quarta-feira, 26 de junho de 2013

III Ato: O passe livre reverbera pela Ilha

Thaís Teixeira

Ele estava na frente do cordão de isolamento junto com a imprensa e outros militantes que ajudavam a organizar o protesto. Sua voz reverberava pela rua sem que precisasse de um megafone para isso. À sua frente, um grupo de quatro skatistas seguia fazendo manobras enquanto gritavam junto ao homem “Passe, passe, passe livre já”. Aproximávamos-nos do Centro de Convenções, em direção ao sul da ilha. Os ônibus estavam parados, trancando uma via, mas apenas aquela rua não era o suficiente para os milhares de manifestantes.


Os espaços entre os carros, ônibus, motos, caminhões começaram a ser ocupados pelas pessoas. Já a caminho do túnel abordei o homem que ajudava a chamar os gritos de guerra. Perguntei sobre o futuro das manifestações após a reunião que houve entre o Movimento Passe Livre e o prefeito Cesar Souza Jr. naquela tarde e da decisão do prefeito por não reduzir o preço das tarifas de ônibus. Enfático ele me responde:

- O ultimato foi dado, agora tem que ir até o fim!

A concentração do terceiro dia de protesto em Florianópolis teve início às 16h, em frente à Catedral Metropolitana. Diferente do que aconteceu na semana passada, as razões dessa manifestação estavam muito claras e estampadas: a redução imediata da tarifa de ônibus na Capital. Os que ali estavam gritavam pelo transporte público, ajudados pelos megafones dos militantes e da bateria que dava mais alegria e empolgação aos manifestantes. Ainda na concentração Catedral um professor de história da rede pública foi abordado pelo Estopim.

- Qual a interferência da redução ou isenção da tarifa no transporte público à educação? 

- Primeiramente, além de contribuir para que o aluno tenha um acesso mais facilitado ao ensino e que seja até um incentivo à educação, ainda, o cidadão deixará de gastar um dinheiro que poderia ser usado com coisas essenciais como: a alimentação, a própria educação, a saúde e tudo aquilo que o governo deve, mas não concede de forma qualificada ao cidadão, fazendo com que este tenha que pagar ainda mais por isso. Fora os impostos que são mais que justificáveis para que se tenha uma boa prestação do serviço público.


Dali, seguimos pela Tenente Silveira até o Ticen. Em frente ao terminal, onde ocorreu a concentração dos dois últimos manifestos, a parada de pelo menos meia-hora, foi estratégica para conseguir juntar mais gente ao protesto. Havia aqueles que, parados dentro do terminal, nem ao menos se mexeram. Havia também os que passavam correndo, apressados e atrasados para pegar o ônibus e nem viravam os olhos para dar uma espiada no que estava acontecendo. Mas, o fato é que ao sair dali a manifestação tomou grandes proporções e até aqueles que estavam meio perdidos, sem saber pra onde ir e o que fazer, foram contagiados pelas músicas e pela bateria.

Não se podia imaginar qual era o destino daquele protesto. Durante todo o dia se esperava o mesmo trajeto das outras vezes: Assembléia Legislativa, Av. Mauro Ramos, Av. Beira-mar norte e Ponte. Inclusive, o pedido do prefeito era que, por favor, não fechasse as pontes novamente. Os policiais, surpresos, apreensivos e um tanto incomodados com a mudança de trajeto tentaram alertar: - Pelo túnel é perigoso! Mas o aviso foi emudecido pelas vozes que diziam “O Cesar Souza disse não, eu vim pra rua exigir a redução”. Para os manifestantes não interessava o quanto o túnel poderia ser “perigoso”. A decisão estava tomada e massa caminhou incansavelmente por toda a extensão do túnel que liga o centro com o sul da ilha.


Fábio Coimbra, estudante de economia da UFSC e militante na Frente de Luta pelo transporte era um dos que estava guiando a multidão. Conversava com ele sobre a reunião com o prefeito, quais os efeitos que ela teve no movimento e escolha do trajeto

-  A posição do prefeito é que não irá baixar as passagens até o processo de licitação para o transporte público. Inclusive ele nos chamou para participar da comissão desse processo. Estamos abertos a negociação, mas o MPL é contra esse processo de licitação, porque ele apenas vai transferir o poder de uma empresa para outra! Queremos a redução imediata da tarifa!

- Além do trajeto, vemos uma grande diferença dessa manifestação para as da semana passada. Todos aqui lutam pelo Passe Livre e redução imediata da Tarifa. Vocês estão mais organizados, há uma divulgação maior sobre o movimento?

- O protesto de terça-feira não foi organizado por nós. Mas devido toda a repercussão das manifestações nacionais e a comoção da galera, ele teve um grande alcance. O de quinta-feira foi organizado por nós, mas acabou sendo tomado pela galera do “contra a corrupção”. Mas essa reivindicação é meio vaga, porque a corrupção é algo inerente do capitalismo!

- E sobre o trajeto de hoje?

- Eles não queriam que a gente viesse para o túnel... Hoje procuramos outras formas de pressionar o prefeito e por isso decidimos pelo túnel, além disso, é uma ocupação simbólica, assim como foi a das pontes. Ele também representa a imobilidade urbana da cidade.


Já estávamos no meio do túnel e as músicas, a bateria e os manifestantes não paravam e nem se cansavam. Aquele era só o início da viagem que ainda teria um destino final também surpreendente. Ainda acompanhando a manifestação estavam os quatro skatistas que havia visto no Ticen. Chamei um deles para conversar. Ele me parecia bastante novo e o fervor com que gritava “Passe Live Já” me chamou a atenção.

- Quantos anos você tem?
- 15
- Essa é a primeira manifestação do MPL que participa?
- Aham!
- Você sabe o que é o passe livre?
- Ah! Eles querem que a gente não pague mais passagem de ônibus! É por isso que eu tô aqui com eles!
- E você acha isso bom, pra você que é estudante?
- Eu acho né! Porque a gente gasta muito dinheiro com ônibus!

Saímos do túnel e continuamos andando. Alguns não sabiam o que iria acontecer e qual seria o trajeto a partir daquele ponto, mas seguiam o fluxo e respiravam fundo para continuar cantando. Embora o cansaço já estivesse um pouco evidente, não se queria deixar aquele protesto para traz. Continuávamos e continuávamos. Passamos por lugares diferentes, por entradas de morros, por residências estudantis. Chegamos a UFSC e de lá só existia um final para os manifestantes: o Titri. No megafone os militantes gritavam “Tem alguém cansado aí? Tem alguém cansado aí?” As respostas negativas eram o gás que se precisava para ir até o final.

A chegada no Titri foi triunfal. Antes mesmo de a manifestação chegar em frente ao terminal já era possível ver as pessoas correndo em direção as catracas. Queriam o catracaço e fizeram. Tinha os que pulavam de fato, os que passavam por baixo e os que entraram por fora. Independente da forma, ninguém pagou a passagem. A ocupação tomou todo o Titri e se queria mais, muito mais. Era a hora de voltar para a casa e se preparar para quinta-feira. Era a hora de sentar e fazer o jogral, de dizer tarifa zero já, de se abraçar, de chorar, de gritar, de pular, de sentir que a missão daquele dia havia sido cumprida.


Dentro do ônibus socado de gente, ninguém reclamava. Não tinha espaço para uma agulha, mas todos se sentiam felizes e empolgados. Os gritos de “Eu pulo, eu pulo, eu pulo a catraca sim” fazia vibrar até as cadeiras. Os passageiros que entravam pelo caminho também não pagavam.  No Ticen, o catracaço foi bem menor, mas não deixou de acontecer. Indignada ao ver alguns manifestantes pagando a passagem, uma moça gritou:

- Tá fácil assim? O meu dinheiro não é capim, eu pulo a catraca sim! Eu pulo, eu pulo, eu pulo a catraca sim!

E pulou.

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