sexta-feira, 3 de maio de 2013

Quase um conto

Ana Maria Ghizzo

É ditado popular que os amigos são a família que escolhemos ter, sendo assim, se pensarmos no caminho inverso, a família que temos é aquela que fomos destinados a ter. Não sei se gosto de pensar dessa maneira, colocando toda a culpa dos fatos e das escolhas no mero acaso. Prefiro procurar sentidos ocultos nos detalhes mais pequenos da vida. E se alguma coisinha que eu tenha dito ou feito fizesse tudo desmoronar? E se eu tivesse, de alguma forma, escolhido outra vida? Ou outro alguém? Talvez eu não estivesse aqui, escrevendo esse texto hoje. Poderíamos nunca nos encontrar.E se eu tivesse sido criada de uma forma diferente? Outros pais? Outro colégio? Outros estudos? Outras pessoas? São tantas as variáveis que nos conduzem nessa ponte entre o passado que tivemos e o presente do que somos hoje. Mais infinitas ainda são as possibilidades que o futuro desconhecido nos reserva. E se?

Ela acordou cedo, tomou banho e sentou-se a mesa. Família reunida em todas as refeições era a norma da casa. O trabalho do pai, as notas impecáveis dos filhos, as conquistas da mãe na cozinha dentre outros tantos assuntos banais contracenavam com as frutas, cereais e pães. Tudo tão sorridente e impecável semelhante a algum desses comerciais de margarina da televisão. Abraçaram-se todos, desejando os bons dias e saíram para seus afazeres.

Chegou à faculdade bem disposta, bem humorada, cumprimentou os muitos colegas, e divertiu-se contando os detalhes do pedido de casamento que recebera na noite anterior. Conheceram-se no início da faculdade de direito, ela caloura, ele veterano, e logo começaram a namorar, com o trato de que se casariam assim que ela se formasse.

Assim foi, último ano de faculdade, sem nenhuma grande surpresa. E naquela manhã ela exibia sorridente o anel de noivado, enquanto as amigas elogiavam detalhes supérfluos, como o tamanho da pedra e o brilho, exageradamente surpresas com o fato tão esperado. Todas as amigas, menos a rabugenta de óculos. A rabugenta e ela disputavam o posto de melhor aluna, mas a rivalidade não se resumia aí, se bicavam por tudo, e se uma passasse pelo mesmo corredor que a outra trocavam olhares de desprezo do início ao fim do caminho. Um daqueles casos de implicância mútua mesmo que sem motivo.

Perambulou saltitante o resto do dia, a imagem dela e seu noivinho casando-se era tão clara em sua mente que podia ouvir a marcha nupcial tocar. Dali em diante tudo planejado: casamento, lua-de-mel, viagens, filhos, levar os filhos a Disney, netos, levar os netos a Disney. Tudo simples e sem complicações.

A última aula foi cancelada, resolveu fazer uma surpresa para o noivo e foi até o apartamento dele para esperar que ele chegasse do trabalho. Tinha tido um dia feliz que se encaminhava para um fim de tarde feliz. (continua...)

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