segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Escritório

Meu escritório é movido a diesel. Não tem estante de livros, nem silêncio para as leituras. Aliás, muitas vezes, todos os assentos estão ocupados. Meu escritório é custoso para mim, meus amigos, para a empresa e os desconhecidos. Meu escritório tem horário para sair e é quase inacessível nos finais de semana.

Meu escritório é parte da minha rotina. Sempre que possível, cá estou, no banco alto para assistir com privilégio aos espetáculos de vida que acontecem dentro do meu escritório. Na chuva eu vi: a mãe se despedindo da filha que ia para a escola com um beijo e o casal de namorados se abraçando e se beijando com destinos diferentes.

Foram gestos de carinho antes da entrada na rotina e no coletivo, vistos por mim com sonolento olhar. Cenas que me perseguiram e tomaram café comigo por sucessivas manhãs. Depois, foi fácil trazê-las ao papel, pois me encontraram sentado no banco alto.

Uma forte dor nas costas me consome agora e meu escritório carece de boas poltronas. Não tenho, porém nenhuma autoridade para trocá-las e suportarei a dor. Muitos reclamam melhorias: em 2005 um grupo de estudantes esteve nas ruas manifestando o preço da entrada em meu escritório, me lembro dos estúpidos confrontos com a polícia e da desordem.

São três horas diárias que passo aqui, exceto nos finais de semana, quando prefiro trabalhar na cama. É um lugar democrático. Abriga gente de pé, sentada, gente apertada. Gente bonita, feia, suja, pobre, rica, cheirosa, vulgar, racista, homofóbica, homossexual, velha, indígena, gremista, sem noção, argentina, baiana, arrogante, atrevida, bêbada, dissimulada. O Brasil todo e o Mundo estão aqui.

Na quarta-feira passada, eu estava no banco alto e uma moça desmaiou bem perto de mim. Estava frio, não foi por causa do calor. Depois da queda, tive que ceder meu lugar para ela resgatar a consciência. Creio que foi uma simulação e do ponto de vista artístico foi magistral. Também bastante egoísta a atitude, mas inspiradora para a caneta e o papel.

Outra história curiosa do meu escritório é também com uma mulher. Essa menos simulada e pela qual me apaixonei. Ainda há resquícios e saudade de tudo que passamos juntos. Foi aqui em meu escritório que dei o primeiro beijo em Dulce, na verdade, foi ela quem me deu. Dulcíssimo beijo, atrapalhado, entretanto, já que estava em movimento o escritório.

Não sei dizer se será eterna a estada em meu escritório, quem sabe muito em breve eu queira me livrar dele. Não sei explicar, Freud não saberia, pois não é através de estudos, teses e pesquisas que se compreende o comportamento humano, mas estando dentro do meu escritório por instantes.



Verás o quanto é satisfatório o dia em que o motorista do meu escritório te cumprimentar com um bom dia. Raríssima injeção de ânimo. Paro por aqui porque não tenho mais forças para arrastar a caneta. Encosto a cabeça na janela e durmo em paz dentro do meu, do nosso, escritório, até que venha a próxima curva.

Nícolas David

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