segunda-feira, 22 de julho de 2013

Mulher, pescadora, empresária e contadora de histórias

Entre pescarias e lembranças da infância, Sidnéia prepara os quitutes do mar que seduzem e sustentam a família

Pablo Mingoti

O vento movia as folhas das palmeiras na praia. Apontando para o mar iluminado pelas estrelas, Sidnéia Dilma Souza se lembra das suas histórias de vida. Histórias recheadas de mistérios e cenas marcantes, desde “causos” contados pela avó, até assaltantes tentando invadir sua casa. Mulher, filha de pescador, aprendeu, observando os pais e avós, a valorizar toda cultura que se produz na vida em torno do mar.

Nascida em Santo Amaro da Imperatriz, Santa Catarina, ela adotou a Praia do Pontal como moradia fixa. Debruçada no balaústre da varanda, olhando pescadores, instantaneamente lembra algumas histórias da infância que viveu nas águas do Pontal. “Uma vez fomos pescar em família e tinha um canal com lama, que atola. Com os movimentos bruscos das ondas, vários caíram do barco e ficaram atolados. Foi sufocante”, narra Néia, como costumam chamá-la.

Olha novamente os pescadores, que naquele momento voltavam da pesca e recorda de mais cenas da infância. Quando criança, adorava os “causos” contados pela avó, com quem aprendeu a pescar. Deitada na cama, a avó costumava narrar histórias evolvendo fantasmas em busca de baús enterrados, bruxas que sugam sangue de bebês e homens endiabrados pelo demônio. Quando terminava a narração, os olhos da menina já estavam fechados.

O sabor da convivência com a avó e os pais é uma das sensações que a remetem à infância. Na beira da praia, sua avó pescava berbigões e colocava os moluscos comestíveis em um balaio. Enquanto brincava em torno do balaio, ela e a prima acabaram por derrubá-lo e levaram um longo sermão da velhinha. Certa noite, Néia foi ajudar o pai a pescar, mas não queria molhar os pés, pois estava só de pijama e meia. Quando decidiu se aproximar e pegar o peixe, o animal pulou de sua mão e voltou saltitando para a água, desaparecendo para sempre no fundo do oceano. “Meu pai ficou furioso”, comenta.

Hoje, com 34 anos, Sidnéia conta como se apaixonou pelo marido Flávio Martins, em Santo Amaro. Passeando com uma amiga, viu o moço, achou-o “bonitinho” e decidiu ir atrás.  “Foi amor a primeira vista”. Com o casamento, nasceu Ana Flávia, o que uniu ainda mais o casal. Sidnéia fica muito tempo na cozinha produzindo empanados para a empresa da família, a MarPesc. Seus dias ficaram corridos por causa do trabalho, mas, apesar do esforço, tem muito orgulho do que faz e ainda coleciona histórias para contar.

Grande apreciadora dos almoços em família e das práticas de cozinha, Néia aprendeu com a mãe todas as receitas que prepara na cozinha da Marpesc: camarão empanado, ostra gratinada, sopa de peixe e bolinho de bacalhau. Adora encontrar os vizinhos na comunidade pequena, típica de interior para uma comilança. Néia se lembra de quando o Pontal tinha um clube onde famosos se apresentavam: o clube Catira. Quando o local de eventos fechou, ela até gostou, pois adora ouvir o barulho do mar, “ouvir a calmaria”, como diz. Recorda muito de tempestades na região. “Quando o morro do Cambirela fica com o chapéu [nuvem] é uma correria dos pescadores saindo do mar, porque quando venta, derruba o barco”.

Mesmo morando em um local pacato, Néia se lembra de quando assaltantes tentaram invadir a sua casa no Pontal em uma madrugada. “Eram dois e quando abri o blecaute da janela, vi um homem com capuz. O estranho é que eles falavam o nome do Flávio, inventando que queriam comprar sementes de mariscos. Quando começaram a chutar a porta, liguei para a vizinha, que gritava de medo ao ver o que ocorria. Ainda bem que a polícia chegou logo, mas eles tinham fugido. Não tínhamos nem R$ 30 em casa”, explica com o olhar trêmulo ao lembrar o ocorrido. 

Outro fato marcante na região foi quando um cano estourou e alagou o pontal. Ela se lembra de quando ligaram três cachoeiras em uma para abastecer as casas da comunidade e o cano estourou, abrindo uma vala que alagou tudo. “Eu só ficava em casa assoprando para a água não entrar”.

Depois da agradável prosa, Sidnéia olha para a lua que ressurge por de trás das nuvens e recorda as palavras de seu pai sobre o astro. “Ele diz que quando a lua empinar significa que o vento vai mudar”. Ao ver o astro, também revelou que ele é responsável pela saída de um caranguejo das águas. O caranguejo azul, segundo descreve, parece uma aranha de longe e de vez em quando aparece no Pontal.  “A gente leva um susto quando o vê no muro”, comenta. Termina a conversa com uma filosofia muito simples: “Para mim, viver é tudo. Eu gosto de viver”.

Nenhum comentário: