terça-feira, 23 de abril de 2013

Prates não está calado

Repórter Ping-pong
Ilustração: Gessony Pawlick Jr.
Eis uma entrevista. Engano seu! Eis uma enxurrada de opiniões críticas e falas contundentes, severas. Luiz Carlos Prates diz que não precisa de coragem para dizer o que diz. Para ele, a coragem é a virtude de quem mente diante das câmeras, nas páginas dos jornais ou no microfone da rádio.
No passado, o polêmico (o adjetivo é inevitável) comentarista comportamental, foi um estudante de psicologia. Sua origem no jornalismo, começou nas aventuras fantásticas do rádio esportivo. Ele trabalhou na transmissão de esportes amadores e viajou por quatro edições da Copa do Mundo. Entrevistou o Rei Pelé, narrou uma partida de futebol do banheiro.
Prates não baixou a guarda depois que saiu da RBS. Continua palestrando em diversos cantos do país. Escreve em jornais do interior de Santa Catarina, transmite programas em rádios de Criciúma e Lages e, de segunda a sexta, apresenta o SBT Meio Dia, onde também bate na mesa no auge de seus apimentados comentários.
Noveleiro, preconceituoso assumido, crítico dos politicamente corretos, avesso à hipocrisia, viciado em falar bueno e em usar etc, etc, etc, Prates tem mais novidade: trabalha agora na sua primeira publicação em livro. Nessa obra, promete dar joelhaços nos leitores, tal qual o analista de Bagé, seu conterrâneo de Rio Grande do Sul.
Formação
Repórter Ping-Pong - Por que você ingressou no curso de psicologia, se já atuava no jornalismo. Por que não procurou alguma faculdade na área?
Luiz Carlos Prates - Muitas vezes me perguntaram isso na faculdade de psicologia e até me diziam assim: mas o que é que tu queres com psicologia sendo jornalista? Ganhas muito mais (olha a ideia que se tem do jornalismo do lado de fora). Fiz psicologia porque casei com a psicologia por amor. Nunca ganhei um real como psicólogo. Gosto demais de psicologia. No meu tempo de iniciar a carreira como jornalista, não havia faculdade. A regulamentação foi em 1969. Eu iniciei-me no dia 29 de junho de 1960. Depois, claro, me registrei com todas as condições legais, porque na época era possível isso e estou aqui há 52 anos.
Ping - Você não se preparou para o jornalismo, foi o jornalismo que te preparou para ele?
Prates - Eu me preparei para o jornalismo radiofônico. Como ouvinte de rádio, desde a mais tenra idade acompanhando o futebol no rádio eu queria ser um determinado narrador e aquilo me encantou. Isso me levou a começar a fazer testes e a participar de programas de calouros, até que um dia deu. E a partir daí, eu comecei a narrar esportes amadores.
Ping - Vamos seguir falando sobre o radiojornalismo esportivo. Quero que você me conte as histórias de entrevistas com Pelé, de narração de jogo pelo banheiro. Conte essas histórias que são lá da década de 1960.
Prates - É verdade. Convivi com o melhor do futebol brasileiro na década de 1970, claro que o Pelé comandava essa orquestra, ele se aposentou por volta de 1974. Bueno, narrei jogo do banheiro? Narrei. Foi no estádio do Vasco da Gama. Não havia cabina para nós do Sul (eu disse cabina). E estávamos transmitindo do último degrau da arquibancada, começou a chover e um carioca disse assim: vem cá, mas por que vocês não puxam esse fio aí para dentro do banheiro, pelo menos não chove lá dentro. Fui pro banheiro, puxei o fio e o banheiro estava sendo usado. O cara usando, fazendo xixi e eu num cantinho narrando, mas, pelo menos, não me molhei.
Isso faz parte do aventureirismo do rádio esportivo. Hoje, a coisa está muito fácil. Se não houver linha telefônica, se não houver isto, se não houver aquilo, você pega o celular e narra o jogo. Naquela época, meu companheiro, dependendo de onde era o jogo, tinhas que derrubar dois eucaliptos, puxar uma antena de pólo e transmitir por SSB, por radioamadorismo. Funcionava! Era um rádio mais guerreiro, mais aventureiro, mas isto formava profissionais de alta qualidade. Hoje, o gurizinho sai da faculdade e não sabe o que é uma antena de pólo.
Ping - Você passou por quatro edições da Copa do Mundo. Que diferença esses eventos fizeram na tua carreira? Ou não fizeram?
Prates - Eu me lembro que eu emagrecia nas copas porque comia mal e dormia mal, mas era extremamente feliz. Trabalhava demais, porque com a diferença de fuso, por exemplo, o que era madrugada no Brasil era fim de noite por lá, ou o contrário. Mas eu fazia com muito prazer, com intenso prazer e quando tu fazes um trabalho com prazer, ele não te cansa. Ele te deixa feliz. Conheci pessoas, viajei, me envolvi com jogos emocionantes, enfim, o rádio esportivo é, verdadeiramente, o paraíso, entre aspas, dentro do rádio. São os caras que ganham mais, que viajam mais, que têm mais prestígio. A empresa dá mais publicidade para o pessoal da equipe esportiva, etc, etc, etc...
Ping - O profissional do jornalismo avesso ao esporte, deve mudar sua maneira de ver as coisas porque a gente vai sediar a Copa do Mundo ou, hoje, esse evento é apenas uma máquina para fazer dinheiro, ou desperdiçá-lo?
Prates - A Copa do mundo no Brasil é um evento político. Foi trazida pelo Lula. Vai nos sangrar o dinheiro público. Os hospitais estão fechando, os problemas são conhecidos em todas as áreas, da energia ao bem-estar falta-nos dinheiro. Mas temos que viabilizar a Copa, porque “turisticamente ela é interessante” como se o Rio de Janeiro precisasse de turismo, por exemplo, ou São Paulo precisasse ser conhecida lá fora.
A Copa do Mundo é política. Muitos países como o Brasil sediam a Copa e depois quebram como foi o caso da Grécia, sediando uma olimpíada de modo indevido. Nós já fizemos um Pan-americano as obras foram totalmente sucatas (eu disse sucatadas), bueno, não serviram pra nada, etc, etc, etc... Agora, nos comprometemos e temos que fazer. Só que estes cuidados todos que vão ser dados aos turistas eu queria que fossem dados a nós. Operários que levantam de madrugada; idosos que precisam de atenção nos hospitais; escola pública de qualidade; professor mais bem pago. Pra isso não vai sobrar.
Ping - Cabe ao jornalista ficar em cima e cobrar isto?
Prates - Com certeza. O jornalista não é o quarto poder, é o primeiro. Imprensa, num país democrático, é o primeiro poder. Por isso é que temos que ser isentos, no sentido de que não se pode ter o rabo preso com ninguém. Com partido, com instituições políticas, com secretarias de estado, com ninguém. Posso ter até o meu favoritismo político, claro que sim, isso faz parte do jogo. Mas não se pode deixar o rabinho para ser puxado.
Grupo RBS
Ping - Sua entrada no Grupo RBS foi em 1970. Naquela época, a empresa era uma potência como é hoje?
Prates - Não, não. Era uma empresa que estava começando a pensar em ser o que é hoje. Uma empresa ainda engatinhando no mercado. Mas ela acelerou o passo, a partir de meados da década de 70. E foi uma aceleração absolutamente irrefreável. Uma profissionalização de muito boa qualidade e deu no que deu.
Ping - E Quando ingressou numa emissora televisiva, você se sentiu um personagem diferenciado da imprensa?
Prates - Eu sempre tive opinião forte e eu comecei como comentarista esportivo. De uma feita, narrando um jogo no estádio Olímpico, era um Grêmio e Santos, eu fiz frases inesquecíveis que ficaram na história do rádio do Rio Grande do Sul, mandando o Pelé embora: vão pra casa paulistas! Vai pra casa Pelé! Bueno, porque o Grêmio ganhou aos 50 minutos com um gol de um camarada chamado Catarina. Bueno, enfim, na televisão, sempre tive opiniões fortes. Ah, mas tu fazes tipo. Nós estamos cercados de jornalistas covardes e politicamente corretos e isto vai criar graves problemas sociais.
O comentarista que não tem coragem pra dizer: olha isto está errado e ficar sustentando o olhar no olho da câmera. Ai, não vou fazer isso. Eu trabalho numa secretaria, eu tenho um amigo, eu tenho um pai, uma mãe, eu tenho isso eu tenho aquilo. Jornalista não tem que ter nada. Tem que ter ideias e convicções.
Ping - No auge da sua história no Grupo RBS você escreveu no principal jornal do estado, o DC, comentou no principal jornal televisivo local, o Jornal do Almoço, e transmitiu um programa na Rádio CBN. Como era esse tempo? A correria, estar num local e depois no outro, estar em várias mídias.
Prates - De fato uma correria por uma razão. Eu não vou me incensar e nem tampouco me exaltar, apenas dizer que eu vivo intensamente essa coisa e não o faço pelo salário. Pelo salário eu estaria fazendo outra coisa, ganhando mais, folgando sábado e domingo, feriados, dias santos, etc, etc, etc...
Leio cinco jornais por dia. Assino o Diário Catarinense e compro Folha de São Paulo, Zero Hora, Correio do Povo, Estado de São Paulo e, eventualmente, algum outro. Leio o jornal Notícias do Dia todos os dias. Leio com olhos de garimpeiro pra procurar uma frase, um fato, alguma coisa que me sirva como alicerce pra um comentário. E isto exauri, isto cansa. Tem que acompanhar telejornais e eu faço isso com prazer. Canso, mas no fundo, no fundo é aquela história do jogador de futebol que treina duro durante a semana e ninguém sabe disso, mas chega domingo ele arrebenta. O que amorcega nos treinos da semana, chega domingo ele não aguenta os 90 minutos. Porque se o jogo exigir, ele pede pra sair. Quem pede pra sair, não deve voltar.
Ping - Até hoje o leitor do DC reclama tua ausência no jornal. E você sente alguma saudade, ou se sentir não vais me dizer porque seria uma posição antiprofissional?
Prates - Então eu vou te dizer uma coisa: a grife Diário é interessante, mas eu hoje tenho mais leitores do que eu tinha no Diário. E isto é comprovado. Isto não uma frase de um sujeito que não está no Diário. Tenho mais leitores porque a tendência, hoje, e isto o The New York Times disse em editorial e Warren Buffet, um dos caras mais ricos do mundo, está comprando todos os principais jornais regionais dos EUA, porque a tendência é o cidadão ler o jornal da sua cidade. Os fatos mais amplos estão no jornal televisivo da noite. Se você pegar o jornal, cuja circulação começa por Florianópolis e tu estiveres em Chapecó, ou em São Miguel do Oeste, não vai haver uma notícia de Chapecó, ou de São Miguel do Oeste ali. Se houver, é uma noticiazinha.
O jornal da tua região te dá sobre polícia, sociedade, educação, política, compra e vendas de automóveis e imóveis, tudo. O jornal da tua região é o teu jornal. Como eu escrevo no Jornal A tribuna do Sul, o maior do Sul, o jornal do extremo Oeste, que é o Diário Iguaçu, o jornal Correio do Povo, de Jaraguá do Sul, etc, etc, etc, somando todos esses jornais dá muito mais leitores que o Diário Catarinense. Eu não tenho a grife, mas tenho leitores. Tu queres escrever num grande jornal e não ser lido, ou tu queres escrever em outros jornais e ser devorado? Esta é uma visão do mercado moderno, graças a Deus.
Ping - Quando você completou 50 anos de carreira a Viviane Bevilacqua fez uma belíssima matéria, entrevistando você em casa e mostrando sua família. Entretanto, na oportunidade da tua saída, em 2011, o DC publicou apenas uma notinha. O RH da RBS vacilou nesse caso?
Prates - Não. Me pediram que eu escrevesse a nota de despedida. Eu disse: não vou fazer. Aí, publicaram a notinha dizendo que eu saia da empresa para tratar de negócios particulares. É uma forma educada pra não dizer: estamos demitindo o fulano. Vários outros profissionais já tiveram essa conversa mole pra boi dormir. De repente, o cara sai para tratar de questões pessoais e se dá melhor na vida. No meu caso, entrei num grande esquema de competição entre empresas. Não foi o que eu disse que criou o problema, foi a transformação do que eu disse.
Nós jornalistas sabemos o que significa editar e transformar. Fizeram muito com o Collor isso, independentemente de o Collor ter merecido ou não. Ele dizia assim, por exemplo, nos últimos momentos de governo:
Porque o Brasil é um país fadado ao fracasso, o Brasil é um país de perdedores, o Brasil é um país que não tem futuro. Querem isso para o Brasil, dizem isso do Brasil os que não gostam do Brasil.
Os caras editavam a primeira parte da frase e botavam: Olha o que ele diz do Brasil. Isso é crime! Bueno, independentemente disso, faz parte do jogo. Se você não se vir (e é não se vir) culpado, toque em frente, olha para o horizonte e não baixa a cabeça porque talvez seja o que muita gente queira. Frase do Getúlio Vargas inesquecível: “saio da vida para entrar na história.” Eu não saio da vida, saio de uma empresa para entrar em outra maior e melhor.
Prates no SBT
Ping - Hoje você está na bancada do SBT Meio Dia. A emissora tem menos audiência, menos tecnologia, menos dinheiro. A dificuldade pra trabalhar com qualidade é maior? Ou o Prates e seu nome conseguiram alavancar a força da empresa?
Prates - Nós estamos crescendo. Crescer é um verbo que não conhece limites. O crescimento é algo absolutamente sem horizonte definido. Estamos crescendo e isto é incontestável pela audiência. Vamos melhorar? Vamos! Vem aí o HD? Vem! O jornal que apresentamos ao meio-dia é o melhor da hora. “Ah, mas não tem outro.” Problema dos outros, que não têm outro. Estamos crescendo e isto me deixa muito feliz.
Ping - Sua colega de banca, Ildiane Silva, também é uma ex-RBS, isto torna mais fáceis e agradáveis as transmissões do jornal?
Prates - Com certeza! É uma profissional de alta qualidade. Ela tem uma visão de jornalismo muito boa. E em certo momento eu penso o seguinte: como o mercado é burro! Profissionais de alta qualidade ficam por aí, muitas vezes, ganhando pouco e perdendo tempo na vida. Estou feliz com a companheira, a empresa está crescendo e exatamente isso é o que motiva.
Ping - Diariamente você leva a bancada do jornal figuras públicas da política da Capital. Nesse momento de cobrança, de questionamento, o Prates é feliz e consegue mudar o mundo como já disse que sonhou?
Prates - Entrevistando não. Eu nunca me senti bem como entrevistador. As entrevistas que eu verdadeiramente gosto são humanísticas. Mas o jornalismo não pode se resumir a entrevistar psicólogos, psiquiatras, professores, policiais, coisas assim que, verdadeiramente, garantem audiência. É preciso ouvir secretário, senador, deputado que não dizem nada. Eles dizem o que querem. Tu perguntas A, te respondem B, etc, etc, etc...
Colocá-los contra a parede? Até certo ponto tu podes fazer, mas o entrevistado tem a soberana liberdade pra dizer o que bem entende e o que lhe convém. Se me perguntares se eu gosto de fazer entrevistas, te respondo: não.
Ping - Por quê?
Prates - Nunca gostei. Eu comecei como repórter de futebol e narrador. Quando a escala me era para repórter eu brigava, brigava muito. Eu fiquei dois anos dentro da rádio Guaíba, de Porto Alegre, brigando pra deixar de ser repórter. Quando finalmente o chefe da equipe me chamou e disse: Prates, eu vou te tirar da reportagem, porque tu me enche o saco demais. Agora, vou te tirar o couro fora disso. Eu disse: tire duas vezes chefe! E iniciei minha vida de não ser repórter. O problema é que sou perseguido pela entrevista. Já tive um programa só de entrevistas com mulheres. Esse pelo menos era agradável, só com mulheres, quando trabalhei na TV Record. Depois, na CBN foram quatro entrevistas por dia, durante 12 anos. Agora, faço entrevistas todos os dias. Eu acho que eu vim predestinado a ser repórter entrevistador.
Ping - Você sente desgosto pela entrevista e, ela não te apetece, ainda assim, tem qualidade a entrevista do Prates?
Prates - Tem, mas eu gosto de falar sobre aquele assunto que outro cara vá falar sobre ele. Eu pergunto e sei qual deveria ser a resposta e o cara não vai dar a resposta que eu quero. Aí dizem: pô, mas tu és muito prepotente. Mas não é isso. É que eu leio demais. Eu acho que sei as respostas e tal. Mas entendo que não é conveniente para as pessoas dizer.
Nós estamos vivendo numa sociedade hipócrita. Ninguém tem preconceito. Eu costumo dizer o seguinte: eu tenho todos os preconceitos e mais um: o que vai ser inventado. Ninguém diz isso. Quando tu abres o guarda-roupa, e diz: eu não vou vestir essa camisa verde, porque verde é horroroso, é preconceito contra o verde. O que o verde te fez na vida?
É uma hipocrisia danada. Todo mundo é a favor de tudo. O cara fecha a porta e não é a favor de nada. O crime sempre existiu. Se tu disseres alguma coisa ruim, prejudicial a uma pessoa, tu vais ser punido por isso. Então, larguemos a hipocrisia. Eu costumo dizer o seguinte: a palavra bandida. Todo mundo sabe o que ela significa. Se eu brigo com uma mulher e grito BANDIDA, BANDIDA, BANDIDA. Ela pode me processar e me levar pra cadeia. Mas se eu disser assim pra ela, atrás da orelhinha: bandida. Esse bandida é a mesma coisa e é outra ao mesmo tempo. O modo de dizer tipifica tua intenção. E não é necessariamente um preconceito, ou um crime, etc, etc, etc... As pessoas inteligentes sabem disso, mas onde é que andam as pessoas inteligentes?
Ping - Seus comentários continuam apimentados, polêmicos. Você não perdeu a linha analítica e crítica. Essa é uma opção, ou um filão do mercado que o Prates ocupa por achar que o jornalismo local, em sua maioria, é insosso e despreocupado com os interesses do cidadão?
Prates - Não. Aí seria um tipo. E se fosse um tipo eu estaria há muito tempo em Brasília e ganhando muito dinheiro. Mas não é tipo. De uma feita, há muitos anos atrás, num jornalzinho interno da RBS, fizeram uma entrevista comigo como esta e o título foi: o justiceiro rebelde. Eu não me dei esse título, nem sabia disso. Eu gosto muito de justiça e comentei há pouco na televisão o seguinte: digamos que eu fosse advogado e um cara multimilionário me procura para defendê-lo, mas qual foi o crime? Ele estuprou e matou, ou ele esgoelou a vovozinha. E ele me pergunta: quanto é que tu queres, para me defender, porque sei que tu és o melhor advogado? E eu digo: vai procurar outro. Se eu sei que tu és culpado, me desculpe, compadre, eu não vou te defender.
Eu disse isso numa palestra para alunos de Direito em Tubarão e duas gurias levantaram e queriam me esgoelar. Eu digo: não façam prostituição no Direito! Ah, mas todos têm o direito à defesa. Então, procura um que vá te defender. Eu não. Se eu souber que o cara é culpado, eu não o defendo. Esse dinheiro, não me interessa. Não faço tipo. Essa é realmente uma forma, para muitos, obtusa de ser, mas é um jeito de ser. E tu não podes rejeitar o teu jeito de ser.
Trabalhos paralelos
Ping - Hoje, de todas as plataformas possíveis do jornalismo, você não está apenas no rádio que, aliás, foi onde você começou. Dizem que o rádio é igual cachaça, depois do primeiro gole, vicia. O que fazer para controlar esse vício?
Prates - Nada. Se atirar nos braços desse vício e morrer com ele. Por que o rádio é um grande veículo? É que o rádio trabalha com a fantasia. A televisão trabalha com a verdade. Eu não preciso de fantasia para narrar um jogo na televisão. O telespectador está vendo o jogo. Na narração esportiva do rádio, você tem quer ser fantasioso para que o que cara jogue o jogo e se inquiete e para que preserve-se a audiência.
O rádio é companheiro do banheiro, na pescaria, no meio do mato, dentro do barco, dentro do carro, o rádio nas suas noites insones de baixo do travesseiro, o rádio no banheiro, o rádio de todas as horas, o rádio voz. É companheiro dos solitários, o rádio é vida. O mendigo debaixo de um viaduto não tem amigos. Tem um cachorro fiel e um rádio que o atualiza. Nenhum outro veículo chega perto. E depois do advento do telefone celular, o rádio jamais será batido, porque qualquer um é repórter internacional na hora. Eu ligo, e se a notícia for boa o cara me bota no ar. Nenhum veículo compete com o rádio em agilidade, em presteza, em entretenimento, em lazer, em tudo rádio.
Ping - Você está no rádio como ouvinte, hoje, e não como profissional, certo?
Prates - Não. Eu trabalho para duas emissoras ao mesmo tempo. Rádio Hulha Negra, de Criciúma, líder em audiência, porque eu também não sou bobo. E a CBN que é a grande rádio do Brasil em jornalismo. CBN Lages. Eu tenho um programa pra essas duas rádios. E olha meu compadre eu costumo dizer assim: você manteve o rádio ligado depois do intervalo? Gente corajosa, porque eu bato com as duas mãos em quem está me ouvindo e não merece estar me ouvindo.
Ping - Sua coluna chega a quase 100 jornais do interior. Como você sabe se todos esses jornais estão publicando o Prates na íntegra, ou se nenhum editor colocou uma linha a mais no comentário?
Prates - Não teriam coragem e nem talento para fazer isso. Uma frase inserida num comentário meu o leitor de cara diria: isso aí é enxerto. Ah, mas tu não és nada modesto. Nesta área, não. Porque o modesto, neste caso, seria o politicamente correto. Aprendam primeiro a conjugar o verbo haver. E aí, se apresentem.
Ping - Você também é um conhecido palestrante, visitando, inclusive outros estados. Seus temas, contudo, pouco têm a ver com a tua vocação de jornalista. Você fala sobre comportamento, motivação e até administração. Por que isso?
Prates - Porque atrás do administrador, do vendedor, do cientista, há o ser humano. Se tu não tratares o ser humano antes de tratares o profissional, tu não vai ter bom encaminhamento neste teu propósito de ajudar às pessoas. Então, eu me valho desta minha psicologia acadêmica, da minha paixão pela psicologia e das minhas observações de jornalista para falar, por exemplo, sobre ética dentro das empresas.
Eu costumo dizer uma frase dentro da empresa: onde entra o interesse pelo lucro, sai pela primeira janela a ética. Pô, isso aí tu estás chutando a canela do empresário. Mas esta é a realidade. As empresas são éticas por conveniência, mas quando não precisam, ou podem não ser éticas, não o são. E não tentemos tapar o sol com a peneira. Digo isso nas empresas, e eles gostam.
A Fundação Getúlio Vargas tem um curso de formação de cartilhas éticas para as empresas. A FGV manda seus representantes estudarem a empresa, o perfil, o mercado, os funcionários, o produto. Daí elabora um perfil do código de ética. Mas, antes do treinamento para os funcionários da empresa, é preciso treinar os diretores. Tenho uma reportagem do Estado de São Paulo comigo que 20 empresas que procuraram a fundação rejeitaram o trabalho dela, porque ela treina primeiro os diretores e eles não aceitam ser treinados em ética. Como quem diz: nós não precisamos. Quem precisa, são os peões. Isto é ética? Não. Isto é soberba.
Ping - Você tem toda autonomia para falar sobre isso, porque tens um nome consagrado. E o estudante de jornalismo pode ter um discurso semelhante ao chegar numa empresa e ter espaço?
Prates - Esse espaço se consegue aos poucos e tem que ser com jeito. Se tu chegares de nariz empinado é evidente que tu vai ser rejeitado. Mas eu não chego assim na empresa. Todo mundo pergunta para os que me conhecem: vem cá, o Prates é assim o tempo inteiro? Ele é um cara insuportável? Não, não, não. Pelo contrário. Eu até me considero um cara bem gaiato fora do trabalho. Mas naqueles dois minutos da televisão, ou nos programas de rádio, eu quero mudar o mundo. Quero mudar o mundo mesmo.
O teu modo de falar impõe respeito. Mas o teu modo de falar depende do credo que tu tens nas tuas ideias. Se tu acreditares nas tuas ideias, se tu exercitares o teu falar em público, o teu modo de expressar as tuas ideias, tu passas a ter naturalmente uma autoridade que as pessoas não te vão contestar. Elas vão reconhecer autoridade, gerada pela competência. Isto depende de ti. Agora, se tu chegar olhando pro lado, com frases um tanto vacilantes, as pessoas sabem que tu deixa a desejar.
Ping - Vou te pedir uma pequena palestra, uma análise sobre o jornalismo praticado na Grande Florianópolis. Nós já vivemos tempos melhores? Já fomos mais sonhadores? Já fomos uma profissão mais procurada pelos jovens? Já tivemos melhores condições de trabalho?
Prates - Já. Mas num modo um tanto romântico. Uma coisa pouco profissional. O português era trôpego, o conhecimento era muito pouco abrangente, era limitado mais ou menos ao umbigo da cidade, da região. As pessoas eram mais comunitárias. Esse tempo meio que passou. Para não dizer: passou.
Hoje nós estamos naquilo que de há muito foi previsto como aldeia global. Tu precisa ter informação, precisa acreditar nas tuas ideias, precisa ser eletivo, tu precisa saber te expressar, escrever, e ter, indispensavelmente, coragem. Agora, coragem para a verdade. Às vezes, as pessoas me dizem assim: pô, tu és um cara muito corajoso. Espera um pouquinho, corajoso é o cara que diz inverdades. Esse é corajoso. Agora, se tu dizes verdades, de onde é preciso coragem para dizer a verdade?
As pessoas têm insegurança diante da sua própria verdade. Se eu te disser alguma coisa, visando ao teu bem, e tu não concordares e me contra-argumentares, eu penso, reflito e digo: tu tens razão cara. Eu sou razoavelmente inteligente, eu vou refazer o meu ponto de vista, mas se eu não tenho essas condições de avaliar, eu rejeito de imediato. Isto acontece muito nos credos religiosos. As pessoas que se dizem muito religiosas, na verdade, não creem em nada. Quando vem alguém em sentido contrário e as contesta, elas viram extremistas, não é bem extremistas a palavra, bueno, enfim, porque elas se sentem atingidas na sua não-fé. O cara que tem verdadeiramente tem fé, fica tranquilo, acha graça e vai embora. Pai, perdoai-vos, não sabem o que dizem.
Ping - E o jornalismo Prates. Entrei nele com certa utopia e, hoje, depois de atuar, percebi que não era bem o que eu imaginava, inclusive, na questão da qualidade. O que aconteceu com ele?
Prates - Tu tens que trazer qualidade, se é que tu queres qualidade. Tens que fazer um voto de pobreza, sabendo que jornalismo é voto de pobreza. Ah, mas o Faustão ganha R$ 3 milhões. Ele não é jornalista, é um empresário. Tem agência de publicidade, comercializa espaço. O Gugu a mesma coisa. Jornalista, jornalista, ganha pouco. Especialmente numa região como Santa Catarina.
Tens que saber disso. Ah, mas eu nem penso no dinheiro. Penso nas minhas ideias, no meu prazer, na minha paixão, na minha vocação. Se fores assim, serás longevo, caso contrário, não. Essas guriazinhas que andam aí com 22, 23 anos fazendo reportagem e que aparecem na tela da televisão, estou dando, no máximo, cinco anos pra elas. Vão casar, vão se enrabichar em seguida com um bermudão qualquer e vão cair fora do jornalismo. Isso não é jornalista, isso é dengosa.
Ping - Aos setenta anos, tu estás trabalhando na tua primeira publicação em livro. Estou cometendo aqui um crime com a nossa pirâmide do jornalismo, porque estou tratando desse assunto, apenas no final da entrevista. Fale sobre esse livro, do que ele vai tratar?
Prates - Agora pode parecer dissimulação da minha parte: ainda não sei. É um projeto, mas em função de muitos pedidos. Escrevo há quantos anos em jornal? Isso aí já é um livro. Não, mas não é a mesma coisa, bota num livro. Estou decidido a fazer esse livro. Se me perguntares hoje como é que ele vai ser, não sei ainda. Mas vai ser do meu jeito. Auto-ajuda? Com certeza. Mas não a auto-ajuda barata. Uma auto-ajuda que chuta o joelho, porque é a única em que eu acredito. Alguém que te pegue no braço e diga assim: deixa de ser burro. Tu tás pensando o quê?

Será uma auto-ajuda do jeito do Analista de Bagé, com joelhadas. Não sei como vai ser, mas quero que as pessoas leiam e digam: pois não é que eu gostei.

Ping - Não vais quebrar a perna de ninguém nesse chute não é?

Prates - Não. É o chute do amor.

Ping - Pra encerrar, como é que você se prepara para o jornalismo, eu sei que você tem uma carreira de mais de 50 anos, e isso tudo é uma escola, mas e as leituras, tens leituras pra indicar aos estudantes e leitores?

Prates - Passa na livraria, tu que não tens o hábito, o vício e vai folheando um livro lá que te atraia pelo título. O título é, na verdade, uma isca. Às vezes o livro não tem nada a ver. Mas vai lá, dá um folheadinha. Pegue um livro de poucas páginas, pra tu não cansares só no olhar e começa devagarinho. Tu lê a primeira página e fica curioso pra ver a segunda. É como novela. Se tu assistes um capítulo, quando acabar o capítulo, tu fica louco de curiosidade pra saber como é que vai ser o capítulo de amanhã. Foi o que aconteceu comigo com Flor do Caribe. Com livros também é assim.

Leia o que tu gostares, etc, etc, etc, e aí o leque vai acabar sendo aberto de um modo ilimitado. Tu vais acabar lendo sobre coisas que tu não imaginavas. Leio de tudo um pouco, não sou seletivo, não tenho preconceitos com leituras. Eu não tenho nada a ver com islamismo e li o Alcorão. Gosto desse tipo de leitura. Por que sou um religioso? Não. Eu sou um pesquisador. Sou um buscador. Eu quero a verdade. Se tu me perguntares, eu li todos os livros religiosos significativos na vida, em busca da verdade. Achei-a? Não. Pelo contrário, dei nós na minha cabeça e estou pior do que estava antes de lê-los. 

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