Depois de perder mais uma eleição, o político Armando
Boaventura sentiu-se cansado e não aceitava o fato de o povo não torná-lo
prefeito da cidade de Grunhidos. Sua mãe, a principal cabo eleitoral tentava
consolá-lo, afinal, esse foi o melhor resultado do filhão. Faltou cativar
apenas seis mil eleitores e seus votos. Mas não havia maneira, a derrota
berrava na consciência do político. A amarga sensação da rejeição eleitoral
doía-lhe em todos os músculos da esperança. No banho do relaxamento, Armando
lembrou-se de sua trajetória como renegado político.
Empenho e dedicação não faltavam nas intentonas eleitorais
de Armando. Porém, mesmo sendo bem armadas as suas campanhas, as armações
políticas dos adversários surpreendia a expectativa do triunfo. Armado pela dor
da última derrota e retido nesses pensamentos, Armando lembrou-se da primeira
vez que se candidatou a um cargo público. Nos idos da década de 1990, lançou-se
a vereança pelo Partido Nacional Nanico, o PNN. Cerca de 500 votos garantiriam
a cadeira. Ele foi o primeiro candidato entre os que o não se elegeram.
Lançou-se Deputado Estadual em 1994, ainda filiado às
pequenas ideologias dos nanicos do PNN. Dessa vez, foi eleitoralmente
atropelado. Armando atingiu tão insignificante votação que quase desistiu da
carreira política. Nesse crítico momento, lá estava Vitória Boaventura, dando o
incentivo suficiente para alimentar a perseverança do filho. O apoio dos
correligionários também foi crucial para que ele insistisse, na ainda inicial e
infeliz, carreira.
Novas eleições em 1996 fizeram o guerreiro ressurgir das
cinzas. Ousado como um Pinscher a latir do portão para dentro, onde é lugar
seguro, Armando era a única opção divergente da política caquética de
Grunhidos. Os grunhidenses estavam assas cansados da administração anterior,
manchada pela corrupção, o vício dos administrados brasileiros. Ainda assim, o
cenário não foi mudado, e os políticos ficha-suja permaneceram no comando, este
o vício do eleitor brasileiro.
No pleito de 2000, havia nova injeção de ânimo. Aconselhado
pela mãe, Armando contratou um marketeiro para sua campanha. O encarregado para
essa função era o mais popular e competente cidadão da publicidade de
Grunhidos. Papagaio repetia aos quatro cantos o nome de Boaventura, o candidato
da mudança, da renovação e da boa postura. Mas a candidatura não emplacou e
Armando, até hoje, deve muito dinheiro a Papagaio. O marketeiro é chamado por
Armando de Quero-quero, o que ele quer, todos sabemos.
A oposição apostou na juventude em 2004 e Boaventura era um
senhor em sufrágios eleitorais. As chances eram enormes, talvez a melhor
oportunidade. Armando, contudo, foi muito mal nos debates promovidos pela
BomTV, detentora da maior audiência em Grunhidos e região. No último bloco da
transmissão, Armando não estava mais na bancada, o que arruinou sua imagem
diante de uma irritada opinião pública. O Pavio Curto, único jornal impresso da
cidade, não poupou críticas a Armando, que despencou nas pesquisas de intenção
de votos e perdeu mais uma vez.
O vice-candidato de 2008 era a novidade. Jacinto Bonança foi
o vereador mais votado em 2004. Enquanto isso, a oposição lançou o mesmo
candidato de quatro anos atrás, na tentativa da reeleição. Tudo ia bem, quando
a propaganda de campanha adversária denunciou os atos de corrupção do candidato
a vice-prefeito de Armando, o senhor Jacinto. As irregularidades foram
comprovadas. Jacinto sentiu que seria melhor abandonar o barco e mais uma
tentativa de Armando foi para o ralo.
Em 2010, Armando não se candidatou. Nesses tempos, ele se
dedicou a vender cachorro-quente na praça da cidade, ofício com o qual levava
dinheiro para casa e conseguia nutrir a própria fome e a de sua mãe. Mesmo
focado em cozinhar salsicha para colocá-las dentro de um pão e vendê-las com
temperos a gosto do cliente,o insucesso nas campanhas fez sua clientela
minguar. E foi por isso que decidiu lançar-se ao pleito novamente em 2012.
Armando era um solteirão e não tinha filhos. Suas obrigações
financeiras eram apenas com a alimentação dele e da mãe, e as despesas normais
do ser humano: telefone, água, luz, internet e outros impostos que fazem o
Brasil ter dinheiro suficiente para ser a sétima economia do mundo e para os
políticos desviarem para si e seus comparsas.
Vitória, que na carteira de identidade exibe esse adjetivo
como nome não tinha fonte de renda desde que deixou de ser lavadeira. Ela se
emociona ao lembrar que descia a Rua das Ilusões e chegava ao Rio das Cabras
para lavar a roupa de toda a vizinhança de Grunhidos. O tempo bom. Agora, ela
só tinha o que fazer quando Armando decidia ser candidato. Então ela saia às
ruas pedindo voto e espalhava nas caixinhas de correio o santinho de seu
garotão. Por esse motivo, ela fazia questão de incentivá-lo. Mas, de que
adiantou?
Adiantou, Dona Vitória. As derrotas de armando Boaventura
fazem dele o único político que, certamente, jamais se corrompeu na atividade
política. Esse homem deveria ser venerado em praça pública e não apenas pela
cidade de Grunhidos. Seu nome merece ser gritado pelo país, ou pelo menos em Brasília,
onde sobra gente com a obrigação de imitar sua incorruptibilidade. E por que
não ali na Praça XV da cidade que mais queima ônibus no Brasil? A ainda mágica
e, agora, mais quente Florianópolis.
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