segunda-feira, 14 de novembro de 2011


         Todos os membros da Patota estavam falando abrobrinha demais. Diante disso, decidimos folgar e ocupar professores de jornalismo, publicidade, cinema e até de psicologia para escrever abrobrinhas por nós. Os resultados desse irresponsável planejamento não foi percebido nem mesmo na edição e cabe ao leitor aplaudir, ou parabenizar o que vem por aí. Sim, certamente, a seleção foi criteriosa. Chamem os bombeiros em caso de incêndio, pois existe ainda mais indivíduos envolvidos nessa balbúdia denominada Estopim.
A Patota

Liberdade, segurança e microfones em confessonários
Luciano Bitencourt


Dois acontecimentos recentes marcaram a cobertura jornalística na última semana. A invasão do prédio da Reitoria da USP e a prisão do traficante Nem, considerado um dos principais chefes do tráfico no Rio de Janeiro. Não vamos aqui tecer conjecturas de sentido moral sobre os eventos. Deixemos isso para os entendidos em superficialidade distribuídos estrategicamente na mídia e para os ávidos em emitir opiniões no primeiro canal que lhes dê oportunidade.

Há questões nestes dois eventos que envolvem o Jornalismo como atividade para além da óbvia análise de coberturas. Traficantes e estudantes "baderneiros" têm um mesmo perfil aos olhares da e através da mídia de massa. Objetos de desejo, diplomas de ensino superior e entorpecentes ilícitos disputam o mesmo mercado das utopias consumistas contemporâneas, cuja promessa de felicidade está em consegui-los a custos nem sempre compatíveis com os benefícios implícitos no produto.

O motivo que "despertou a ira" de alguns estudantes em São Paulo é o mesmo que "conforta" as "comunidades" cariocas nos morros esquecidos pelo Estado. O combate à violência enfrenta um dilema próprio das organizações humanas, na medida em que segurança e liberdade são suas faces mais agudas. Para o Jornalismo em particular e a mídia em geral, está no comércio ilegal de drogas e sua influência sobre os poderes instituídos o ponto mais crítico no combate à violência. Nada mais simplório, redutor e reprodutor de sentidos.

Esse discurso vem das fontes oficiais, do Estado representado por sua força militar. A violência urbana tem vários outros aspectos, muito mais profundos e difíceis de trazer aos palcos das operações policiais que tiveram êxito. A prisão de traficantes chega ao escracho da humilhação em público, comemorada como gol em um clássico Fla-Flu (momentaneamente sem Maracanã). E a de estudantes mostra um poder de autoridade consentido pelo medo do que o uso de entorpecentes ilegais representa.

Dia desses, um estudante da Unisul argumentava contundentemente que a apatia evidenciada por professores nos encontros acadêmicos precisa de contexto. O curso que ele frequenta era outro para turmas menos apáticas. Em certo sentido ele tem razão. Imputar somente aos estudantes uma falta de atitude diante das próprias escolhas é perverso. Outras variáveis precisam ser consideradas. E a liberdade como produto para consumo talvez seja uma das mais significativas.

O que representa a ocupação da Polícia Militar em um campus universitário? No convênio feito pela USP, a segurança de que seus estudantes tendem a não ser mais assaltados, sequestrados, mortos dentro de suas dependências. Como argumenta o sociólogo Zygmunt Bauman, quanto mais garantia de segurança, no contexto aqui evidenciado, mais comprometido o sentido de liberdade. Mesmo o mais fútil, como o de fumar maconha no pátio de uma instituição de ensino.

Em outros tempos, evocando os argumentos do estudante da Unisul aqui citado, a instituição militar representava repressão; leia-se também, Estado. Era de se esperar uma atitude em direção a um ambiente menos totalitário, arbitrário, autoritário. Um movimento violento de ruptura em que o Jornalismo enquanto atividade também tomava posições de confronto. Nesse ambiente não há espaço para apatia, qualquer atitude oferece o risco de viver sob o medo da violência ou de enfrentá-lo.

Hoje, nos dias em que o Jornalismo vive de microfones em confessionários, a liberdade está descolada das responsabilidades decorrentes das escolhas difíceis que a vida nos oferece. Superficial, o debate público sobre violência se reconhece nas garantias individuais de deslocamento, seja no sentido simbólico ou material. Não surpreende que a instituição militar e seus aparatos repressivos ocupem com a mesma facilidade o campus da "maior universidade da América Latina" e as "comunidades" nas favelas do Rio de Janeiro.

Quando a sensação de segurança é terceirizada, a de liberdade não tem outro lugar senão num convívio cujos laços ganham a forma de contratos temporários. Os estudantes presos na USP, tendo ou não razão, expressam-se hoje como o aparato militar estatal em momentos marcados pela história política. Deslocado, esse aparato, antes repressor das liberdades individuais, é agora sua garantia. A ilusão criada pela mídia e pelo discurso jornalístico atual é a de que as forças mudaram de lado.

Talvez tenhamos mesmo de entender a apatia como atitude. O estudante anônimo deste texto está nos dizendo que não quer o que se está oferecendo a ele mas não sabe exatamente o que por no lugar. Não há aspirações coletivas suficientemente sólidas a serem socializadas. O futuro que se quer "comprar" com garantias nunca está ali, amanhã de manhã, e isso fere a liberdade de escolha quanto aos objetos de desejo que se pretende consumir ao longo da vida.

Invadir uma reitoria e ocupar uma "comunidade" são ações inscritas em um contexto em que segurança e liberdade não dizem mais respeito a projetos de vida. São reações momentâneas, entorpecidas por aspirações fugazes como a vida de um traficante ou uma "viagem" no campus de uma universidade. Tão fugazes quanto as declarações confessionais que satisfazem o Jornalismo na "construção" de informações para consumo.

Luciano Bittencourt

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