segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Murros na anatomia

Nada é tão sobrevivente no mundo quanto as inconveniências ditas pelo homem. Depois que morrem, eles deixam um legado de maus costumes aos seus semelhantes e assim muitas bobagens pairam eternamente na Terra. Essa herança maldita, perigosa, destruidora e que se aproxima da unanimidade, merece ser esmurrada até sangrar e gritar agonizante a própria morte. E se essas asneiras que residem em várias mentes não desfalecerem espancadas, elas devem ter abertas para si as portas do esquecimento e da indiferença.

Faz-se necessário, para tanto, falar sobre anatomia, usando a versão divina da criação humana. Essa tese, diz que deus foi criador dos céus e da Terra e que também deu vida ao homem, conforme a sua imagem e semelhança. Assim, pode-se compreender que deus também tinha, ou tem, duas orelhas e uma boca. Ainda tateando essa hipótese da criação, pode-se afirmar que deus deixou implícita a ideia de que o homem precisa ouvir mais e falar menos. Por isso, tem duas entradas de som e apenas uma saída.

Os humanos que são expelidos do ventre materno e nascem aparentemente perfeitos, têm que se queixar, desde já, da disposição do seu corpo. É importante desestruturar os ditados e enfraquecê-los a fim de que não perdurem por séculos incontestes. O homem não precisa ouvir mais e falar menos! Essa foi a desculpa encontrada para que ninguém reclame da imperfeição do próprio corpo. O criador do ditado, se ainda respira, está feliz por saber que a máxima preocupação estética da contemporaneidade é estar na medida certa: os homens com músculos e as mulheres com belas curvas.

Os porquês dessa inferência são múltiplos, pois a raça humana sofre maus bocados por ter uma só boca. As bactérias que desfilam na passarela das bocas abertas é imensurável a olho nu. E isso ocorre porque muitas são as funções da boca humana. Uma resumida lista com cinco delas, foi estendida no parágrafo seguinte, com o intuito de desmoralizar um clichê tão imbecil e mostrar a exploração da boca pelo homem. Eis os cinco mandamentos da boca.

A fala é a mais famosa das ações bucais e hoje sofre de déficit de importância; a alimentação é talvez a mais antiga e prazerosa. A respiração também é feita por ela quando o nariz encontra-se congestionado; o beijo dos namorados é praticado nela, com uma grande contribuição linguística e labial claro. E a novidade está no sexo. Isso provavelmente não foi planejado por deus, mas o sexo oral agora é uma prática comum a muitas bocas. Mencionadas essas cinco ações, não se pode creditar tantos méritos a evolução da espécies, sobretudo, da espécie humana.

Quanto ao ouvido, há uma possível teoria que justifique sua paridade. É que a vibração dos tímpanos não se dá apenas quando outros humanos falam. Ela também ocorre quando o dono da voz emite sons da boca para fora, em outras palavras, todos estão habilitados a ouvir-se falando e, por tanto, naturalmente se ouve mais do que se fala. A vantagem de ouvir a própria voz é que se pode controlar o timbre, a fim de usá-lo com eficácia em um grito desesperado de socorro e com sutileza em um sussurro tranquilizante de boa noite.

As próximas gerações não precisam nascer com menos orelhas e mais bocas. Entretanto, como transplanta outros órgãos, o homem deveria fazer o mesmo com orelhas e bocas, porque as suas estão desgastadas. No passado, o ser humano tinha menos tempo para viver, sendo possível ter a mesma boca e as mesmas orelhas para sempre. Na contemporaneidade, a moda é completar centenário. Deus não deve ter imaginado que a sua criação fosse se especializar na vida. Ainda assim, os mais saudáveis velhos de hoje e os adultos, têm suas bocas e orelhas vencidas. Uns porque expeliram pelo buraco errado o que a bunda defeca, outros porque deixaram entrar pelas orelhas essa mesma defecação.

Não há, momentaneamente, anticorpos para vencer a contaminação causada por essas bactérias e elas continuam circulando aonde não devem. Não há escovação, fio dental e cotonete que higienize a sujeira milenar das bocas e dos ouvidos humanos. As cáries e as gengivites dessa humanidade geram um fedorento mau hálito coletivo por cima da Terra. Além disso, porque estão com seus ouvidos sujos e viciados, esses habitantes da Terra, já não valorizam a integridade, a dignidade do ser humano. Para eles, isso é falácia e hipocrisia.

Voltemos aos cinco mandamentos da boca, agora eles serão praticados exacerbadamente, ou seja, como viciantes hábitos. Os vícios, assim como os ditados, não se cansam de existir e, vício por vício, ou ditado por ditado, até mesmo um deles é interessante aqui e agora: tudo que é feito exageradamente traz algum malefício, mesmo que o objeto viciante seja sinônimo de prazer, aliás, assim funcionam os vícios.

Por isso, os viciados em falar são chamados falastrões. Os viciados em comer têm o desprazer de acumular gordura em seus corpos, ficam gordos. Os viciados em cuidar da saúde são chamados hipocondríacos e encontram doenças em corpo são. Os viciados em sexo são ninfomaníacos, putas, safados, vadias. Os viciados em beijar são grudentos e, costumeiramente fazem degringolar o próprio relacionamento.

Não se pode esquecer que o mundo caminha assim há muito tempo. O descrédito dessa humanidade não é uma criança que acaba de nascer. É um fado histórico e provavelmente imortal. Alguns lúcidos antepassados tentaram alertar as cabeças da contemporaneidade, mas desistiram depois de deparar-se com o descaso dos ouvidos desgastados.

O homem talvez devesse mesmo solicitar ao deus que teme a troca de suas orelhas e bocas quando estas atingissem a faixa dos trinta anos de utilização. Ou, será uma competência da ciência reciclá-las,pois é evidente que uma sobrecarregada boca não consegue fazer duas orelhas ouvirem, ou dois olhos enxergarem. E não adianta que um homem nasça com seis bocas para falar o que ninguém quer ouvir, pois ele nascerá apenas deformado.

Epílogo

Pegue duas rolhas lavadas e dois pepinos cortados em rodela. Tampe os ouvidos com as rolhas e os olhos com os pepinos e essas palavras entrarão pela tua goela, passarão pelos sete órgãos do sistema digestivo e tornar-se-ão nutrientes que oxigenarão teu cérebro.


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