“O que é a nossa vida perto da eternidade?”, pergunta Luiz
Otávio, um homem com espírito de criança e o saber de um experiente pescador
Mariana Smânia
Olhos sonhadores de um pescador com alma de menino
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Estamos na Enseada do Brito, um dos únicos locais
colonizados pelos açorianos no município de Palhoça, Santa Catarina. Ainda
encontramos a típica igreja açoriana com apenas uma praça de distância do mar,
marca registrada do colonizador. O lugar parece ter se perdido no tempo, com
casas construídas pelos fundadores e ruas ainda lajotadas. As horas parecem
demorar um pouco mais a passar, pelo som das ondas quebrando na praia, ou
talvez por ser a característica mais marcante da principal atividade econômica da
região: a pesca.
Não é preciso esperar por muito tempo para avistar um
pescador saindo de casa com suas redes ou qualquer outro aparato de pesca. Os
barcos ficam todos ancorados de frente para a Igreja, referência antiga da
comunidade. De cima da torre principal podemos avistar, em especial, um barco
não muito grande, de cor vermelha desbotada – talvez um pouco mais puxada para
o laranja -, bem próximo da areia. É o barco de Luiz Otávio Martins, figura
mais do que conhecida na região.
O homem de 43 anos, que acredita na força dos trabalhos em
prol do meio ambiente, passou 32 anos dedicando sua vida pessoal e profissional
ao mar, tanto praticando quanto fazendo cursos profissionalizantes relacionados
à pesca e ao cultivo da ostra. Aprendeu quase tudo o que sabe com o pai, Manoel
Nelson Martins, que conhece praticamente todo o litoral brasileiro. Pescador
por herança e pescador por opção, fugiu do estudo regular enquanto ainda
cursava o Ensino Médio. “Meu professor disse que estávamos estudando para uma
vida em escritório.
Não era o que eu queria”, declara com um sorriso vitorioso,
um sentimento meio inocente, quase infantil.
Em uma conversa rápida, o pescador mostra que entende de
tudo um pouco, e não somente a respeito da pesca, mas também de coisas simples,
sobre as quais as pessoas costumam complicar. Instigado a pensar sobre o que é
a vida, Luiz Otávio mergulha na sinceridade de seus olhos. Com a testa franzida
e a voz um pouco alterada, quase num apelo para que as pessoas entendam de uma
vez por todas o que pensa, responde: “A vida é uma passagem muito curta por
este planeta.
O que é a nossa vida perto da eternidade? Uma árvore, que todos
dizem não pensar, vive mais de 200 anos, e nós temos apenas 80, 100… É muito
pouco! Imagina ainda ficar estressado, na fila, no trânsito, dentro do ônibus,
cuidando da vida do outros. Deixar de viver a sua própria vida para ficar
escravo do dinheiro; ganhar dinheiro, bastante dinheiro. No final, todo mundo é
carregado lá para a comunidade dos pés junto, atrás da igreja, do mesmo jeito”.
Com cursos profissionalizantes nas áreas de saneamento
ambiental, manutenção em motores marítimos, ostreicultura e mitilicultura
(cultivo industrial de mexilhão), Luiz Otávio não tem medo ao dizer que deixou
formações convencionais para trás e focou sua vida no trabalho com a natureza.
“As pessoas costumam esconder essas coisas, mas eu tenho orgulho”, afirma ao
dizer que tem todos esses cursos em seu currículo de trabalho. Currículo este
que teve de estruturar assim que se candidatou a diretor da Casa da Cultura na
Enseada de Brito.
A Casa da Cultura da região é algo de muito valor para o
experiente pescador. Com olhos apertados e sobrancelhas quase juntas, queixa-se
da falta de cursos como entralhe de tarrafas, componente fundamental na cultura
pesqueira. E é com detalhes neste sentido que Luiz Otávio mais se preocupa. A
busca pela manutenção da cultura açoriana está presente em todas as suas falas.
O sotaque manezinho marcado, e a fala simples parecem não se importar em
caracterizar o discurso muito bem estruturado e todo o saber nele presente.
Luiz fala como quem quer compartilhar o máximo de informações possível com
qualquer um que se predisponha a ouvir suas aventuras e conhecimento acumulado.
Os olhos num tom castanho claro, emoldurados por algumas rugas causadas pelo
tempo, transbordam a paixão pela vida calma e rica em histórias. A paixão
pela família é algo que aparenta querer esconder, mas o sorriso de canto sempre
acaba surgindo toda vez que fala de como a esposa ajuda na estrutura de seu
currículo.
Enquanto andava pela areia molhada, falando sobre as algas
cor de rosa grudadas em sua rede, o pescador diz ter como sonho de consumo um
veleiro oceânico ancorado na Baia da Enseada. No mesmo momento, comenta a sorte
de um americano por ter ganhado uma bolada num desses sorteios de lotérica. O
olhar baixa, não como alguém que acaba de ser derrotado, mas como alguém que
ainda tem muitos sonhos a se concretizarem.
Foto: Mariana Smânia
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