segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Um político incorruptível


Depois de perder mais uma eleição, o político Armando Boaventura sentiu-se cansado e não aceitava o fato de o povo não torná-lo prefeito da cidade de Grunhidos. Sua mãe, a principal cabo eleitoral tentava consolá-lo, afinal, esse foi o melhor resultado do filhão. Faltou cativar apenas seis mil eleitores e seus votos. Mas não havia maneira, a derrota berrava na consciência do político. A amarga sensação da rejeição eleitoral doía-lhe em todos os músculos da esperança. No banho do relaxamento, Armando lembrou-se de sua trajetória como renegado político.

Empenho e dedicação não faltavam nas intentonas eleitorais de Armando. Porém, mesmo sendo bem armadas as suas campanhas, as armações políticas dos adversários surpreendia a expectativa do triunfo. Armado pela dor da última derrota e retido nesses pensamentos, Armando lembrou-se da primeira vez que se candidatou a um cargo público. Nos idos da década de 1990, lançou-se a vereança pelo Partido Nacional Nanico, o PNN. Cerca de 500 votos garantiriam a cadeira. Ele foi o primeiro candidato entre os que o não se elegeram.

Lançou-se Deputado Estadual em 1994, ainda filiado às pequenas ideologias dos nanicos do PNN. Dessa vez, foi eleitoralmente atropelado. Armando atingiu tão insignificante votação que quase desistiu da carreira política. Nesse crítico momento, lá estava Vitória Boaventura, dando o incentivo suficiente para alimentar a perseverança do filho. O apoio dos correligionários também foi crucial para que ele insistisse, na ainda inicial e infeliz, carreira.

Novas eleições em 1996 fizeram o guerreiro ressurgir das cinzas. Ousado como um Pinscher a latir do portão para dentro, onde é lugar seguro, Armando era a única opção divergente da política caquética de Grunhidos. Os grunhidenses estavam assas cansados da administração anterior, manchada pela corrupção, o vício dos administrados brasileiros. Ainda assim, o cenário não foi mudado, e os políticos ficha-suja permaneceram no comando, este o vício do eleitor brasileiro.

No pleito de 2000, havia nova injeção de ânimo. Aconselhado pela mãe, Armando contratou um marketeiro para sua campanha. O encarregado para essa função era o mais popular e competente cidadão da publicidade de Grunhidos. Papagaio repetia aos quatro cantos o nome de Boaventura, o candidato da mudança, da renovação e da boa postura. Mas a candidatura não emplacou e Armando, até hoje, deve muito dinheiro a Papagaio. O marketeiro é chamado por Armando de Quero-quero, o que ele quer, todos sabemos.

A oposição apostou na juventude em 2004 e Boaventura era um senhor em sufrágios eleitorais. As chances eram enormes, talvez a melhor oportunidade. Armando, contudo, foi muito mal nos debates promovidos pela BomTV, detentora da maior audiência em Grunhidos e região. No último bloco da transmissão, Armando não estava mais na bancada, o que arruinou sua imagem diante de uma irritada opinião pública. O Pavio Curto, único jornal impresso da cidade, não poupou críticas a Armando, que despencou nas pesquisas de intenção de votos e perdeu mais uma vez.

O vice-candidato de 2008 era a novidade. Jacinto Bonança foi o vereador mais votado em 2004. Enquanto isso, a oposição lançou o mesmo candidato de quatro anos atrás, na tentativa da reeleição. Tudo ia bem, quando a propaganda de campanha adversária denunciou os atos de corrupção do candidato a vice-prefeito de Armando, o senhor Jacinto. As irregularidades foram comprovadas. Jacinto sentiu que seria melhor abandonar o barco e mais uma tentativa de Armando foi para o ralo.

Em 2010, Armando não se candidatou. Nesses tempos, ele se dedicou a vender cachorro-quente na praça da cidade, ofício com o qual levava dinheiro para casa e conseguia nutrir a própria fome e a de sua mãe. Mesmo focado em cozinhar salsicha para colocá-las dentro de um pão e vendê-las com temperos a gosto do cliente,o insucesso nas campanhas fez sua clientela minguar. E foi por isso que decidiu lançar-se ao pleito novamente em 2012.

Armando era um solteirão e não tinha filhos. Suas obrigações financeiras eram apenas com a alimentação dele e da mãe, e as despesas normais do ser humano: telefone, água, luz, internet e outros impostos que fazem o Brasil ter dinheiro suficiente para ser a sétima economia do mundo e para os políticos desviarem para si e seus comparsas.

Vitória, que na carteira de identidade exibe esse adjetivo como nome não tinha fonte de renda desde que deixou de ser lavadeira. Ela se emociona ao lembrar que descia a Rua das Ilusões e chegava ao Rio das Cabras para lavar a roupa de toda a vizinhança de Grunhidos. O tempo bom. Agora, ela só tinha o que fazer quando Armando decidia ser candidato. Então ela saia às ruas pedindo voto e espalhava nas caixinhas de correio o santinho de seu garotão. Por esse motivo, ela fazia questão de incentivá-lo. Mas, de que adiantou?

Adiantou, Dona Vitória. As derrotas de armando Boaventura fazem dele o único político que, certamente, jamais se corrompeu na atividade política. Esse homem deveria ser venerado em praça pública e não apenas pela cidade de Grunhidos. Seu nome merece ser gritado pelo país, ou pelo menos em Brasília, onde sobra gente com a obrigação de imitar sua incorruptibilidade. E por que não ali na Praça XV da cidade que mais queima ônibus no Brasil? A ainda mágica e, agora, mais quente Florianópolis.


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