quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Os Invisíveis

Cristina Souza

Tenho uma capacidade incrível para ficar viajando em algum lugar. Sério. Geralmente sento em um banco de praça para passar dez minutos e fico no mínimo uma hora. Essa mania peculiar me faz chegar atrasada em vários compromissos, mas também me rende boas histórias e lições de vida. Isso porque em cada praça, em cada canto ou esquina existe uma pessoa com uma história interessante. E justamente as pessoas com as histórias mais interessantes geralmente são aquelas “invisíveis” para nós – o senhor que joga dominó, o cara que pede um cigarro ou a criança que te entrega um bilhete com uma história triste. Hoje, na saída do trabalho, foi uma – ou melhor, duas – dessas que me encantou.


Foto: Cristina Souza

Quando eu me preparava pra ir embora, dois meninos me entregaram tal bilhete. Estavam com a roupa suja, de chinelos  e aparência extremamente simples. Queriam dinheiro. Eu li o bilhete e entreguei de volta, mas em vez de guardar tudo e ir embora, quis saber pra que era o dinheiro. 

Não tenho muito dinheiro – na maioria das vezes quase nenhum, mas se a pessoa tiver com fome eu compro comida. O dinheiro era pra comprar cigarro. Nessa hora, me ajeitei melhor, perguntei o nome deles e a idade (15 anos, com aparência de 13) e questionei por que eles fumavam sendo tão novos. Porque a vida era difícil, me responderam. 

Nessa hora, sentaram do meu lado e conversamos muito. Contaram-me que já foram para a cadeia, que é um lugar horrível. Que não moram com a mãe e que fugiram da escola, porque não se sentiam bem lá. Eles não sabiam ler. Eu perguntei o que eles queriam ser da vida, e eles não souberam me responder. Sobreviver, um me disse depois. Queria só sobreviver. 

Ficamos conversando por mais de uma hora, rimos quando esse mesmo sobrevivente me perguntou por que meu olho estava roxo (prazer, olheiras) e eu disse para eles voltarem para a escola e que matemática era um pé no saco, mas ainda assim, mesmo que a intenção seja só sobreviver, tudo pode ficar mais leve quando a gente estuda. Ou então eles podiam só conhecer umas gatinhas por lá mesmo.

Minha intenção não é dar lição de moral em ninguém. Mas o que eu pude falar de bom, eu falei. Escutei muito também. E acho que mais do que ensinar qualquer coisa, eu aprendi. Aprendo toda vez que uma dessas histórias de pessoas invisíveis cruza meu caminho, e me questiono sobre muita coisa. Por que, afinal, é tão difícil de pessoas desconhecidas conversarem na rua? 

Por que quando alguém, principalmente se não tiver a melhor aparência do mundo, chega perto da gente o nosso primeiro pensamento é fugir, ignorar, esconder o celular? Por que as pessoas sentem medo uma das outras,  por que sempre procuramos o banco vazio da praça ou do ônibus? A gente reclama que está sozinho, que ninguém se importa, mas quantas vezes nos importamos? Quantas vezes, pelo menos, enxergamos os invisíveis ao nosso redor?

São perguntas sem respostas. Queremos o tempo todo ser os mais populares, ganhar mais likes nas nossas fotos e ter algum reconhecimento, mas nos fechamos no próprio casulo quando encontramos desconhecidos. Somos pessoas que temem pessoas, gente que não se relaciona, gente que foge uma da outra, gente que vive numa prisão a céu aberto, sempre esperando o pior dos demais. 

Porque eu sei que existem pessoas ruins no mundo, e que não da pra sair  conversando com qualquer um que se cruza, mas também não precisamos viver isolados. Criolo canta que as pessoas não são más, apenas estão perdidas. E eu concordo plenamente. Vivemos perdidos, com medo, sem olhar para o lado. E por conta disso, muitas vezes deixamos de  viver.

Se eu fosse o Bial e pudesse dar um conselho, trocaria o protetor solar por banco de praças. E um coração mais aberto.

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