso geral da humanidade, sobretudo a partir do Iluminismo, a ideia de um progresso possível - e inevitável - ampliava o terreno das artes, das tecnologias e do conhecimento, alcançando a liberdade que seria aproveitável à humanidade. Mas, a nobre leitora ou o ilustre leitor há de convir que as quase sessenta milhões de vítimas da Segunda Guerra Mundial são uma resposta contundente a esses questionamentos. Além disso, nossa inserção no mundo tecnológico-informacional favorece a incerteza e uma certa dose de niilismo, um desencantamento com um mundo, com a profissão... Afinal, não há mais cânones aos quais devemos confiar e investir. E no jornalismo, aonde estão os grandes âncoras? Os inesquecíveis, os nossos ídolos? Todos estão na alcova ou nem chegaram a existir algum dia? Enfim, como na famosa frase de Karl Marx, "tudo o que é sólido desmancha no ar.'

Desta forma, o pós-modernismo ou modernidade tardia ou ainda alta modernidade, como alguns pesquisadores gostam de intitular, surge de uma mudança histórica que possibilita um capitalismo baseado na brevidade das mercadorias, produzindo uma sociedade consumista, descentralizada, dependente da tecnologia e da indústria cultural, permitindo boy bands de saltos altos, como Luiz Cavalcante já noticiou por aqui. Se as vanguardas já estão velhas, se transvanguardas é algo insosso e o que importa é o sucesso instantâneo, mesmo que, como consequência se tenha um esquecimento eterno depois de uma única temporada, então que se siga niilisticamente em frente, abarcando multidões em um sucesso efêmero.

GRISELDA
E por falar em assuntos mais interessantes e convenientes, para que discutirmos aprofundadamente a violência e a corrupção nacional se podemos termos um espetáculo cinematográfico na captura de Nem & traficantes afins e a retomada da Rocinha pelo Estado ou termos a foto de Lilia Cabral na pele da personagem Griselda na capa da revista Veja desta semana? O que discutir quando, por exemplo, a revista jornalística com maior vendagem e alcance nacional faz de sua capa uma personagem de novela?

O pensamento pós-moderno desconfia das noções clássicas de verdade, de razão, de identidade e de objetividade, assim como os ideais iluministas das formas prontas e acabadas de explicação, de progresso universal ou de emancipação. O outro lado é também um estilo de cultura que, muitas vezes, resulta numa arte sem profundidade e sem fundamentos, de maneira descentralizada, eclética e pluralista, a que tanto Terry Eagleton denuncia. O pós-modernismo é um movimento alicerçado na “insustentável leveza de não crer nem na realidade nem na ficção, num quase parafraseamento de Milan Kundera, o que abre caminho para que os simulacros ofertados pelos meios de comunicação de massa, os modelos computacionais e a tecnociência transitem com livre acesso. Pelo menos é o que afirma Jair Ferreira dos Santos. E aí pergunto: se vivemos o vale-tudo, e aí cabe também muito bem o conformismo e a apatia, será que somos pós-modernos ou, ao deixarmos de lado as utopias da contra-cultura, estamos marcando o novo século de forma conservadora-revolucionária-pouco progressista, tomando como exemplos as situações contraditórias das greves de estudantes na USP e na UNIR, em que na primeira situação quer-se a liberação do uso de maconha e, na segunda, um professor foi preso por policiais federais em flagrante abuso de poder próprio dos anos de chumbo?

O termo vale-tudo, tão utilizado atualmente, é perigoso. Ao mesmo tempo que tudo vale, quer dizer também que nada vale, então, temos uma situação que, além de conservadora, pode fazer valer a voz do mais forte, como na situação da greve na UNIR. Gosto da fala da Maura Sardinha quando ela argumenta que, se há uma temática, não é o vale-tudo, mas o questionamento da linguagem e das formas de narrativas às quais nos prendemos e apreendemos o mundo. Isto pode ser um mote interessante para pesquisa em comunicação social.


CADA UM NA SUA
Ao contrário do otimismo modernista, o homem contemporâneo absorveu um pessimismo corrosivo. Não se crê mais que os grandes problemas da humanidade serão resolvidos num futuro próximo. Apenas se espera que possamos viver em cooperação (para que os problemas, se não forem extirpados, possam, ao menos, ser contornados), ao invés do período de conquista dos séculos anteriores. E isto pode ser feito tanto de forma saltitante e feliz, num modo alienado em um simulacro de liberdade, como em uma postura crítica, o que gera mais responsabilidades ou ainda, por que não, unindo a desconfiança-curiosa do jornalista à sensibilidade artístico-criativa presente desde nossos antepassados com as pinturas da caverna francesa de Pech Merle ou pela existência de nossa brasileiríssima Luiza? Mas, se você acreditar que duas ou três saídas é pouco, não há problema. A pós-modernidade justamente é o momento em que todas as saídas ou fugas, se preferir o modo mais rápido e prático, mas não menos doloroso são possíveis. Escolha a sua.

Helena Santos Neto

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